De acordo com o acórdão a que Lusa teve hoje acesso, com 66 páginas, o Supremo julgou improcedentes os recursos apresentados, em dezembro, pela Selminho, imobiliária do presidente da Câmara do Porto e da sua família, e pelo casal que em 2001 vendeu à empresa um terreno na Arrábida.
No recurso, o casal João Batista Ferreira e Maria Irene de Almeida Pereira Ferreira apresentou como questão essencial a aquisição, por usucapião, do terreno da Calçada da Arrábida, facto que o tribunal não reconheceu.
De análise do recurso apresentado pelo casal, o Supremo concluiu ser improcedente a questão da aquisição originária por usucapião, considerando que os réus "não são, não podem ser reconhecidos como proprietários daquele terreno e não podiam ter celebrado a escritura de justificação, a qual é nula e ineficaz, bem como a posterior transmissão do bem à ré Selminho".
Já da análise ao recurso apresentado pela Selminho, que questionava o comportamento processual do município do Porto, entendendo-o por abusivo e "integrador da figura jurídica do abuso de direito", aquele tribunal entendeu que a câmara não agiu em abuso de direito.
"Apesar de todos esses atos [administrativos e de licenciamento] praticados pelo autor [município do Porto], e principalmente perante os praticados pela ré Selminho junto do autor, esses mesmos atos não podiam criar junto da ré expectativas de não vir a ser acionada, no futuro, a reivindicação do terreno quando o município se apercebesse de que esse terreno lhe pertencia", aponta o acórdão com data de 05 de maio.
Segundo o documento, hoje consultado pela Lusa, à Selminho é que competia informar-se da real situação do prédio e da titularidade do mesmo, mesmo havendo título de aquisição e registo.
O Supremo salienta que a aquisição por usucapião só ocorre depois de decorridos 10 anos e, como se analisou, a imobiliária da família do presidente da Câmara do Porto, "não chegou a exercer atos de posse, quando muito, apenas exerceu atos de mera detenção sobre aquele terreno, ou quando muito exerceu poder de facto sobre aquele terreno a partir de 2010".
"Seguindo o entendimento da ré Selminho, um proprietário de terreno que, por qualquer motivo, desconhecesse, ignorasse que era dono não poderia reivindicá-lo quando tomasse conhecimento (e estivesse em tempo), sob pena de estar a exercer um direito, de forma abusiva", conclui aquele tribunal.
Em outubro de 2019, o Tribunal da Relação do Porto tinha já confirmado a decisão da primeira instância que em janeiro desse ano julgou "nula" a escritura de venda de 2.260 metros quadrados na Arrábida por um casal à Selminho, ordenando o "cancelamento" da sua inscrição na Conservatória do Registo Predial.
O acórdão da Relação considera que não ficou provado que o terreno tenha sido adquirido pela família que o vendeu à Selminho, nem que alguém o possa reivindicar por usucapião.
No centro da disputa, que se arrasta há anos, está um terreno vendido pelo casal João Batista Ferreira e Maria Irene de Almeida Pereira Ferreira à imobiliária Selminho, cuja transação foi registada pelo Cartório Notarial de Montalegre, a 31 de julho de 2001.
O casal disse ter adquirido a casa e os terrenos em causa em 1970 a Álvaro Nunes Pereira, através de um contrato verbal, que por sua vez os adquiriu da mesma forma.
Na ação movida em 2017, a Câmara pedia ao tribunal a declaração da nulidade da escritura que, em 2001, transferiu por usucapião esses 1.661 metros quadrados para a posse de um casal e a nulidade do contrato de compra e venda entre o casal e a Selminho.
O processo foi iniciado após ter sido divulgado que um técnico da autarquia concluiu serem municipais 1.661 dos 2.260 metros quadrados apresentados pela Selminho para construção na escarpa da Arrábida.
No âmbito do Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor desde 2006, a propriedade foi classificada como sendo não edificável, levando a imobiliária a avançar para tribunal contra a Câmara, por se ver assim impedida de ali construir.
Em 2014, no primeiro mandato de Rui Moreira como presidente da autarquia, a Câmara fez um acordo com a Selminho, assumindo o compromisso de devolver a capacidade construtiva ao terreno no âmbito da atual revisão do PDM, ou recorrer a um tribunal arbitral para definir uma eventual indemnização à imobiliária.
[Notícia atualizada às 20:59]
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