Para Olof Lagercrantz
que viajou com O Coração das Trevas
e para Etienne Glaser
que foi Adolf em A Infância de Hitler

Todos os judeus e negros deveriam realmente ser exterminados. A vitória será nossa. As outras raças desaparecerão e extinguir-se-ão.
RESISTÊNCIA BRANCA ARIANA, SUÉCIA, 1991 

Podeis erradicar-nos da face da Terra, mas os filhos das estrelas jamais serão cães.
SOMABULANO, RODÉSIA, 1896

Prefácio 

Este livro é uma história, não um contributo para a investigação histórica. É a história de um homem que percorre de autocarro o deserto do Sara e, ao mesmo tempo, percorre no seu computador a história do conceito de extermínio. Em pequenos hotéis no deserto, varridos pela areia, o seu estudo concentra-se numa frase de O Coração das Trevas de Joseph Conrad: «Exterminem todas as bestas.» 

Por que razão concluiu Kurtz o seu relatório sobre a tarefa civilizadora do homem branco em África com estas palavras? Que significado tinham elas para Conrad e os seus contemporâneos? O que levou Conrad a destacá-las como um resumo da retórica bombástica sobre as responsabilidades da Europa para com os povos de outros continentes? 

Eu julgava saber as respostas para estas perguntas quando, em 1949, com a idade de 17 anos, li pela primeira vez O Coração das Trevas. Por detrás das «sombras negras da doença e da fome» no bosque da morte vi mentalmente os sobreviventes esqueléticos dos campos de morte alemães, que tinham sido libertados somente alguns anos antes. Li Conrad como um autor profético que previra todos os horrores vindouros.

A leitura de Hannah Arendt era mais penetrante. Ela constatou que Conrad estava de facto a escrever sobre os genocídios do seu tempo. No seu primeiro livro, O Sistema Totalitário (1951), Arendt demonstrou como o imperialismo requeria o racismo como a única desculpa possível para os seus atos. «À vista de toda a gente encontravam-se muitos dos elementos que, reunidos, possibilitavam a criação de um governo totalitário com base no racismo.» 

A tese de Arendt de que o nazismo e o comunismo têm origens comuns é bem conhecida. Contudo, muita gente se esquece de que ela considerou também os «terríveis massacres» e os «assassínios selváticos» perpetrados pelos imperialistas europeus responsáveis pela «introdução triunfante de tais meios de pacificação em políticas estrangeiras comuns e respeitáveis», dando assim origem ao totalitarismo e aos seus genocídios.

"É Desta Que Leio Isto"

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No primeiro volume de The Holocaust in Historical Context [O Holocausto em Contexto Histórico] (1994), Steven T. Katz iniciou uma demonstração do caráter fenomenologicamente único do Holocausto. Em algumas das setecentas páginas do seu livro refere-se com desprezo aos que salientam as similaridades. No entanto, por vezes é mais tolerante e declara: «A sua abordagem poderia considerar-se, não pejorativamente, um paradigma de similaridade; a minha, pelo contrário, é um paradigma de distinção.» 

As duas abordagens parecem-me igualmente válidas e complementares. O meu viajante no deserto, empregando um paradigma de similaridade, descobre que a destruição das «raças inferiores» de quatro continentes por parte da Europa preparou o terreno para a destruição de seis milhões de judeus na Europa por Hitler.

Cada um destes genocídios teve, evidentemente, as suas caraterísticas próprias e únicas. No entanto, não é obrigatório que dois acontecimentos sejam idênticos para que um deles crie as condições para a ocorrência do outro. A expansão mundial da Europa, acompanhada como foi por uma defesa impudica do extermínio, criou hábitos de pensamento e precedentes políticos que abriram o caminho para novos atos terríveis, culminando por fim no mais horrendo de todos: o Holocausto.

Primeira parte — Rumo a In Salah 

Você já sabe quanto baste. Eu também. Não é de informação que carecemos. O que nos falta é a coragem para compreender o que sabemos e tirarmos conclusões. 

Tademait, «deserto dos desertos», é a zona mais morta do Sara. Nenhum sinal de vegetação. A vida quase extinta. O solo coberto por aquele verniz negro e brilhante com que o calor bruniu a pedra. 

A viagem no autocarro da noite, o único que faz a ligação entre El Goléa e In Salah, demora sete horas na melhor das hipóteses. Luta-se por um lugar no autocarro contra cerca de uma dúzia de soldados com botas militares grosseiras, que aprenderam a arte bélica de fazer fila na escola de combates corpo-a-corpo do exército argelino em Sidi-bel-Abbès. Quem traga debaixo do braço o cerne do saber europeu acondicionado num computador antiquado encontra-se obviamente em desvantagem. 

Antes de virarmos para Timmimoun, através de um buraco na parede servem-nos uma sopa quente de batata e pão. Depois, a estrada de asfalto estriado acaba e o autocarro continua viagem pelo deserto. 

É um puro «rodeo». O autocarro comporta-se como um jovem cavalo selvagem. Com as janelas a abanarem e as molas a chiarem, sacode-se, bate com o pé e salta para a frente; e cada sacudidela é transmitida ao disco duro do computador que levo no regaço, assim como à pilha de peças encaixadas que são os discos da minha coluna vertebral. Quando já não é possível continuar sentado, seguro-me às grades da bagageira ou agacho-me. 

Era isto que eu receava. Era por isto que eu ansiava. Sob a Lua, a noite é um espetáculo fantástico. Hora após hora, o deserto branco escorre perante os meus olhos: pedra e areia, pedra e cascalho, cascalho e areia – com o brilho da neve. Hora após hora. Nada acontece, até que se acende subitamente um sinal no escuro e um passageiro manda parar o autocarro, sai e começa a caminhar, embrenhando-se no deserto. 

O som dos seus passos desaparece na areia. Ele próprio desaparece. Também nós desaparecemos na escuridão branca.

O cerne do pensamento europeu? Sim, há uma frase, uma frase curta e simples, somente algumas palavras, que resume a história do nosso continente, da nossa humanidade, da nossa biosfera, do Holocénico1 ao Holocausto. 

Nada diz sobre a Europa como local de origem do humanismo, democracia e solidariedade social na Terra. Nada diz sobre tudo aquilo de que nos orgulhamos com razão. Simplesmente conta a verdade que preferimos esquecer. 

Estudo essa frase há vários anos. Reuni uma grande quantidade de material que não tive ainda tempo para analisar. Gostaria de desaparecer neste deserto, onde não estou ao alcance de ninguém, onde tenho todo o tempo do mundo, desaparecer e não regressar até ter compreendido aquilo que já sei. 

Saio do autocarro em In Salah. 

A Lua já não brilha. O autocarro leva consigo a luz e desaparece. A escuridão à minha volta é cerrada. Foi nos arredores de In Salah que o explorador escocês Alexander Gordon Laing foi atacado e assaltado. Sofreu cinco golpes de sabre na coroa da cabeça e três na têmpora esquerda. Um dos golpes, na face esquerda, fraturou-lhe o maxilar e cortou-lhe a orelha. Uma ferida terrível no pescoço afetou-lhe a traqueia, uma bala na anca atingiu de raspão a coluna vertebral, cinco golpes de sabre no braço e na mão direitos, três dedos partidos, os ossos dos pulsos trespassados, e assim por diante.2 

Algures, lá ao longe, na escuridão, vislumbro uma fogueira. Arrasto-me com o computador pesado e a mala ainda mais pesada na direção da luz. 

Bancos de areia vermelha impelidos pelo vento atravessam a estrada e os grãos de areia acumulam-se em camadas na encosta. Dou dez passos, mais dez. A luz não parece mais próxima. 

Laing foi atacado em janeiro de 1825. Mas o medo é intemporal. No século XVII, Thomas Hobbes sentia tanto receio da solidão, da noite e da morte como eu neste momento. «Alguns homens são tão cruéis por natureza», disse ao seu amigo Aubrey, «que o seu deleite em matar homens é maior do que o que deveria sentir-se ao matar uma ave»3. 

A fogueira parece continuar à mesma distância. E se deixasse ficar o computador e a mala para poder avançar mais facilmente? Não, sento-me na poeira à espera do amanhecer. 

Cá em baixo, junto ao solo, uma brisa traz subitamente a fragrância de madeira queimada. 

Será que os odores do deserto parecem tão fortes por serem tão raros? Será que as achas da fogueira do deserto são mais concentradas e por isso ardem mais aromaticamente? O que é certo é que o lume, que parece tão distante à vista, chega-me de súbito ao nariz. 

Levanto-me e avanço a custo. 

Quando por fim chego junto dos homens acocorados à volta da fogueira, tenho uma enorme sensação de vitória. Cumprimento-os. Interrogo-os. E sou informado de que tomei uma direção completamente errada. A única coisa a fazer, dizem-me, é voltar para trás. 

Sigo o meu trilho de regresso ao lugar onde saí do autocarro. Depois, dirijo-me para sul na mesma escuridão. 

«O medo permanece», diz Conrad. «Um homem pode destruir tudo dentro de si, amor e ódio e crença, e até mesmo a dúvida, mas, enquanto se agarrar à vida, não pode destruir o medo»4. 

Hobbes teria concordado. A uma distância de séculos, dão um aperto de mão. 

Por que é que eu viajo tanto, se tenho tanto medo de viajar? 

Talvez no medo procuremos uma perceção mais intensa da vida, uma forma mais potente da existência. Receio, logo existo. Quanto mais receio, tanto mais existo? 

Existe apenas um hotel em In Salah, o Tidikelt Hotel, propriedade estatal, grande e caro; e, quando por fim dou com ele, a única vaga é um quarto pequeno, escuro e gélido no qual os aquecedores há muito deixaram de funcionar. 

Tudo é como habitualmente no Sara: o cheiro de desinfetante forte, o rangido das dobradiças mal oleadas da porta, a persiana meio partida. Reconheço tão bem a mesa instável, com uma das pernas demasiado curta, e a película de areia no tampo da mesa, na almofada e no lavatório. Reconheço a torneira que começa a pingar lentamente quando se abre e desiste com um suspiro depois de se encher meio copo de água. Reconheço a cama, feita com uma firmeza tão militar que os pés não cabem nela, pelo menos não a um ângulo normal em relação às pernas, e com metade das roupas tão bem ancoradas debaixo do colchão que o cobertor apenas chega ao umbigo, tudo isto para preservar a virgindade dos lençóis. 

Está bem, talvez viajar seja uma necessidade. Mas porquê exatamente para este lugar? 

O som de pancadas pesadas de um taco desferidas sobre a laringe. Um som crepitante como cascas de ovo e depois um gargarejo quando tentam desesperadamente inspirar. 

Já quase de manhã acordo por fim, ainda com as roupas vestidas. A cama está vermelha, da areia que trouxe comigo do autocarro. Cada pancada esmaga ainda uma laringe. A última esmagará a minha. 

O hotel está incrustado em areia acumulada, isolado junto a uma estrada deserta que atravessa uma planície deserta. Avanço a custo pela areia funda. O sol martela tudo sem misericórdia. A luz cega tanto como a escuridão. O ar contra o meu rosto é como gelo fino a rachar-se. 

Exterminem Todas as Bestas
Exterminem Todas as Bestas créditos: Caminho

Livro: Exterminem Todas as Bestas

Autor: Sven Lindqvist

Editora: Caminho

Data de lançamento: 1 de fevereiro

Preço: € 14,31

Demoro meia hora a chegar aos Correios, que ficam a igual distância do banco e do mercado. A cidade velha é um amontoado de casas, inacessível ao sol e às tempestades de areia, mas a cidade nova estende-se no espaço, num planeamento urbano moderno que faz todos os possíveis por acentuar a desolação do Sara. 

As fachadas de barro castanho avermelhado do centro da cidade são avivadas por pilares e portais brancos, pináculos e remates brancos. A este estilo chamam sudanês, negro, de «Bled es sudan», o país dos negros. De facto, trata-se de um estilo imaginário, criado pelos franceses para a Grande Exposição de Paris de 1900 e transplantado em seguida para o Sara. A cidade moderna é de betão armado cinzento ao estilo internacional. 

O vento sopra do leste. Fustiga-me o rosto quando regresso ao hotel, onde predominam estrangeiros e camionistas de longo curso, todos em viagem «para cima» ou «para baixo», como se estivessem numa escadaria. Todos fazem perguntas uns aos outros sobre a estrada, gasolina, equipamento, todos eles preocupados com a ideia de prosseguirem viagem tão rapidamente quanto possível. 

Colo o mapa na parede e calculo as distâncias. São 273 quilómetros até ao oásis mais próximo a oeste, Reggane. São 386 quilómetros de estrada do deserto até ao oásis mais próximo a norte, El Goléa, de onde acabo de chegar. São 402 quilómetros em linha reta até ao oásis mais próximo a leste, Bordj Ornar Driss. São 644 quilómetros até ao oásis mais próximo a sul, Tamanrasset. São 966 quilómetros em linha reta até ao mar mais próximo, o Mediterrâneo, e 1287 quilómetros em linha reta até ao rio mais próximo, o Níger. São 1450 quilómetros até ao mar a oeste. Para leste, o mar fica tão longe que não vale a pena calcular distâncias. 

De cada vez que vejo as distâncias que me rodeiam, de cada vez que me compenetro de que aqui, no ponto zero do deserto, é onde eu estou, uma guinada de prazer trespassa-me o corpo. É por isso que eu fico. 

Se pelo menos conseguisse pôr o computador a funcionar! A questão é saber se sobreviveu aos solavancos e à poeira. As disquetes não são maiores do que postais ilustrados. Tenho uma centena, em caixas hermeticamente fechadas, uma biblioteca completa que ao todo não pesa mais do que um só livro.

Sempre que queira, posso ir a qualquer ponto da História, desde o dealbar da paleontologia, quando Thomas Jefferson achava ainda inconcebível que uma só espécie pudesse desaparecer da economia da Natureza, até ao conhecimento atual de que 99,9% de todas as espécies se extinguiram, a maioria num punhado de extermínios de massa que se abeiraram da destruição de toda a vida.5 

A disquete pesa cinco gramas. Insiro-a na ranhura e ligo o computador. O ecrã ilumina-se e a frase que investigo há tanto tempo brilha perante os meus olhos na escuridão do quarto. 

A palavra Europa deriva de uma palavra semítica que significa apenas «escuridão»6. A frase que brilha no ecrã é verdadeiramente europeia. O pensamento desenvolveu-se ao longo de muito tempo antes de ser posto em palavras na viragem do século (1898-1899) por um escritor polaco que pensava em francês mas escrevia em inglês: Joseph Conrad. 

Kurtz, o protagonista de O Coração das Trevas de Conrad, remata o seu ensaio sobre a tarefa civilizadora do homem branco entre os selvagens de África com uma frase que resume o verdadeiro conteúdo da sua prosa retórica. 

É esta frase no ecrã que desfecha os seus raios sobre mim: «Exterminem todas as bestas.» 

10 

O latim extermino significa «conduzir para fora», terminus, «exilar, banir, excluir». Daí deriva o português exterminar, que significa «conduzir para fora, para a morte, banir da vida». 

O sueco não tem um equivalente direto. Os suecos têm de dizer utrota, embora se trate na verdade de uma palavra bastante diferente, «arrancar pela raiz», que em português é extirpar, do latim stirps, «raiz, tribo, família». 

Tanto em português como em sueco o objeto da ação raramente é um indivíduo, sendo antes grupos inteiros, como por exemplo escalracho, ratazanas ou pessoas. Os seres brutos, evidentemente, reduzem o objeto ao seu mero estatuto animal. 

Os africanos têm sido apelidados de animais desde os primeiros contactos com os europeus, quando estes os descreveram como «rudes e bestiais», «semelhantes a bestas brutas» e «mais brutos do que as bestas que caçam»7

11 

Há alguns anos, julguei ter encontrado a fonte da frase de Conrad na obra do grande filósofo liberal Herbert Spencer. Em Social Statics [Estática Social] (1850), Spencer escreve que o imperialismo se pôs ao serviço da civilização ao limpar as raças inferiores da face da terra. «As forças que acionam o grande esquema da felicidade perfeita, sem tomarem em consideração o sofrimento incidental, exterminam qualquer parcela da humanidade que se atravesse no seu caminho... Seja ser humano ou seja besta – o obstáculo tem de ser afastado»8.

Aqui se encontravam em simultâneo a retórica civilizadora de Kurtz e as palavras-chave exterminar e besta, e o ser humano era expressamente posto em pé de igualdade com o animal como objeto de extermínio. 

Julguei ter feito uma pequena mas interessante descoberta académica, que mereceria figurar um dia como nota de rodapé na História da Literatura, a frase de Kurtz «explicada» pelas fantasias de aniquilação de Spencer. Estas, por sua vez, pensava eu, eram uma excentricidade pessoal, talvez explicável pelo facto de todos os irmãos de Spencer terem morrido quando ele era ainda criança. Uma conclusão calma e reconfortante. 

12 

Não tardei a descobrir que a interpretação de Spencer não era de forma nenhuma singular. Era comum, e durante a segunda metade do século XIX tornou-se ainda mais comum, a tal ponto que o filósofo alemão Eduard von Hartmann escreveu mesmo o seguinte no segundo volume da sua obra Filosofia do Inconsciente, que Conrad leu em tradução inglesa: «É tão pequeno o favor que se faz a um cão cuja cauda vai ser cortada quando esta é cortada gradualmente, polegada a polegada, como pequena é a humanidade em prolongar artificialmente a resistência à morte de selvagens que estão em vias de extinção... O verdadeiro filantropo, se compreendeu a lei natural da evolução antropológica, não pode evitar o desejo de acelerar a última convulsão e labutará para esse fim»9.

Na altura, tratava-se quase de um lugar-comum que Hartmann pusera em palavras. Nem ele nem Spencer eram pessoalmente inumanos. Mas a Europa a que pertenciam era-o. 

A distância entre a ideia do extermínio e o coração do humanismo não é maior do que a existente entre Buchenwald e a Goethehaus em Weimar. Essa perceção foi quase completamente reprimida, até mesmo pelos alemães, que foram transformados num bode expiatório por perfilharem ideias que constituem de facto uma herança europeia comum. 

13 

Trava-se atualmente na Alemanha uma batalha sobre o passado vivo. Esta Historikerstreit, como lhe chamam, centra-se na questão: «O extermínio dos judeus pelos nazis é único ou não?» 

O historiador alemão Ernst Nolte considerou «o chama do extermínio dos judeus pelo Terceiro Reich» «uma reação ou cópia distorcida e não uma ação original». O original foi, segundo Nolte, o extermínio dos kulaks na União Soviética e as purgas de Stálin na década de 30. Foi o que Hitler copiou. 

A ideia de que o extermínio dos kulaks causou o extermínio dos judeus parece ter sido abandonada e muita gente sublinha o facto de todos os acontecimentos históricos serem únicos e não cópias uns dos outros. Mas é possível compará-los. Assim, podem encontrar-se tanto semelhanças como diferenças entre o extermínio dos judeus e outras chacinas, desde o massacre dos arménios no início do século XX até às atrocidades mais recentes de Pol Pot. 

No entanto, neste debate ninguém menciona o extermínio por parte dos alemães do povo herero no Sudoeste Africano, ocorrido durante a infância de Hitler. Ninguém menciona os genocídios perpetrados pelos franceses, pelos britânicos ou pelos americanos. Ninguém chama a atenção para o facto de, durante a infância de Hitler, um dos principais elementos na visão europeia da humanidade ser a convicção de que as «raças inferiores» estavam por natureza condenadas à extinção: a verdadeira compaixão das raças superiores consistia em facilitar-lhes o desaparecimento. 

Todos os historiadores alemães que participam neste debate parecem olhar na mesma direção. Nenhum olha para o Ocidente. Mas Hitler fê-lo. O que Hitler pretendia criar quando procurou Lebensraum no Leste era um equivalente continental do Império Britânico. Foi nos britânicos e nos outros povos do Ocidente europeu que ele encontrou os modelos, dos quais o extermínio dos judeus é, nas palavras de Nolte, «uma cópia distorcida»10.

Notas

1. O período geológico mais recente, que teve o seu início no final da Era Glaciar.

2. Kim Naylor, Guide to West Africa (Londres, 1986), p. 193. 

3. John Aubrey, Brief Lives (1949), p. 157.

4. Joseph Conrad, «An Outpost of Progress» (1897).

5. B. W. Sheehan, The Seeds of Extinction, Jeffersonian Philanthropy and the Ame rican Indian (Chapel Hill, 1973). S. M. Stanley, Extinction (Nova Iorque, 1987).

6. R. C. Lewontin, New York Review of Books (14 de junho de 1990).

7. Margaret T. Hodgen, Early Anthropology in the Sixteenth and Seventeenth Centuries (Philadelphia, 1964), p. 410.

8. Herbert Spencer, Social Statics (1850), p. 416.

9. Eduard von Hartmann, Philosophy of the Unconscious, vol. 2, p. 12. Citado em  J. E. Saveson, Modern Fiction Studies, vol. 16, n.º 2 (1970).

10. Ernst Nolte em Historikerstreit: Die Dokumentation der Kontroverse um die  Einzifatigkeit der nationalsozialistischen Judenvernichtung (Munique, 1987),  p. 33. Consultar também Frank Chalk e Kurt Jonassohn, The History and Sociolo gy of Genocide (New Haven, 1990) e Ervin Staub, The Roots of Evil: The Origins of  Genocide and Other Group Violence (Cambridge, 1989). Nenhum destes autores  detetou a ligação entre o genocídio hitleriano e o imperialismo europeu. Contu do, Richard L. Rubenstein fê-lo, em Genocide and Civilization (1987). Os meus  agradecimentos ao Professor Sverker Sörlin, que me chamou a atenção para o  trabalho de Rubenstein e para a bibliografia de Helen Fein, Genocide: A Sociolo gical Perspetive in Current Sociology, vol. 1 (1990).