O despacho da presidente do coletivo que está a julgar António Duarte, acusado da prática de três crimes de abuso de poder e um crime de recebimento indevido de vantagens, foi emitido na audiência do passado dia 25 de junho, na sequência do pedido da procuradora do Ministério Público, que encontrou “discrepâncias relevantes” entre as declarações prestadas nesse dia por Valdemar Alves e as que havia feito na fase de inquérito, em abril de 2015, perante a Polícia Judiciária.
Em causa está o alegado conhecimento de que António Duarte (com quem Valdemar Alves partilhou o gabinete durante algum do tempo em que ele próprio exerceu funções no município) pedia a empreiteiros com processos em curso na Câmara de Santarém para que contribuíssem monetariamente para o Centro Social, Recreativo e Cultural de Vila Verde (Alijó).
Este centro foi dirigido pelo arquiteto entre 2008 e 2012.
Valdemar Alves afirmou perante o tribunal que nunca ouviu António Duarte pedir dinheiro para o centro social a empreiteiros, tal como negou ter assistido a reuniões e ter alguma vez advertido de que essas conversas podiam “não dar bom resultado”.
Contudo, declarou à PJ que tinha assistido a “várias reuniões” e que, das várias conversas, achou que algumas “não eram corretas”, tendo mesmo alertado o arquiteto, o qual terá respondido, “em tom jocoso, que se a Judiciária o chateasse, o presidente Moita interferiria por ele, já que não fazia nada de mal”, conforme consta do processo consultado pela Lusa.
Parte substancial do depoimento centrou-se numa alegada conversa, no edifício onde ambos trabalhavam, com um empreiteiro proprietário de um Porsche.
Nessa conversa António Duarte terá feito comentários sobre o dinheiro que aquele “derretia” com o carro enquanto o centro social de Alijó tinha dificuldades em comprar “gás e fruta para os velhinhos”.
Valdemar Alves assegurou desconhecer que daquela conversa resultou um donativo do empreiteiro para o centro social no valor de 5.000 euros.
Por outro lado, afirmou que almoçou uma única vez com o empreiteiro e por mero acaso (porque entrou no restaurante onde aquele almoçava e se sentou à mesma mesa), quando havia declarado à PJ que tinham almoçado “várias vezes”, a última das quais pouco antes de abandonar as funções que desempenhava na Câmara de Santarém, em maio de 2012.
A procuradora pediu a extração da certidão por falsas declarações, perante a recusa do advogado de António Duarte de que Valdemar Alves fosse confrontado em audiência com o depoimento feito à PJ.
Deferindo o pedido, a juíza disse a Valdemar Alves que, a todo o momento, tem a possibilidade de se “retratar”, esclarecendo melhor “aquilo de que se recorda”.
Cabe agora ao Ministério Público “aquilatar se há ou não responsabilidade criminal”, acrescentou.
Valdemar Alves, 70 anos, investigador da Polícia Judiciária aposentado desde 2005, afirmou que foi convidado em 2006 pelo então presidente da Câmara de Santarém, Francisco Moita Flores, igualmente antigo inspetor da PJ, para coordenar a segurança interna e a fiscalização municipal.
Partilhou o seu gabinete com António Duarte no período em que este dirigiu a área do ordenamento e desenvolvimento até à sua nomeação para diretor do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística (DPGU), em novembro de 2009, funções que o arquiteto exerceu até dezembro de 2011, altura em que foi constituído arguido neste processo.
António Duarte é ainda acusado de alegadamente ter feito depender o andamento de processos da contratação do gabinete de arquitetura da filha.
O julgamento, que se iniciou em 18 de junho, prossegue no próximo dia 10, estando prevista a apresentação de alegações.
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