Entrar num táxi é muitas vezes sinal de conversa sobre futebol, mas hoje a política ganhou terreno. Por causa da questão da Uber e de outras plataformas que transportam passageiros.
Uma ação contra o Estado, contra a Uber, a cidade de Braga, ministro e secretário de Estado Adjunto e do Ambiente. É este o cenário jurídico em que o presidente da ANTRAL se apresenta, assinando por baixo nas decisões do Tribunal Europeu e no Tribunal da Relação, que consideram as plataformas como empresas de transportes.
Florêncio de Almeida apregoa que se vive em Portugal na ilegalidade. Não tem medo da concorrência dessas empresas. Até quer que haja. Defende, no entanto, que não se trata somente de concorrência quando é ilegal.
Se nas grandes cidades são as plataformas o seu foco, alerta igualmente para a situação que vivem os taxistas da província. Aí sofrem a concorrência dos bombeiros. Espera, por isso, que o Estado emende a mão.
E do governo central para o poder local espera que a Câmara Municipal de Lisboa retifique a questão do estacionamento de quem trabalha por conta de outrem.
Durante 48 anos ao volante de um táxi e na presidência da ANTRAL há quase 20 anos, fez crescer o património, diz ter contas limpas e obra que orgulha toda a indústria.
Tem uma sede em Lisboa, seis centros espalhados pelo país, garante serviços gratuitos (jurídico, por exemplo) e quer dar novos passos. Uma Fundação e um Centro de Dia que verá a luz do dia em breve e que será uma realidade nacional. Para garantir, com dignidade, apoio a quem dedicou uma vida sentado ao volante de um táxi.
A primeira conversa dos profissionais do Táxi: política ou futebol?
Política. Porque a crise acentuou essas convulsões dentro da indústria com a chegada das novas plataformas. Até porque normalmente as pessoas chegam e perguntam: como é que vai a Uber? Começa logo por aí. E só depois o futebol. Mas antigamente era o futebol.
O setor dos táxis propôs uma ação contra o Estado, contra a cidade de Braga e recentemente contra o ministro do Ambiente e o secretário de Estado Adjunto e do Ambiente. Porquê?
Os políticos têm que fazer cumprir as leis do país e não permitir que haja uma empresa [Uber] que faz o que é ilegal. Lesa o interesse público.
O tribunal da Relação considera a Uber ilegal. A decisão não é passível de recurso?
Podiam recorrer para o Tribunal Constitucional, mas não sei se seria aceite, não há motivos, a meu ver. A legislação feita na Assembleia da República é contrária a todos direitos elementares, depois da decisão do Tribunal Europeu. A legislação foi feita sob o pressuposto de que Uber e Cabify eram empresas só de tecnologia. E, sendo assim, de uma forma ou de outra, estava correta. Neste momento, não. Tudo o que se fez em Portugal é fora do contexto do que é legal. O Tribunal Europeu considera-as como empresas de transporte. Selecionam carros, motoristas, arranjam os clientes e recebem o dinheiro. São empresas transportadoras de passageiros, e que têm de cumprir com a legislação de cada país membro. Ora não é possível porque estas empresas não querem motoristas. Em Portugal requeremos uma providência cautelar. Têm que alterar.
"A Uber existe e é uma empresa de transportes. Assim diz uma decisão de tribunal."
A votação na especialidade [Comissão de Economia] foi aprovada no passado dia 14. Dentro das propostas dos partidos, qual era mais próxima da visão da ANTRAL?
Era a do PSD. Ia no sentido da lei. Os motoristas necessitam de ter vínculo à empresa. Se estão considerados como empresas de transportes, têm que ter motoristas.
Mas há Uber em Portugal? Não está sediada na Holanda?
Isto é mandar areia para os olhos das pessoas. Metemos uma ação contra a Uber americana e cá em Portugal dizem que não é assunto deles. Não. A Uber existe e é uma empresa de transportes. Assim diz uma decisão de tribunal.
Esta não é uma luta só em Portugal?
É mundial. Em muitos países já se foram embora. Foram obrigados. Condenados.
Há, ou não, diferença de preço no táxi e de um Uber para o mesmo trajeto?
O objetivo é liquidarem o setor do táxi. Aniquilando o setor, o público depois paga a fatura.
"[A concorrência] é salutar. Mas o táxi não pode concorrer — e não pode ser permitido haver — com uma empresa que lhe faça concorrência desleal.
Está a dizer que praticam dumping [Prática comercial que consiste em vender produtos ou serviços a um preço muito baixo, durante certo período de tempo, para conquistar um mercado]?
Exatamente. Por exemplo, no Brasil tiraram 70% dos serviços aos táxis. Que agora está a ser regulamentado. Se aniquilarem o setor, reinam. As campanhas que fazem de 50% é tudo bazófias. Há a tarifa dinâmica à sexta, sábado e domingo, e sobem 200%. Ora, se no resto da semana derem 50%, já lucram. Não dão nada a ninguém, é um engano e uma falsa questão. No táxi está tudo claro. Nunca vai haver paz em qualquer país onde se pretende legalizar, porque não há igualdade. E sou a favor da concorrência.
Então a luta não é para afastar concorrência. Gosta da concorrência?
Naturalmente. É salutar. É bom para utente e para as empresas. Mas o táxi não pode concorrer — e não pode ser permitido haver — com uma empresa que lhe faça concorrência desleal. Desigual. Não posso aumentar o sistema tarifário, não posso cobrar mais do que aquilo que está no taxímetro. Depois, há a formação e a legalização. E seguros, que custam 1500 euros. Só aqui já é uma desvantagem muito grande. Não pode haver concorrência. O governo que abra as portas aos táxis. Se me deixarem explorar a indústria como eu quero, também sei explorar.
Alguma vez utilizou um Uber ou Cabify?
[Risos] Não... seria muito mau o presidente da ANTRAL. Aliás, até sou acusado de ter carros da Uber. Se fosse verdade, era a própria que dizia que até o senhor Florêncio usava carros da Uber. Para difamar-me.
"Desde que tiraram o serviço nacional de saúde dos doentes não urgentes que os táxis da província estão a morrer."
Mas conheces ou não taxistas que trabalhem para os dois.
Sim. Mas não os posso proibir. Como presidente da ANTRAL, seria mau se tivesse carros de uma qualquer plataforma. Era o pior que podia fazer, nem que soubesse que os táxis iriam acabar amanhã.
A Uber chegou a Lisboa e Porto. Depois Braga. No resto do país não estão.
Só vão onde existe massa crítica.
Ou seja, na província os táxis asseguram uma espécie de serviço público?
Em Lisboa também se faz esse serviço público. Não vê idosos nos Uber. Estamos 24h ao serviço. Eles trabalham as horas que querem. E há mais: desde que tiraram o serviço nacional de saúde dos doentes não urgentes que os táxis da província estão a morrer. E vemos autocarros de bombeiros a transportarem doentes. As associações de bombeiros são empresas de transportes.
Bombeiros?
Não podem fazer concorrência, são instituições sem fins lucrativos. Na província, mais tarde ou mais cedo, o governo vai rever o que fez. Quando os táxis começarem a encostar, as pessoas vão ter dificuldade porque os bombeiros não estão em todos os sítios. Estão nos centros das vilas e cidades. Há aldeias a 40 km e é o táxi que lá vai. Batem à porta “Oh, senhor António. Leve-me para o hospital” e lá vai ele. Já pensei escrever uma carta ao país.
E porque não ao presidente da República?
Não está interessado nisto. Está preocupado com os sem-abrigo, instituições, ainda bem, mas acho um exagero. Olhe, há uns anos andou de táxi para a Câmara de Lisboa.
Andar de táxis ou recorrer a plataformas é uma questão geracional?
Numa intervenção no Parlamento Europeu, perante a comissária europeia dos Transportes [Violeta Bulc], disse que a indústria dos táxis tem alguma culpa no que se está a passar. Ficámos parados no tempo. Existem táxis há 107 anos. Na década de 70 evoluímos com a rádio táxi e as centrais de radio. Depois, estagnou-se. Isto agora vem espicaçar a indústria. Temos que evoluir. Com o pacote legislativo de 1998 em vigor, pedimos, em devido tempo, ao governo alterações, mas o governo não anda. As instituições que supervisionam o setor pensam que as associações quando lá vão é para enganá-los. Queremos que tudo funcione bem, e os governantes não entendem isso. A direção da ANTRAL decidiu criar um grupo de trabalho para criar uma autorregulação para o setor, para apresentar ao governo. Há seis anos foi publicado um estudo que colocou os táxis portugueses entre os seis melhores da Europa.
Que estudo?
Foi um estudo. Se procurar encontra. Em 4 anos não chegámos onde chegámos assim do nada. Foi a Uber e o [secretário de Estado Adjunto e do Ambiente] José Mendes que veio tentar denegrir os taxistas ao chamar-nos “ladrões”. Eu disse-lhe: o senhor está com a cabeça entalada na Uber. Está comprometido.
Em Lisboa, o aeroporto foi um foco de perturbação com as plataformas. Hoje, não há tanto barulho à volta do aeroporto. Há mais turistas, logo há espaço para todos?
O aeroporto é foco de conflitos. Mas não é só aqui. Em 2007, percorri 10 países. E fui roubado em todos. Exceto no Brasil. E eu percebo de táxis. Em Portugal, o aeroporto é um foco de conflitos porque há alguém que quer que aquilo continue assim. Há quatros anos que há um código de conduta para a praça de táxis do aeroporto.
E está a ser aplicada?
Foi aprovado por unanimidade pelas entidades que estiveram lá representadas. Desde o IMTT à Câmara Municipal de Lisboa. E porque é que não entra em vigor? Interessa a alguém que o setor quebre. As associações querem que funcione e funcione bem.
"Na Holanda, a bandeirada é mais barata. Aqui é a 3,25€ e lá é 3,20€. Só que aqui, num táxi, pago 3,25€ e depois ando quase dois quilómetros que não acrescenta mais nada. Lá, não. Passados 100 metros é 'tuca, tuca, tuca', é sempre a andar."
Quem é que está a comprometer esta situação?
Tenho que lhe dizer que desconhecia que, dentro do grupo de trabalho, os polícias que estão a orientar a praça do aeroporto são gratificados. Pensava que aqueles senhores estavam lá — porque normalmente, quando alguém está na praça está sempre lá um polícia ou dois — eram destacados pela esquadra.
Mas seguranças?
Exatamente. São gratificados. As associações [de táxis] disponibilizaram-se a pôr os dois funcionários, com coletes refletores [para os identificar]: “estamos aqui para o ajudar'”. As pessoas dirigiram-se e perguntavam: “quanto custa um táxi?”. Está a ver? Informações. Só que eles não queriam. Aquilo é uma fonte de receita... Não faço ideia, mas ali todo o dia quase 20 horas gratificados... veja lá quanto é que não se recebe.
Um táxi é mais barato ou mais caro em Portugal em relação ao resto da Europa?
Em relação a Espanha temos uma tarifa cerca de 60% menor. O preço por quilómetro lá é 1€. Aqui, 0,47€. E depois no percurso ou parado, aquele táxi está ali “timba, timba e timba”. Na Holanda, a bandeirada é mais barata. Aqui é a 3,25€ e lá é 3,20€. Só que aqui, num táxi, pago 3,25€ e depois ando quase dois quilómetros que não acrescenta mais nada. Lá, não. Passados 100 metros é “tuca, tuca, tuca”, é sempre a andar. Não pagamos na entrada, mas na saída pagamos duas vezes mais.
Mas é ou não um negócio que compensa?
Não, neste momento não. Repare. Hoje, um táxi em Lisboa faz 12 horas de trabalho. Faz cerca de 50/60 euros. Acha que isso dá para pagar segurança social, seguros aos preços que estão, PEC's, licenças, alvarás, motoristas?
É verdade que há muitas à venda na Internet?
Cada vez mais, e para mim é um fenómeno que está a passar-me ao lado.
Mas não é a Câmara Municipal de Lisboa que as vende?
Mas não consegue tirar, porque é preciso um concurso público, a legislação assim o obriga. Têm que ser pessoas idóneas. Não é qualquer pessoa que pode concorrer, naturalmente. Não é um assassino que concorre e tem direito. Nem poderia ser. Porque lá está, a população tem que ter alguma segurança. E é essa segurança que não há na Uber. Se você for à página Uber Crime, os casos de assédio sexual são cerca de 6 mil. Casos em todo o mundo. São relatos com pessoas, com locais com horas e com dias. Está lá tudo.
Mas há casos em Portugal?
Isso não lhe posso garantir. Mas no Brasil, fazem-se pequenos filmes com a pessoa que foi assediada e violentada. Relatam que aconteceu, “isto, isto e isto”. Vamos às redes sociais e vemos. Eu vejo. Em Los Angeles (EUA) a Uber pagou 10 milhões [de dólares] ao Governo para que o [Ministério Público] desistisse de uma queixa.
Mas no setor que representa não podem acontecer esses casos?
Isto é muito simples. Eu retiro o meu registo criminal, e se está carregado de crimes e mais alguma coisa não posso conduzir transportes públicos. Mas o que é que eu faço para a Uber? Registo-me através da Internet. Eu tiro uma fotocópia, limpo tudo e mando para lá. A Uber não vê o original porque é tudo digitalizado.
Acontece mesmo assim?
Tivemos aqui um caso na ANTRAL. Um formando veio cá tirar um curso de motorista de táxi. Quando chegou o registo criminal, as funcionárias disseram que ia ter problemas em adquirir o CAP (Certificado de Motorista). Veio falar comigo, que sou o diretor da formação, e avisei-o que podia fazer os cursos que quisesse que não iria ter o CAP de motorista de táxi porque o IMTT não lhe emitiria [o documento]. Foi trabalhar para a Uber. Já viu? Para motorista de táxi não serviu, mas para a Uber já dava. Felizmente, em Portugal, não têm havido problemas muito graves, que eu saiba, mas um dia pode acontecer. A filtragem não é 100% fiável. Tem muitas lacunas. No nosso caso, sou eu que admito o motorista, vejo os documentos originais, que lhe tiro as fotocópias.
Carsharing [partilha de carros], transportes públicos, plataformas digitais. É descabido pensar num apoio das câmaras municipais aos taxistas para resolver as questões de trânsito?
Sabe que isso é um problema. O senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa [Fernando Medina] foi apoiado por quem? Pelo Partido Socialista. Ora, não vai, com certeza, contra a vontade do governo. Não somos ingénuos. Porque disse-nos, na primeira manifestação que fizemos, eu apoio-vos, mas o governo ...
Mas depois isso não acontece no Porto [Rui Moreira] ou em Braga [Ricardo Rio]?
A todas as empresas que se vão implementar na sociedade de Braga, o presidente da câmara louva essa atitude. E é verdade que não disse que apoiava diretamente a Uber, mas que era bem-vinda porque é o que diz a todas as empresas: é a captação de investimento. Nesse aspeto, não tenho muito mais a acrescentar. Agora, no Porto, já é diferente. O senhor Rui Moreira apoiou logo desde o início esta plataforma.
Não será normal numa cidade que recebe mais turistas?
Não. Porque vamos lá ver: a Câmara Municipal de Lisboa, por exemplo, recebe dezenas e dezenas de milhares de euros dos táxis.
Em quê? Em licenças?
Sim. Estas acontecem quando há uma alteração de nome, por exemplo. 100 euros. Eu, como industrial de táxis, tenho, quer dizer, não tenho, mas gostava de ter, 50 táxis...
Mas tem algum?
Tenho, claro. Essa é aliás uma obrigatoriedade para se ser presidente da ANTRAL. Tenho uns 18 ou 20. Mas andam todos em Lisboa.
Estávamos a falar de licenças ...
Se tiver uma frota de 50 táxis, para renovar a minha frota, para prestar uma qualidade de serviço melhor ao cliente, melhorar a poluição da minha cidade, o CO2 e por aí fora, acha justo que ainda tenha que pagar 50 mil euros à câmara para licenças? A câmara devia era de facilitar. Gratuito! Isto é para contribuir para a qualidade do ar que respiramos, devemos até participar e devemos apoiar. Mas, não. Não acontece nada. Mas em relação à Câmara Municipal de Lisboa há ainda outra injustiça.
Qual?
Tenho um táxi, resido ali e a EMEL (Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa) não me passa selo. Não posso ter o carro à porta. É uma grande injustiça. Uma ilegalidade. A Câmara Municipal de Lisboa diz que vai rever esta situação, mas o táxi continua a não poder parar à porta.
Pode explicar?
Imagine que tem um carro de empresa, essa empresa tem a sede no Algarve e diz assim: o carro está atribuído ao meu funcionário, você. O senhor vai à EMEL e eles passam-lhe o selo. E o táxi não pode tê-lo porquê? O meu motorista anda a trabalhar com o táxi e mora ali. E porque é que não tem permissão para ali estacionar? É diferente dos outros? Isto é uma desigualdade que não pode acontecer.
Sente-se cansado de tanta luta?
Não, eu já tenho é vergonha de ser português. E tenho pena que a minha mãe não me tenha tido noutro país qualquer. Se calhar estava muito melhor que aqui.
E lá, seria taxista?
[Risos] Podia não ser, se calhar. Se calhar até tinha outra profissão. Agora a sério. Ainda que tenha vergonha de ser português, não quer dizer que não tenha muito orgulho em ser presidente da ANTRAL. São coisas completamente diferentes. E tenho muito prazer em sê-lo e sinto-me muito orgulhoso de todo o trabalho feito. Sou o presidente da ANTRAL há 17 anos. Do corrente mandato [3 anos], faltam 2 anos para terminar. Estive seis anos como vogal da direção. A associação tinha um património de 175 mil euros e hoje tem 7 milhões de euros.
Em quê?
Em edifícios por exemplo. Este edifício [sede da ANTRAL] foi comprado por mim, custou 4 milhões e gastei 700 mil euros para adequar, enfim, ao serviço que pretendíamos. Temos seis delegações com instalações próprias, na sede falta pagar 1 milhão e qualquer coisa. De resto, está tudo pago. Abrimos duas delegações, uma o ano passado, outra em 2016, Castelo Branco e Viseu, com instalações pagas a pronto pagamento. Sinto-me muito orgulhoso.
É a associação a chegar ao Interior?
Temos delegações no Porto, em Coimbra, Viseu, Castelo Branco, Évora e Faro. E vamos abrir em Braga.
Para estar mais próximo do presidente da câmara?
Não, não [risos]. Para estarmos mais próximos dos industriais. Sempre defendi que [a centralização] era muito injusto para os industriais da província. Quem está perto das delegações, serve-se dos serviços gratuitamente. Temos um contencioso que custa 200 mil euros por ano e é gratuito para qualquer sócio. Mas é uma injustiça para quem, por exemplo, não está em Lisboa. Se vier de Peniche anda 200 quilómetros para consultar o advogado. Se calhar, mais vale pagar lá uma consulta. E porque é que ele tem que pagar uma quota como aqueles que estão aqui em Lisboa? Por isso, a ANTRAL teria que ter uma alteração estatuária em que as quotas ou são diferenciadas ou os serviços são pagos. Se forem pagos, estão todos por igual: eu não quero cá vir [a Lisboa], tenho [a consulta] onde eu quiser. Assim haveria mais justiça. Mas infelizmente não é assim. Não é a direção que manda.
Então? Quem é que estabelece essa regra?
A direção para alterar qualquer artigo estatutário só o pode fazer numa Assembleia Geral. E não é fácil, naturalmente.
Fala que o negócio não compensa, que há dificuldades dos industriais. É um trabalho para a ANTRAL ?
Dou-lhe um exemplo. Uma senhora de 80 anos ligou-me a chorar. Tem dois táxis, era o marido que trabalhava e morreu. Com uma vida remediada, hoje está a passar fome. Existem situações degradantes. Esta história mexe muito comigo. Não é justo. Estas pessoas deviam de ter apoio. O governo quando lhe tirou o serviço devia de ver os problemas que ia causar, ou ajudar as pessoas a enveredar por outros caminhos. Mas não. Não se olha para essas pessoas. E quando eu cheguei a presidente, começou a aparecer gente que dizia “oh, Sr. Florêncio, arranja-me um lar. Eu não tenho ninguém. Eu ando aqui de rastos e quero morrer tranquilo. Eu dou o táxi, dou tudo o que tenho. Mas arranje-me um lar”. O que é eu podia fazer? Nada, não era?
E o que fez?
Comecei a congeminar na minha cabeça uma ideia, e constituímos a Fundação ANTRAL. Mas tivemos azar. Foi no tempo do senhor José Sócrates. Um bom português, esperto... é que o país não merece outra coisa. Antes de tomar posse como primeiro-ministro, as certificações das fundações eram atribuídas pelo Ministério da Administração Interna. Quando tomou posse, chamou a ele o pelouro e não delegou.
Ficou na gaveta durante o executivo do primeiro-ministro José Sócrates, portanto.
Sim, de forma que não pudemos avançar. Entretanto, o Dr. Pedro Santana Lopes, na altura presidente da Câmara Municipal de Lisboa, afortunou-nos com um prédio na Boa-Hora que era o antigo Quartel dos Bombeiros — que depois foi retificado numa Assembleia Municipal já com o Dr. António Costa.
E ...?
Lançamos a primeira pedra em novembro [de 2017] do edifício que está a ser reconstruído para abrirmos o primeiro Centro de Dia. Centro de Dia e da Fundação — que já está certificada como IPSS — para prestar assistência domiciliária. Ou seja, nós não queremos retirar as pessoas do seu ambiente. Eles têm os amigos, as rotinas. Nós pretendemos é levar-lhes a assistência a casa. Precisa de médico? Enfermeiro? Limpeza da casa, Compras? Vamos fazer todo esse trabalho.
E como vai fazer essa assistência?
Vamos comprar uma frotazinha de carrinhas. Temos dinheiro, felizmente. Aliás, se eu me for embora hoje e se quiserem pagar as dívidas deste edifício, podem pagar. Há dinheiro. É um trabalho que é gratificante para o resto dos dias na minha vida. Porque esta indústria a nível social não tem apoio nenhum. Em todos os níveis. Em Portugal, os apoios, infelizmente, são muito fracos para as pessoas que trabalham uma vida inteira e depois chegam à sua velhice e não têm apoios de ninguém.
"Os Centros de Dia são para alagar a nível nacional."
E quando se reformar? Vai para lá?
Já estou reformado. Mas quando chegar a altura de abandonar os negócios e a ANTRAL, enfim, tenho uma família que com certeza não me vai deixar ir para um lar. Penso eu [risos]! Mas se tiver que ir, que remédio terei eu [risos].
Mas está tudo centralizado em Lisboa. Ou não?
Não, não. Já temos em Viseu um espaço, um terreno já preparado para construir. É uma ideia nacional. Os Centros de Dia são para alagar a nível nacional. É um começo, porque foi a própria Segurança Social que nos mentalizou que devíamos de começar por esta área, porque um lar que é mais complicado. Este mandato foi mais para concluir este projeto que iniciei e gostava de sair com ele concluído, naturalmente. E penso que para o ano que vem — a obra deve durar até junho/julho — já deve ser possível.
Será só para aqueles que trabalham na indústria? Quantas pessoas podem abranger?
É para toda a pessoa que trabalhou, que trabalha ou que venha a trabalhar na indústria dos táxis. E as famílias também estão englobadas neste projeto. Não lhe posso dar números, apenas que em Portugal trabalham aproximadamente 20 mil nesta indústria. Na Grande Lisboa devem existir uns 8 ou 9 mil.
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