Júlio Baleia, Baita Júnior e Edilson Beto são três jovens surfistas angolanos, nascidos e criados em Cabo Ledo, pequena aldeia de pescadores a 120 a sul de Luanda.

A convite da Associação Nacional Surfistas (ANS), saíram, pela primeira vez, de Angola e estão em Portugal por estes dias. Vieram sob o pretexto de assistirem à última etapa da Liga MEO Surf, prova que apura os campeões nacionais.

Mas não só.

Recebidos com entusiasmos pela comunidade surfista portuguesa, Baleia, 15 anos, campeão angolano, Baita, vice-campeão e Beto, ambos com 17 anos, surfaram num menu de ondas que incluiu a Costa de Caparica, Linha de Cascais, Ericeira, Peniche e Nazaré, para verem o famoso Canhão. Privaram, igualmente, com surfistas, ex-atletas e todo os stakeholders do mundo das pranchas, de patrocinadores e empreendedores.

O melhor estava, entanto, reservado para a Capital da Onda. Em Supertubos tiveram honras de uma “competição internacional a três” no último dia do Bom Petisco Peniche Pro, 5.ª e última etapa do circuito nacional.

O que se segue é um pouco da sua curta história e sonhos num relato a três vozes reforçado pelo vocábulo de quem os guia por lá e com eles viajou até cá, Paulo Augusto.

Baleia, o campeão que gostava de sair de Cabo Ledo

Baleia, orientado pela equipa da ANS, Nuno Telmo e David Raimundo, venceu o heat especial na praia de Supertubos, residência oficial desde 2009 do Circuito Mundial de Surf, campeonato sob a égide da World Surf League (WSL). Manuel Gameiro (treinador de Teresa Bonvalot) orientou Edilson Beto e Rodrigo Sousa (Francisca Veselko) ficou encarregue de Baita Júnior.

“Foi muito giro e fico feliz por estar aqui a surfar umas direitas”, referiu Júlio Baleia. “Os meus treinadores disseram para ficar no sítio certo e apanhar as ondas certas e tentar aerials” sorriu o pequeno surfista habituado às esquerdas de Cabo Ledo, onda angolana que longamente desliza na baía da Praia dos Surfistas e atraia, ano após ano, cada vez mais amantes do surf de todo o mundo.

Começou, tal como os outros dois, há cerca de 4 anos. “Comecei a treinar com o Gonçalo Morais que foi para Angola à procura de emprego e surfava sozinho no Carpe Diem”, recorda. “Desafiou-nos a ter aulas e começámos”.

Para Baleia, o mundo está circunscrito a Cabo Ledo e à aldeia de pescadores, uma geografia que compartilha com os outros dois surfistas. No entanto, à medida que cresce, os ponteiros da bússola pessoal começam a tremelicar. “Gostava de ir a outros lados”, admite ao SAPO24.

Embora não avance muito mais do que a frase, fixa, no entanto, um ponto de partida. “Talvez seguir as pisadas de Jéjé Vidal”, nome pelo qual é conhecido Edmilson da Cruz Camblé, surfista natural de São Tomé e Príncipe que representa o Sporting, já participou na Liga MEO e em etapas do Qualifying Series, circuito regional europeu.

Em casa, na larga enseada do Parque Nacional da Quiçama, Júlio Baleia serviu de cicerone a surfistas portugueses. “Já surfei em Cabo Ledo com o (Luís) Perloiro".

Em Portugal, a partilha do line up estendeu-se a outros nomes do surf nacional. “Vasco Ribeiro e Joaquim Chaves”, refere, deixando no ar um desejo. “Gostava de surfar e conhecer o Francisco Alves e o Frederico Morais”, expressou.

Surf
Surf créditos: Madalena Braz Oliveira

 Beto, não gostava de surfar. Agora quer saber mais

Beto ou Edi, assim se apresenta, recorda como o surf entrou na sua vida. “Comecei em Cabo Ledo, mas não gostava de surfar”, admite.

Os olhos acompanhavam, outrora, as bolas de futebol. “Com o tempo, ensinado pelo Gonçalo, que estava no Carpe Diem e pelo “tio” Paulo, fui fazendo e gostando”, sublinha.

Enterra o antes e aponta para depois e fala de sonhos curtos, mas assertivos. “Gostava de ter mais conhecimentos de surf”, objetivo imediato a retirar da viagem por Portugal, que, para já, numa passagem pela Ericeira lhe deixou uma lição e uma marca física. “Lesionei-me no pé”, indica, lesão devido ao facto de “não estar habituado às ondas (direitas)”, justifica.

Lições à parte, Edilson Beto reforçou a vontade de “crescer no surf”. Um crescimento que, por enquanto, não o obrigará a emigrar. “Ficar, para já, por Angola”, aponta no plano de vontades para o imediato.

“Começámos juntos”

“Começámos juntos há quatro anos”, salienta Baita Júnior. O “juntos” foi na praia que repousa debaixo dos pés do trio de surfistas, Cabo Ledo, local ainda longe de tudo, mas perto de ondas e natureza em estado puro.

O vice-campeão angolano recua ao ponto zero da carreira conjunta deste tridente. “Tenho ainda guardada a primeira prancha para recordação”, destaca. Um fetiche imitado por Beto e Baleia.

É parco em palavras. À imagem dos outros dois amigos inseparáveis. Talvez vencidos pela timidez ou estarem a sofrer por estarem pouco, ou nada, habituados à exposição mediática e às solicitações.

Vergonha à parte, Baita junta-se nas ambições, pelo menos assumidas de cor pelo campeão angolano, Júlio Baleia.

“Surfar e conhecer o mundo do surf” são os sonhos que desenha no horizonte,

sem, no entanto, precisar no mapa mundo qual dos cantos o seu desejo alcança.

De Portugal, sabe que leva conselhos, partilha de experiências e conhecimento de ondas. Supertubos ficou na retina. E na memória fica os menos de sessenta que se seguiram ao 25 minutos de competição.

Olá, eu sou o Kikas. A chamada de Frederico Morais

A manifestação de vontades de Baleia, Baita e Beto em conhecerem Frederico Morais viria a ser materializada ainda com os fatos de surf vestidos.

Na tenda da Liga MEO viriam a ser surpreendidos por uma chamada vídeo de Frederico Morais. Os olhos saltaram das órbitras ao verem o rosto de Kikas plasmado no ecrã de um telemóvel.

À voz do surfista profissional português, que este ano falhou a requalificação para o CT, circuito de elite da Liga Mundial de Surf (WSL), responderam com curtas palavras arrancadas a conta-gotas e largos sorrisos e gestos, à imagem do sucedido na conversa com o SAPO24.

Mas mais importante que as breves palavras, acima de tudo, irão guardar nas memórias a chamada que ficará, para sempre, gravada.

“A ideia é mostrar-lhes o mundo e saírem da aldeia de pescadores de Cabo Ledo. É como eu ir à lua”

Os três surfistas angolanos estão em Portugal acompanhados por Paulo Augusto. O “tio” Paulo, dono do Resort Carpe Diem (construído em 2010), em Cabo Ledo, é um dos responsáveis no caminho percorrido por Baleia, Baita e Beto no mundo do surf.

Recua ao início. “Íamos à pesca os quatro e o Gonçalo, gerente do Carp Diem, ensinou-os a surfar”. Este foi o primeiro passo para permitir as primeiras manobras. “Arranjei umas pranchas, o Álvaro, da Pólen, tem oferecido pranchas a eles e à comunidade”, reconhece.

“Foram gostando e tiveram a sorte de apanharem surfistas brasileiros e portugueses e aprenderam”, recorda. “Danilo Grilo, o Peu, o Jójó das ondas grandes da Nazaré e todos os que passam por lá deixaram um pouco do seu conhecimento nos miúdos e estes foram evoluindo e crescendo”, resume.

Estão em Portugal pela primeira vez. Explica a razão da inédita viajem para fora das fronteiras de Angola. “Foi a feliz coincidência e sorte de ter a visita do presidente da ANS, Francisco Rodrigues. Gostou de ver os miúdos e fez o convite”, explica.

Feito o convite, Paulo Augusto deu o passo seguinte. “Fui à embaixada e consulado português, ajudaram com os vistos, a TAAG (companhia aérea de Angola) ajudou com os bilhetes, os amigos, houve uma solidariedade da comunidade, ajudaram com a estadia e o resto”, detalha.

“A ideia é mostrar-lhes o mundo e saírem da aldeia de pescadores de Cabo Ledo. É como eu ir à lua”, compara. “A ideia não é trazê-los para Portugal, aliás não há ideia sequer”, admite.

“No fundo, foi fazer o surf angolano sair a primeira vez de Angola”, acrescenta. “É uma felicidade para a vida e foi dar-lhes uma experiência”, nota. “Talvez o próximo passo seja ir à África do Sul”, regista.

Detém-se no surf angolano. “Não serão mais de 75 surfistas e dentro do nosso nível estes três são os melhores neste momento. O Baleia começou mais novo, aos 10 anos e evolui mais rápido que os outros e dedica-se”, acrescenta.

“Temos uma federação a dar a primeiros passos e temos um dentista brasileiro, Sérgio Torre, que tem um projeto social em Catanas  e tem sido ele a dar um grande impulso, organizou o campeonato nacional”, conta.

A visita a Portugal será aproveitada para começar a voar para mais perto de casa. “O Nuno Jonet (comentador de surf na SportTV), um dos nossos mentores e primeiros surfistas em Cabo Ledo, falou-me de uma associação africana. Vou saber melhor e se calhar já dará ir para São Tomé e África do Sul e tentar evoluir”, finaliza a conversa.