A cria de três meses não tem nome, porque nenhum dos quatro conservacionistas e tratadores quer ficar mais apegada ao animal do que já está.
É difícil que não se criem laços, diz Graeme, porque a pequena elefante com meio-metro de altura já os segue por todo o lado, a aprender a usar a tromba para estabelecer contacto com o que está por perto e pede um biberão de leite de duas em duas horas.
A bebé foi encontrada pela população da aldeia de Zuali, dentro da área protegida, a poucos quilómetros da capital moçambicana, sem sinais da família, nem de caça furtiva, pelo que se suspeita que tenha ficado para trás, abandonada pela manada, diz Natércio Ngovene, chefe de fiscalização da REM.
São casos raros, mas com os quais os fiscais às vezes se deparam, e em que a natureza dita a morte precoce de alguns animais, dos quais só restam as carcaças.
Mas desta vez os fiscais encontraram um animal de olhos arregalados, que procurou refúgio numa casa da aldeia.
“Depois de termos ficado um tempinho junto a ele, já estávamos ali a fazer chamadas para encontrar ajuda para o pequeno elefante”, pois já ninguém queria que a natureza seguisse o seu curso mais cruel.
O animal estava muito fraco e desidratado, com a sentença ditada, até que chegou uma chamada “para o levar para o acampamento principal”, relata Natércio.
Bebeu logo seis litros de líquidos e pouco a pouco tem vindo a recompor-se, com o acompanhamento permanente de parceiros e colaboradores da REM.
A estada será curta, uma vez que a reserva está a tratar da transferência da bebé elefante para um centro de espécies em risco em Hoedspruit, na África do Sul, onde encontrará um outro elefante da mesma idade.
“Espera-se que possam crescer juntos e ser libertados num santuário” com mais elefantes, descreve Graeme, natural da África do Sul.
“Está a ver porque não lhe queremos dar nome? Está tudo a correr tão bem que não queremos azarar. Depois dão-lhe o nome no santuário”, refere Megan Richards, britânica, outras das colaboradores que há três dias se juntou à equipa que acompanha a elefante 24 horas por dia.
Dormem junto dela, porque mesmo à noite precisa do biberão de duas em duas horas e o leite em pó (igual ao de consumo humano, mas com medicação apropriada) deve ser misturado com água à temperatura certa, nem muito quente, nem muito fria.
É cansativo, mas recompensador ver o progresso da cria, “um animal bebé com o qual poucos humanos podem ter o privilégio de passar este tempo”, descreve, numa opinião partilhada por todo o grupo.
O elefante é um animal em vias de extinção a nível global.
A REM tinha 500 elefantes no último censo realizado em 2015 e estima-se que o número tenha crescido, refere Natércio Ngovene.
“Nestes casos é normal deixar a natureza seguir o seu caminho. Cuidar de um elefante bebé é muito difícil, mas penso que os fiscais olharam para este animal órfão, não tiveram coração para o deixar e fizeram bem”, refere Leah Brown, australiana, investigadora de vida selvagem e tratadora da bebé.
“Nós pensávamos que não se conseguia [recuperar a elefante], porque ela estava muito mal, mas agora estou ansiosa por vê-la reintegrada numa manada”, referiu.
A alvorada é pelas 05:00 e a tarefa de quem convive com a pequena elefante consiste em mantê-la ativa durante o dia – especialmente ao nascer e pôr-do-sol, replicando o mais possível a vida de uma manada: há passeios, banhos na lama e muitos estímulos, com cheiros, formas e texturas onde a pequena paquiderme treina o uso da tromba.
Uma bola de futebol é um desses brinquedos e ela até mostra algum jeito, mas depois também chega a hora da sesta, porque gosta de dormir durante o dia.
“Dormitar”, esclarece Leah, porque no acampamento “há barulhos estranhos para ela e nunca consegue fechar os olhos muito tempo”, refere enquanto lhe massaja a cabeça, para que durma mais.
Perto do olho esquerdo notam-se cicatrizes, marcas de feridas que trazia quando foi encontrada, mas que “já estão a sarar”, o que “é bom sinal”, conclui.
Prevê-se que durante a próxima semana a elefante siga para casa nova, mas com memórias de Moçambique.
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