Rússia anunciou um novo corte nas entregas de gás à Europa. E agora?

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

O que aconteceu?

O grupo russo Gazprom anunciou hoje que vai reduzir drasticamente, a partir de quarta-feira, o fornecimento de gás russo à Europa através do gasoduto Nord Stream, justificando a redução com a manutenção de uma turbina.

"A capacidade de produção da estação de compressão Portovaïa passará para 33 milhões de m3 diários a 27 de julho às 07:00" (05:00 em Lisboa), indicou a Gazprom, ou seja, cerca 20% da capacidade do gasoduto contra os 40% atuais.

'A' turbina, as sanções e as reduções

A Rússia já tinha reduzido por duas vezes o volume das suas entregas, em junho, alegando que o gasoduto não pode funcionar normalmente sem uma turbina que está em reparação no Canadá e que não foi entregue à Rússia por causa das sanções impostas pelo Ocidente a Moscovo na sequência da invasão russa da Ucrânia.

Desde então, a Alemanha e o Canadá concordaram em recuperar o equipamento para a Rússia, mas a turbina ainda não foi entregue.

O presidente russo, Vladimir Putin, já tinha avisado que se a Rússia não recebesse a turbina em falta, o gasoduto passaria a funcionar a 20% da sua capacidade a partir desta semana devido à manutenção em breve de uma segunda turbina.

O gasoduto Nord Stream liga a Rússia à Alemanha, através do Mar Báltico e tem, segundo a Gazprom, uma capacidade para 167 milhões de m3 diários. Vários países dependem bastante dos recursos energéticos russos.

Os países ocidentais acusam Moscovo de se servir disso em retaliação às sanções adotadas após a ofensiva russa na Ucrânia.

Por sua vez, o Kremlin diz que as sanções estão na origem dos problemas técnicos na infraestrutura de gás e que a Europa é atingida pelas medidas que impôs à Rússia.

O impacto nos preços

O anúncio da energética fez de imediato disparar em cerca de 10% os preços do gás natural na Europa, de acordo com o índice holandês TTF que é a referência para os mercados europeus.

O que é que isto significa para os preços da energia em Portugal?

Portugal, à semelhança de Espanha, não sou importadores relevantes de gás russo - Portugal, em 2021, o gás russo representou menos de 10% do total importado - pelo que as grandes consequências são indiretas, o que já levou à criação de uma exceção ibérica no que diz respeito aos preços do gás e a alguns diferendos com a União Europeia (UE).

Por exemplo, na passada quarta-feira a Comissão Europeia propôs uma meta para redução do consumo de gás UE de 15% até à primavera, quando se teme corte no fornecimento russo, admitindo avançar com redução obrigatória da procura perante alerta.

O objetivo é que, entre 1 de agosto deste ano e 31 de março de 2023, os Estados-membros reduzam em 15% os seus consumos de gás natural (face à média histórica nesse período, considerando os anos de 2017 a 2021), de forma a aumentar o nível de armazenamento europeu e criar uma almofada de segurança para situações de emergência.

Previsto está que a Comissão Europeia possa declarar, após consulta dos Estados-membros, um ‘alerta da União’ sobre a segurança do aprovisionamento, impondo uma redução obrigatória da procura de gás a todos os países, o que faria com que a meta dos 15% deixasse de ser voluntária para se tornar vinculativa.

Em concreto, o ‘alerta da União’ poderia ser desencadeado quando existe um risco substancial de uma grave escassez de gás ou de uma procura de gás excecionalmente elevada, estipulando-se que, para evitar esse cenário, os Estados-membros atualizem os seus planos de emergência nacionais até ao final de setembro para mostrar como tencionam cumprir o objetivo de redução.

A meta dos 15% tem a oposição de Portugal e Espanha por, desde logo, faltarem interconexões entre a Península Ibérica e o resto da Europa, como explicou na quinta-feira o ministro do Ambiente e da Ação Climática.

“A proposta da Comissão Europeia, tal como está, não é aceitável para Portugal e há um processo negocial em curso”, declarou então Duarte Cordeiro. “Entendemos que estas questões devem ter lugar em Conselho. Devem passar necessariamente por uma discussão em Conselho”, advertiu.

“Como é do conhecimento público, Portugal tem fracas interligações de gás com os restantes Estados-membros, o que significa que esta limitação não significa uma disponibilização de gás para outros países. Depois, em resultado da situação de seca, este é um ano em que Portugal tem uma maior dependência de gás, designadamente no que respeita à produção elétrica”, justificou o membro do Governo.

Para Duarte Cordeiro, “só estas duas circunstâncias são mais do que suficientes para explicar que a proposta da Comissão Europeia, tal como está, Portugal não pode aceitar, porque não serve os interesses do país”.

“Esta situação de Portugal também se estende a outros países, razão pela qual a proposta deve ser modificada no que concerne às obrigações. Quanto à parte de sugestão relativa à redução de consumo, Portugal está sempre disponível para participar”, advogou o titular da pasta do Ambiente.

Neste ponto, Duarte Cordeiro observou que Portugal não apresenta uma elevada dependência de consumo de gás para efeitos domésticos, como existe em muitos outros Estados-membros europeus.

“Esta nossa posição não se deve a qualquer falta de solidariedade. Um corte de gás em Portugal não disponibiliza gás imediatamente para mais nenhum país, tal como acontece no norte da Europa, porque temos fracas interligações. Depois, devido à seca, Portugal produz menos energia hídrica, o que obriga a uma maior produção de energia por gás”, reforçou o membro do Governo

Também na semana passada Marcelo Rebelo de Sousa solidariazou-se com a decisão do Governo: “O problema [do gás] é muito simples, como, aliás, o Governo tem afirmado. É perfeitamente compreensível que nós estivéssemos na disposição de racionar gás, quando nós temos gás, se isso servisse para algum interesse, alguma necessidade europeia”.

Contudo, prosseguiu, “Portugal e a Espanha têm tentado defender a interconexão, isto é, a saída do gás de Portugal e de Espanha para França e para o resto da Europa e não tem sido permitido isso até agora”.

Marcelo recordou que tem havido várias promessas “vagas” de o gás sair da Península Ibérica para outros destinos, como “uma boa ideia, mas que é para ser construída, que seria um gasoduto que ligasse a Espanha a Itália e por aí ligasse a outros países”.

O pacote excecional aprovado em maio, que permite que Portugal e Espanha fixem o preço da eletrecidade, por não estarem no mesmo contexto energético que a restante Europa, permitindo assim proteger as populações da subida do preço do gás, é um valioso escudo para uma situação como esta.

Porquê? Apesar de fontes de energia renováveis mais baratas terem um peso cada vez maior na fixação dos preços, em períodos de maior procura, é necessário recorrer a outras fontes de energia, nomeadamente o gás. Na atual configuração do mercado, o gás determina o preço global da eletricidade quando é utilizado, uma vez que todos os produtores recebem o mesmo preço pelo mesmo produto — a eletricidade — quando este entra na rede. Ou seja, não fosse esta exceção europeia e esta decisão da Gazprom faria subir os preços da energia em Portugal.

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