Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e investigador da Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa, vai deixar de participar nas reuniões do Infarmed onde um conjunto de peritos fazem regularmente a análise da situação epidemiológica da covid-19 em Portugal.
A notícia foi avançada primeiro por António Costa e confirmada, à saída da reunião, pela ministra da Saúde, a única governante que marcou presença física, enquanto os restantes o fizeram por videoconferência.
Marta Temido disse que a saída de Manuel Carmo Gomes acontece “por razões profissionais” e rejeitou que a situação estivesse relacionada com as várias posições críticas do epidemiologista ao Governo relacionadas com a estratégia adotada pelo executivo no combate à pandemia que, aliás, ficaram bem patentes na intervenção que fez esta terça-feira.
A ministra esclareceu ainda que o investigador da FCT vai continuar a acompanhar o grupo, mas sem “apresentações presenciais”.
Em declarações ao Público, Manuel Carmo Gomes corroborou as afirmações da ministra, afirmando que ia "continuar a apoiar as reuniões do Infarmed" e que até poderá "estar presente para esclarecer dúvidas". "Agora, deixo de estar obrigado a fazer apresentações, porque estou muito sobrecarregado com a Comissão Técnica de Vacinação [da Direcção-Geral da Saúde] e porque as aulas vão começar”, explicou.
O epidemiologista rejeitou ainda qualquer "exploração política" desta decisão.
O discurso duro de Manuel do Carmo Gomes onde a testagem é a "arma principal" e não o confinamento
Manuel do Carmo Gomes defendeu na reunião desta terça-feira no Infarmed a testagem como “arma principal” no combate à pandemia de covid-19, afirmando que se deve evitar o confinamento.
O epidemiologista exemplificou como uma imagem que foi apresentada numa das primeiras reuniões do Infarmed e que mostra como a testagem é importante. Essa imagem mostra que o vírus SARS-Cov-2, que causa a covid-19, se comporta como “uma mola em que é preciso usar uma mão ou um pé para manter a mola pressionada para baixo, caso contrário ela dispara”, nesta situação o número de casos aumenta exponencialmente.
“Neste momento, estamos a pôr o pé na mola porque estamos todos em casa (…) mas como vamos sair deste confinamento sem deixar que a mola venha por aí acima outra vez e eventualmente agravada pela presença das variantes”, questionou.
No seu entender, a resposta é “uma estratégia de testagem”, que inclui “três linhas vermelhas” que são “discutíveis”. “Podemos mudá-las, ajustá-las, mas são três linhas vermelhas que se forem ultrapassadas, qualquer uma delas, nós temos que responder em força preferencialmente com um grande aumento da testagem para evitar o confinamento”, defendeu.
Essas linhas vermelhas são ter um ‘R’ (índice de transmissibilidade) que não ultrapasse 1,1 pelo menos durante demasiados dias. Por isso, defendeu, Portugal tem ter uma percentagem de testes positivos abaixo dos 10%, sendo o ideal cerca de 5% de positividade.
“O resultado que podemos ver na percentagem de testes positivos é que enquanto em Portugal nós andamos sistematicamente atrás da incidência, e depois tivemos esta subida após o Natal, a Dinamarca conseguiu manter a percentagem de testes positivos relativamente baixa devido a esta resposta”, observou.
O objetivo é “muito simples: reduzir o número de casos muito depressa e não permitir que a curva epidémica suba”, ganhando tempo para “vacinar o maior número possível de pessoas o mais depressa possível”.
A incidência não deve ultrapassar os 2.000 novos casos por dia, o que corresponderia aproximadamente a 1.500 pessoas hospitalizadas e cerca de 200 em cuidados intensivos.
Manuel do Carmo Gomes ressalvou que a sua exposição é “uma reflexão” que deve ser feita, olhando para estes critérios que “são muito objetivos”. “Devemos publicitá-los e agir decididamente quando uma destas linhas é ultrapassada”, vincou.
Paralelamente, é preciso fazer “um grande esforço para travar a importação das variantes, através de ações decisivas nos pontos de entrada e saída do país”, e aumentar a vigilância que o Instituto Ricardo Jorge tem vindo a conduzir.
Para Carmo Gomes, são necessárias “regras objetivas, conhecidas por todos com antecedência” acerca de quando é que se deve confinar e quando de se pode desconfinar.
“Nós fomos sucessivamente adotando medidas de contingência, estado de emergência, medidas de confinamento, fins de semana, etc..., e andamos permanentemente sem conseguir travar de forma definitiva o crescendo da epidemia”, disse, advertindo que “a sociedade começa a dividir-se", entre os que acham que as medidas são excessivas e os que consideram que são escassas.
[Notícia corrigida às 22:28]
Comentários