“Entendo que tenho condições para continuar, pese embora admita que houve erros que foram cometidos e tiveram repercussões internacionais”, afirmou Francisca Van Dunem no parlamento sobre os erros que constam numa nota enviada ao Conselho Europeu sobre o procurador europeu José Guerra, tendo admitido aos deputados que não reviu a fundamentação contida na mesma presumindo que correspondia às informações que tinha dado à direção-geral de Política de Justiça.
Reconhecendo mais uma vez que foram cometidos “erros palmares” na nota, Francisca Van Dunem explicou que a mesma foi pedida com caráter de urgência pela representação portuguesa junto da União Europeia.
“Estou perfeitamente disponível para reconhecer que da minha parte possa ter havido uma falha por não ter exigido que a nota voltasse às minhas mãos para verificar as orientações que dei na reunião”, afirmou a titular da pasta da Justiça, considerando, contudo, que “apesar da gravidade dos factos o caso está a ser empolado a todos os níveis de forma a transmitir a intenção que os vícios foram para beneficiar um candidato”.
“A extensão da gravidade disto está claramente a ser empolada. Pretende-se criar um embaraço ao Governo de Portugal, numa altura em que o país assume a presidência do conselho europeu”, reiterou a ministra, insistindo que não houve qualquer intenção dolosa.
Na nota do Governo a fundamentar a escolha de José Guerra para o lugar de procurador europeu nacional, este magistrado é identificado como sendo "procurador-geral-adjunto", categoria que não tem, sendo apenas Procurador da República e como tendo participado "na liderança investigatória e acusatória" no processo UGT, o que também não é verdade, porque foi o magistrado escolhido pelo MP para fazer o julgamento e não a acusação.
A ministra esteve hoje a dar explicações aos deputados sobre as incorreções no currículo do procurador europeu José Guerra enviadas ao Conselho Europeu, que já provocou a demissão do diretor-geral da Política de justiça.
O parlamento aprovou requerimentos do PSD, PS, CDS-PP e BE para ouvir Francisca Van Dunem "com caráter de urgência" na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. A ministra tinha manifestado, por diversas vezes, a sua disponibilidade para prestar esclarecimentos aos deputados, dizendo mesmo estar “ansiosa por ir ao parlamento dar essas explicações para ver se isto acaba”.
A deputada PSD Mónica Quintela, que abriu a sessão, acusou o Governo de ter nomeado um comissário político para procurador europeu, ao escolher José Guerra, tendo a ministra da Justiça justificado que o Governo se limitou a apoiar a decisão do Conselho Superior do Ministério Público.
“O Governo não nomeou um procurador independente para um órgão que vai investigar as fraudes com os subsídios europeus, quis nomear o seu comissário político, um dos seus”, acusou a deputada social-democrata Mónica Quintela na sua primeira intervenção na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Para o PSD, a escolha de José Guerra pelo Governo, que não ficou em primeiro lugar na classificação de um painel europeu independente, foi “um fato feito à medida de forma ardilosa” de forma a “indicar alguém da sua confiança pessoal e política para um cargo que exigia independência e mérito”.
Sobre a nota, enviada em novembro de 2019 ao Conselho Europeu, Mónica Quintela disse que a mesma, que continha erros na classificação e no percurso profissional do magistrado foi “foi escrita com precisão de lupa e falseada de forma a alavancar o percurso profissional de José Guerra”.
Na resposta, Francisca Van Dunem fez o historial de todo o processo de escolha dos candidatos, afirmando que o regulamento não obriga a escolher o primeiro candidato da lista do painel europeu, que este caso foi a procuradora Ana Carla Almeida, e que o
Governo optou por seguir a decisão do conselho Superior do Ministério Público (CSMP) que colocou José Guerra em primeiro lugar, considerando que este “estaria em melhores condições” para exercer o cargo.
Sobre os incorreções constantes na nota enviada ao conselho Europeu sobre o currículo de José Guerra, a ministra reconheceu que os erros são maus.
“É obvio que essa nota tem erros e que isso é mau, não quero minimizar, nem aligeirar os erros”, afirmou a governante, ressalvando que logo que foram detetados foram corrigidos numa carta enviada ao representante europeu junto da União Europeia.
Francisca Van Dunem tem estado no centro da polémica nos últimos dias, depois da revelação de lapsos que valorizavam o currículo de José Guerra, com vários partidos a questionarem a sua permanência no cargo.
A polémica estalou quando, na semana passada, foi noticiado que, numa nota enviada para a União Europeia em novembro de 2019, o Governo apresentou dados falsos sobre o magistrado preferido para procurador europeu, depois de um comité europeu de peritos ter considerado Ana Carla Almeida a melhor candidata para o cargo.
Na segunda-feira, a ministra da Justiça enviou ao representante português junto da União Europeia uma correção dos erros, no mesmo dia em que o diretor-geral da Direção-Geral da Política de Justiça, Miguel Romão, se demitiu do cargo.
António Costa defende Van Dunem
O primeiro-ministro frisou hoje que os membros do Governo só respondem politicamente perante si e reiterou que a ministra da Justiça agiu "corretamente" ao longo do processo de escolha do procurador europeu.
Esta posição de António Costa foi transmitida em conferência de imprensa, no final do Conselho de Ministros, depois de questionado sobre pressões para a demissão de Francisca Van Dunem do cargo de titular da pasta da Justiça, na sequência da polémica em torno dos dados errados constantes numa nota enviada à União Europeia sobre o currículo do novo procurador europeu, José Guerra.
"Tenho total confiança em todos os membros do Governo e quando a deixar de ter eles deixarão de ser membros do Governo. Compete exclusivamente ao primeiro-ministro escolher e indicar quem são os membros do Governo. É perante o primeiro-ministro que cada um dos membros do Governo responde pela sua atuação", salientou o líder do executivo logo no início da sua resposta.
Depois, António Costa procurou justificar o que o leva a manter a confiança política na ministra da Justiça.
"Não é simplesmente por uma razão em abstrato, mas por uma razão em concreto: A ministra da Justiça agiu corretamente", sustentou.
Neste ponto, o primeiro-ministro referiu que, de acordo com a lei, compete ao Governo a designação do membro que representa Portugal na Procuradoria Europeia, mas o executivo entendeu não seguir a via de escolher quem bem entendesse.
"O Governo entendeu que as escolhas de magistrados deviam ser feitas por entidades que, de uma forma totalmente independente, gerem as respetivas magistraturas: O Conselho Superior do Ministério Público e o Conselho Superior da Magistratura. E foi isso que fizemos. Quem escolheu o procurador José Guerra foi o Conselho Superior do Ministério Público, tendo o Governo procedido à ordenação de três possíveis candidatos", disse.
António Costa aproveitou depois para apontar que esses três candidatos "foram ouvidos na Assembleia da República, que os considerou aptos para as funções".
"Houve na realidade uma diferença na ordenação [dos candidatos] entre o júri nomeado pelo Conselho Superior do Ministério Público e o júri europeu. Nessa dúvida, o Governo respeitou a ordenação feita pelo Conselho Superior do Ministério Público. Agora, imagino a polémica que existiria em Portugal se, em vez da escolha do Conselho Superior do Ministério Público, fosse escolhido o candidato de um júri que não é designado por uma entidade independente, mas, antes, pelo Conselho Europeu", argumentou.
Neste contexto, o primeiro-ministro classificou como "absolutamente extraordinária" a existência de uma polémica resultante de o Governo "ter respeitado escrupulosamente a independência das magistraturas e a autonomia do Ministério Público, indicando o magistrado que ficou em primeiro lugar na seleção do Conselho Superior do Ministério Público".
"Os únicos erros que foram verificados, mas que não estava no currículo que serviu de avaliação ao Conselho Europeu para tomar uma decisão final, antes numa carta que reproduzia essa informação, são absolutamente irrelevantes. Assim que os detetámos, a ministra da Justiça fez o que lhe competia: Chamou a atenção para a necessidade de correção desses dois erros", advogou.
O primeiro-ministro acrescentou que o ex-diretor geral da Política de Justiça Miguel Romão assumiu a responsabilidade por "esses lapsos e apresentou a sua demissão".
*Com Lusa
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