Em declarações aos jornalistas no final da cerimónia de tomada de posse de 101 novos inspetores da Polícia Judiciária (PJ), que hoje decorreu na sede daquela polícia, em Lisboa, Francisca Van Dunem disse não ter “nenhuma razão para questionar a idoneidade das comunidades”, remetendo para a investigação criminal o apurar de “existência ou não de irregularidades de natureza criminal na emissão dos certificados”.
“Neste momento, uma das questões que estará em causa no processo-crime é precisamente perceber que critérios são utilizados para se emitir aqueles certificados e se esses critérios são suficientemente consistentes para permitir a alguém atestar determinada origem”, disse.
Sobre a participação do Instituto de Registos e Notariado (IRN) no processo de certificação de nacionalidade e a conversão de um inquérito – aberto em janeiro e concluído em fevereiro, como previsto, disse Van Dunem – em processo disciplinar, a ministra não quis adiantar quantos funcionários são visados nem por que razões e disse que ao IRN pouco mais cabia do que validar a informação recebida, sem capacidade de questionar.
“Neste momento, o IRN, basicamente, o que faz ao abrigo desta lei é receber os certificados e não tem, de facto, forma de os pôr em causa, de os questionar”, disse a ministra.
Questionada sobre se isso não é uma falha no processo, a ministra respondeu ser “uma questão meramente legislativa”.
“A legislação que existia é que não previa que houvesse a obrigatoriedade de fazer a demonstração de qualquer outro vínculo, bastava o certificado e a partir daquele momento o IRN tinha muita dificuldade em encontrar forma de questionar”, disse a ministra.
Perante esse quadro, que Van Dunem reconheceu ser de “grande limitação ao nível da capacidade de decisão”, e questionada sobre o que motiva a abertura de um processo disciplinar no IRN no âmbito deste processo, a ministra disse haver “outros aspetos que podem ser ponderados”, nomeadamente os ‘timings’ das decisões, admitindo como possível que houvesse processos aprovados de um dia para o outro.
Questionada sobre eventuais alterações ao processo de certificação da nacionalidade, para além das novas exigências contidas no decreto-lei de regulamentação da lei da nacionalidade, já promulgado pelo Presidente da República, Francisca Van Dunem remeteu para a próxima legislatura.
“Nesta legislatura não, porque em boa verdade aquilo que está em causa não é o decreto-lei, é a lei e aí será o próximo parlamento que se irá pronunciar sobre isso”, disse.
Recusou ainda qualquer revisão de processos já concluídos – nomeadamente os certificados emitidos pela Comunidade Israelita do Porto, sobre a qual recaem as suspeitas criminais e que atestou a grande maioria dos casos – afirmando que “o Governo não fará isso enquanto não tiver um fundamento para o fazer”.
A ministra da Justiça acrescentou que se no desfecho do processo-crime se comprovar “a falsidade intelectual” dos documentos apresentados para certificação, ou seja, “uma desconformidade entre aquilo que está declarado e a realidade, então nessa altura, sim”, poderá haver uma reavaliação de processos já concluídos.
Sobre o processo de naturalização do multimilionário russo Roman Abramovich, insistiu que uma eventual retirada de nacionalidade não pode decorrer diretamente de sanções e que só a prova de falsidades no processo a pode originar.
Francisca Van Dunem considerou ainda que o novo decreto-lei “melhora muito” a prevenção de falsidades e irregularidades, ao incluir exigências de ligação a Portugal, seja por via de uma herança, por exemplo, ou por visitas regulares ao país que atestem uma efetiva ligação.
O jornal Público noticiou hoje que o Governo aprovou em Conselho de Ministros um decreto-lei que reforça a regulamentação da lei da Nacionalidade relativa aos descendentes de judeus sefarditas, obrigando-os a comprovarem uma real ligação a Portugal para poderem adquirir a nacionalidade.
Promulgada em 09 de março por Marcelo Rebelo de Sousa, a Presidência da República só hoje divulgou essa promulgação, após a notícia do Público ter sido publicada, contrariamente ao que costuma tradicionalmente fazer, com a divulgação no dia em que é feita a promulgação.
O Presidente da República justificou hoje o atraso na divulgação da promulgação do decreto-lei do Governo que regula a Lei da Nacionalidade relativa aos descendentes de judeus sefarditas por ter ido a “referenda ministerial e para publicação”.
A investigação no âmbito do processo de naturalização de Abramovich, que levou à detenção na quinta-feira do líder religioso da Comunidade Judaica do Porto (CJP), o rabino Daniel Litvak, implicou a realização de buscas e envolve suspeitas de vários crimes, nomeadamente tráfico de influências, corrupção ativa, falsificação de documento, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e associação criminosa, indicaram a Polícia Judiciária (PJ) e o Ministério Público (MP) num comunicado conjunto.
Segundo a direção da CIP/CJP, um dos seus membros foi também indiciado dos crimes de tráfico de influência, fraude fiscal, branqueamento e falsificação de documentos.
Em causa estarão alegadas irregularidades cometidas em processos de atribuição da nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas, que se encontram em investigação. Os judeus sefarditas são originários da Península Ibérica expulsos de Portugal no século XVI.
Entre 01 de março de 2015 e 31 de dezembro de 2021 foram aprovados 56.685 processos de naturalização para descendentes de judeus sefarditas num total de 137.087 pedidos que deram entrada nos serviços do Instituto de Registos e Notariado (IRN).
De acordo com dados enviados em fevereiro à Lusa pelo Ministério da Justiça, apenas 300 processos foram reprovados durante este período, restando, assim, segundo os dados registados no final do último ano, 80.102 pedidos pendentes.
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