Os acórdãos da Relação de Guimarães têm data de 17 de outubro, mas a decisão foi publicado hoje na página ‘online’ da Procuradoria-Geral Distrital do Porto e vai no sentido do “reconhecimento da existência de contrato individual por tempo indeterminado” relativamente a quatro estafetas.

Os processos tiveram início com ações inspetivas realizadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), em 2023, junto a pontos de recolha.

O Tribunal da Relação decidiu conceder “total provimento” aos recursos interpostos pelo Ministério Público (no Juízo do Trabalho da Comarca de Vila Real) e, em consequência, revogou as decisões proferidas pelos tribunais de primeira instância e reconheceu que “a atividade de entregas que os estafetas prestam à ré é uma relação de trabalho subordinado ou autónomo”.

O Tribunal do Trabalho julgou improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público de reconhecimento da existência de contratos de trabalho por tempo indeterminado e absolveu a empresa.

Os acórdãos da Relação de Guimarães referem que a ré é uma empresa que gere ‘online’ um negócio de entregas de bens asseguradas por estafetas e, para o efeito, detém um ‘software’ que funciona como uma “loja”, não física, mas digital, conectando comerciantes a clientes, que assim vendem e compram produtos.

É a ré, segundo é explicado, que gere e organiza estes serviços de recolha e entrega de mercadorias, recorrendo a estafetas para os executar e estes, como contrapartida, recebem um valor por cada entrega preestabelecida na ‘app’ (aplicação ‘online’).

A Relação entende que, com aquele ‘software’, a ré faz o contacto entre comerciantes e clientes, sendo ela a distribuir os serviços de recolha e entrega pelos estafetas, a estes fornecendo toda a informação, como os destinatários e locais de recolha e entrega, e remuneração a receber pela prestação do serviço.

“A ‘app’, sem a qual o estafeta não podia trabalhar e é disponibilizada pela ré, dispõe de um sistema de navegação integrado (GPS) que permite, não só distribuir o serviço de entregas pelos estafetas (mais próximos), como acompanhar o trajeto do estafeta desde a aceitação até à entrega, e ajudar os clientes a consultarem os tempos de espera e entrega das encomendas”, referem ainda os acórdãos.

E é por isso que o Tribunal conclui que “a utilização pelos estafetas do ‘software’ detido pela ré, onde tudo é centralizado, é indicador de inserção em ‘organização’ alheia, sendo esta a pedra de toque para ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho”.

Nos documentos consultados pela agência Lusa pode ainda ler-se que a ausência de certos indícios tradicionais, como os relativos a horário e assiduidade, não é incompatível com o reconhecimento do vínculo laboral, se o trabalho é desenvolvido no âmbito de uma organização, obedecendo a regras ditadas por esta, em vários aspetos relevantes da relação, designadamente no que respeita ao exercício das tarefas, e dependendo economicamente, ainda que apenas em parte, dos rendimentos auferidos.

Em novembro do ano passado, a então ministra do Trabalho e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, afirmou, no parlamento, que estavam então em curso 1.000 ações de reconhecimento de contratos de trabalho de trabalhadores de plataformas digitais em situação laboral irregular.

A Agenda do Trabalho Digno entrou em vigor a 01 de maio de 2023, tendo sido criado um novo artigo do Código do Trabalho específico para os prestadores de serviços contratados por plataformas eletrónicas, nomeadamente os estafetas.

Nos vários casos que têm chegado aos tribunais as decisões não têm sido iguais, com umas a dar razão aos trabalhadores e outras às plataformas.

Em setembro ficou a saber-se que o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso e confirmou a decisão do Juízo do Trabalho de Portimão, da Comarca de Faro, que recusou existir uma relação contratual entre 27 estafetas e uma plataforma digital.