“...210, 220...250... quem dá mais...260 ao fundo da sala, 270 aqui... (alguém mexe inadvertidamente o braço e é advertido) ...o senhor está num leilão, não mexe, mas vá...não vou contar...280...290 ao telefone...300 euros na sala...300 euros...bom, 1, 2, 300 euros..., 3...arrematado. O lote é arrematado por 300 euros...posso dizer por quem (pergunta para a assistência e para o próprio)?”.
O que aqui está descrito transmite sumariamente o que se passou no leilão, com o lote único, de uma caixa de cerejas do Fundão, com 2 quilos de peso, que decorreu na passada quinta-feira, 4 de maio, ao final do dia na Leiloeira Palácio da Memória, em Lisboa. A voz pertence a Luís Castelo Lopes, o próprio diretor da leiloeira que iniciou, comandou e sinalizou o fim do leilão com o som do martelo a bater num pedaço de madeira. E com a pergunta para o comprador.
Ao fim de 1 minuto, 9 segundos e 72 centésimos, o chef Vítor Sobral, presente na sala e vestido de branco, com a placa número 3 na mão, arrematou por 300 euros as primeiras cerejas do Fundão a saírem para o mercado naquele que foi o primeiro leilão do género alguma vez feito em Portugal.
“Licitar a coçar o nariz”
Com 25 anos de profissão e mil horas a “bater martelo”, Luís Castelo Lopes testemunhou esta estreia. O tempo de passar dos 100 aos 300 euros e a disputa verificada foi “divertida e normal”, disse. O “preço foi muito bom” para uma caixa de cerejas num “um leilão fora da caixa”, acrescentou.
Embora tivesse deixado algumas indicações, no início, como se iria processar, recordando que ao preço de venda acresce “12% de comissão e IVA”, há, nestas ocasiões, sempre momentos não previstos no guião. Não previstos talvez seja exagerado. Imprevistos. E foi o que aconteceu com alguém que estava na sala e que, embalado pela energia que o espaço transportava com a rapidez das licitações e o ritmo imposto por quem estava no púlpito, mexeu o braço.
“Pode acontecer o que não quer dizer que quando a pessoa espirre fique com o lote, mas normalmente eu sei quando está a licitar”, esclarece Castelo Lopes. “Mas há quem licite a coçar o nariz”, conta.
O leilão foi participado por quem estava na sala e por telefone. Por essa via chegaram duas licitações, denunciadas por alguém que desde o início do leilão se manteve em constante contacto com o outro alguém do lado de lá da linha.
Entre os presentes, destaque, entre outros, para dois nomes que foram referenciados no discurso de agradecimento de Paulo Fernandes, presidente da câmara municipal do Fundão. O primeiro, Vítor Martins, presidente da Assembleia Municipal do Fundão, administrador da Caixa Geral de Depósitos e secretário de Estado para os Assuntos Europeus, entre 1985 e 1995. O segundo, Nuno Sampaio, que esteve em representação da presidência da República, indicando que a política quer andar de braço dado com a promoção dos produtos locais.
Numa curta “sondagem” entre os presentes, as ligações ao Fundão serviram de justificação para a presença e vontade de licitar. José Jacinto tem familiares produtores, “pequenos”, disse. O que moveu a deslocar-se ao Palácio da Memória para participar no leilão deveu-se ao “apoio à investigação”. Jorge Rodrigues, tem também laços de sangue com o Fundão, trabalha e vive no Porto, e aproveitou uma reunião em Lisboa para “satisfazer a curiosidade” de estar no primeiro evento do género. Por fim, Filipa Encarnação, a viver em Lisboa, disse presente para desta forma “aproximar-se da terra natal e da minha querida cereja”.
“Comer as cerejas ao natural”
O Chef Vítor Sobral foi para casa a caixa com os dois quilos de cereja do Fundão.Pagou 300 euros, triplicando o valor inicial. Surpreendido, positivamente, pela ideia de levar à praça um produto do qual é embaixador, relembra que está mais habitual assistir-se a um “leilão de trufas”, confessando nunca ter ouvido falar de um de cerejas.
“Vou comê-las com a minha equipa. Uma a uma. Vão ser as cerejas mais caras que já comemos”, referiu justificando a sua opção em detrimento de utilizá-las na confeção de um prato.
“Comê-las simples” ou “colhê-las diretamente” das árvores é, para o Chef Sobral o “melhor que há”. Com uma variedade de produtos derivados e com possibilidades de serem degustadas, Vítor Sobral recomenda uma receita pela qual se destaca na cozinha. “Arroz de tomate com jaquinzinhos fritos”. A explicação vem a seguir: “a acidez do tomate suavizado com a cereja... no fim é simpático trincar a cereja”. Sem caroço. “Tirar o caroço dá trabalho mas se estivermos a cozinhar para alguém que mereça vale a pena tirar os caroços”, sorri.
Visivelmente sorridente esteve também Paulo Fernandes, presidente da Câmara Municipal do Fundão que desceu à capital em mais uma ação de promoção da marca. O valor obtido “é provavelmente um dos maiores preços do mundo”, sustentou.
“Somos os primeiros países no mundo a ter as cerejas. São as primeiras a sair”, começa por explicar. Sobre a razão do leilão refere que o valor obtido com a venda do lote servirá na totalidade para “apoiar a linha de investigação na área de medicina [Universidade da Beira Interior] com a investigação do cancro da próstata e dos distúrbios do sono e na área da biotecnologia [Instituto Politécnico de Castelo Branco], em que a cereja, como fruto vermelho tem açúcar natural, surgindo ainda na defesa do património genético dos produtos endógenos e autóctones”, finalizou.
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