Considerando o aparecimento de novas variantes do SARS-CoV-2, potencialmente mais contagiosas, alguns Estados-membros da União Europeia, como a Alemanha, a França e a Áustria, tornaram obrigatória a utilização de máscaras cirúrgicas ou FFP2 em locais como transportes públicos e lojas, proibindo as máscaras comunitárias.

Contudo, o Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC) veio já dizer que "não apoia o uso de máscaras de proteção FFP2” contra a covid-19 pelo grande público, com base nos dados científicos de que dispõe atualmente.

Durante uma conferência de imprensa em Bruxelas, a comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides, adiantou que este tipo de máscaras é aconselhado para os profissionais de saúde, pelo potencial contacto de maior risco com o vírus.

Além disso, lembrou aquilo que também tem vindo a ser defendido em Portugal, que mantém para já as recomendações: o importante é “continuar a encorajar todas as pessoas a usarem máscara, a usarem-na corretamente, e a manter o distanciamento social”.

A possibilidade de mudança veio, contudo, fazer disparar alertas. Se um tipo de máscara pode passar a ser mais utilizado, significa que a produção também tem de aumentar. No nosso país não seria diferente.

Para o engenheiro Braz Costa, diretor-geral do Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal (CITEVE), a discussão que deve ser trazida para cima da mesa diz respeito ao impacto da decisão de alguns países, “não no sentido de proibir as máscaras sociais, mas no sentido de obrigar a que as máscaras a utilizar nos transportes públicos e sítios públicos sejam as FFP2”. Ou seja, é preciso olhar para as estratégias de produção e para o que há no mercado.

Convicto de que a proibição das máscaras comunitárias em Portugal “seria tonta”, o engenheiro explica ao SAPO24 as características dos produtos que habitualmente são utilizados.

“As máscaras FFP2 não são de todo máscaras adequadas para a utilização contínua, durante todo o dia. Elas são muito seguras, de facto, mas, em primeiro lugar, não há nenhuma evidência de terem nenhum nível superior de proteção relativamente ao coronavírus”, aponta.

“O coronavírus não reage sozinho, reage em gotículas que a comunidade científica anunciou que estarão entre 1 e 3 microns  — ou milésimos de milímetro — de diâmetro. Portanto, as FFP2 são melhores do que as cirúrgicas e as sociais, que são muito parecidas em termos de especificação", continua o engenheiro, que opta por dar um exemplo para melhor explicar a comparação.

"As FFP2 são mais eficazes na filtração de partículas muito finas, por isso é que são utilizadas em trabalhadores que estão, por exemplo, a colocar pesticidas na agricultura. São seguras, ninguém pode dizer o contrário. Agora, não há garantia de que sejam mais seguras para este fim do que as cirúrgicas e sociais, sobretudo quando falamos de máscaras que têm filtração superior a 90%”, especifica.

Além disso, é preciso olhar para o processo de certificação das máscaras. O vírus que agora é combatido, com as novas variantes, transmite-se de forma diferente? Segundo a comunidade científica, não. Então, diz Braz Costa, “ou estávamos enganados desde o início, quando fizemos testes para saber que tipo de performance tinham de ter as máscaras, ou então não haveria motivo para fazer alguma mudança”.

Todavia, vozes levantaram-se com a possibilidade de proibição das máscaras sociais — e esse impacto já ninguém o tira.

“Vai haver impacto porque o que for utilizado em FFP2 não vai ser utilizado em sociais. Esperamos, nomeadamente com esta posição da autoridade europeia, que pelo menos diminua o impacto. Se bem que o impacto na opinião pública já ninguém o tira, porque as pessoas não têm a obrigação de saber estes termos técnicos, do que é uma máscara ou outra, e quando ouvem coisas destas vão a correr às compras de FFP2”, lembra.

Mesmo assim, os tempos não se assemelham tão difíceis neste campo. Mas tudo pode mudar. E, se assim for, “se de facto houvesse uma orientação no sentido de proibir as máscaras sociais, o mercado amanhã era zero”.

A produção de máscaras FFP2 em Portugal

Ao contrário do que por vezes se pensa, a indústria portuguesa já está a produzir máscaras FFP2. Segundo Braz Costa, “também há esta ideia de que quem produz FFP2 não pertence à indústria têxtil, o que é mentira”.

“Os não-tecidos são um caso particular dos materiais têxteis. Um poliester é um polímero, o polipropileno é um polímero, etc. A indústria dos não-tecidos está integrada na indústria têxtil e depois da primeira vaga houve várias empresas portuguesas que investiram em produção de máscaras cirúrgicas e de FFP2”, recorda.

Por outro lado, é certo que “são empresas que estão a dar os primeiros passos”. E o processo é longo: “passaram pela fase de investimento, instalação de equipamento, aquisição de matérias-primas, produção-piloto, iniciar os testes, iniciar a certificação”. Além disso, “os testes e a certificação não são coisas simples. Os testes das FFP2 são testes complexos, exatamente porque são máscaras que se destinam a classificações industriais muito cuidadosas”, explica o diretor-geral do CITEVE.

No caso de haver alteração das normas, o que se faz atualmente em Portugal vai mudar, para impedir que o mercado seja zero. “Admito que, havendo um decréscimo das vendas das máscaras sociais, vai aumentar a produção e a venda de FFP2 produzidas em Portugal. Agora, a capacidade produtiva instalada para máscaras sociais, comparada com a capacidade produtiva instalada de FFP2 é incomparável. O impacto seria sempre relevante”, esclarece Braz Costa.

Uma indústria com possibilidade de se reinventar

Olhando para o último ano, o CITEVE tem registo de cerca de 3.500 modelos de máscaras aprovados, sendo que, desses, 20% são de nível 2, ou seja, têm uma filtração superior a 90%.

À partida, e em termos comparativos, o número de máscaras com maior capacidade de filtração parece reduzido — mas tal não tem de ficar necessariamente assim.

“Já é uma questão transitória. Vamos imaginar que seria necessário produzir mais máscaras de nível 2 e menos de nível 3. Não tenho dúvida de que qualquer indústria, sobretudo com o conhecimento dos últimos meses, está em condições de fazer evoluir as suas máscaras. Ia ser uma adaptação fácil e rápida”, frisa o engenheiro.

Afinal, difícil foi o que aconteceu há um ano. “Foi partir do zero. Ninguém percebia nada de máscaras, ninguém sabia nada disto. Não havia produtores de matéria-prima, não havia confecionadores que tivessem experiência a produzir isto, nada. E depois foi tudo em muito pouco tempo”, começa por dizer Braz Costa.

“O nosso trabalho de casa levou mais tempo, mas a grande transformação da indústria aconteceu em duas semanas. Desde o dia em que foi aprovado o documento que estabelece os requisitos para estas máscaras até ao momento em que elas começam a entrar no mercado foram duas semanas. Significa que estamos a falar de um setor maduro, que tem competências e quando não as tem vai procurá-las”, garante.

Apesar da crescente adaptação, não têm sido tempos fáceis para o setor. E os números falam por si. De acordo com um relatório da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), as exportações portuguesas de têxteis e vestuário caíram 11% em 2020, para 4.643 milhões de euros, mas teriam recuado quase 15% se não fossem as vendas de equipamentos de proteção individual para combate à pandemia.

Contudo, é preciso ver o copo meio cheio. “Apesar de tudo, o sistema cientifico e tecnológico mostrou-se preparado e deu a resposta adequada às empresas. De outra forma não seria possível”, garante o diretor-geral do CITEVE.

Num ano em que quase tudo foi novo, há obstáculos que se aprende a ultrapassar — porque o tempo também o ensina.

“Não é a primeira vez que este setor está em apuros, nós até já estamos habituados e estávamos a estranhar. Estivemos 11 anos a descer e já estávamos a pensar no que viria — e veio uma pandemia”, remata Braz Costa.

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