Chegados a agosto de 2021, a pouco mais de um mês de se assinalarem 20 anos desde a invasão do Afeganistão, pouco faria crer que esta fosse a notícia a dominar o dia: “Talibãs preparam-se para tomar o país, ministro do Interior promete transição pacífica de poder”.
Todavia, face aos acontecimentos desta última semana, não se pode dizer que seja particularmente surpreendente. Desde que os EUA de Joe Biden puseram em prática o plano de retirada negociado com os talibãs pelos EUA de Donald Trump, as forças insurgentes fizeram um avanço absolutamente avassalador pelo território — o que, à luz da história, torna compreensível que os EUA de Barack Obama tenham prometido uma saída sem nunca cumpri-la, depois dos EUA de George W. Bush invadirem o país em retaliação ao 11 de setembro.
Neste momento, praticamente apenas Cabul, a capital, “resiste” — todas as outras capitais de província se entregaram, quase sempre sem violência, preferindo deixar-se dominar pelos talibãs do que arriscar confronto armado e, com isso, a morte indiscriminada de civis.
Entenda-se este uso de aspas: Cabul só não foi dominada porque as forças insurgentes optaram por não carregar sobre a capital. Estão às suas portas, nas zonas suburbanas, pacientemente aguardando pela capitulação do Governo e prometendo que não vão agir de forma violenta.
Promessas leva-as o vento, bem se sabe — não é preciso ser um ancião para recordar como era medieval e fundamentalista o regime talibã — especialmente no que toca aos direitos das mulheres — antes das forças ocidentais o remeterem para a reclusão, instaurando um governo civil e secular. E é por isso que é grande o temor da população, particularmente aquela que colaborou com o “invasor”.
Na sexta-feira, o nosso cronista José Couto Nogueira traçou em parágrafos sucintos a história do intervencionismo militar norte-americano, tal como da ingovernabilidade do Afeganistão. Junte-se uma superpotência pouco potente em gerir confrontos nos últimos 70 anos e um território que há séculos que é impossível de conquistar (os ingleses ou os soviéticos que o digam) e o que se passa neste momento parece que podia ser previsto ao milímetro.
De nada parecem ter valido 20 anos de treino militar para as forças afegãs, investimento em intraestruturas e elevados custos humanos — até abril deste ano, morreram 2 448 soldados norte-americanos, 66 mil membros das forças armadas e da polícia afegãs e 47 245 civis. Neste momento, os EUA, que prometeram deixar um país preparado para lidar com os talibãs, estão a acelerar a retirada dos seus diplomatas, para que saiam o quanto antes do Afeganistão — e os restantes países ocidentais estão a seguir as pegadas desta evacuação apressada.
Todo este cenário traz à memória a queda de Saigão em 1975, quando as forças norte-americanas também tiveram de deixar 20 anos de uma guerra ruinosa no Vietname sem deixar mais nada que não sangue e contas por pagar. É por isso que faz sentido recordar a frase que Karl Marx escreveu a propósito do 18 de Brumário de Luís Bonaparte, num acrescento ao que Hegel já tinha postulado: “todos os grandes factos e personagens da história universal aparecem como que duas vezes. Mas ele esqueceu-se de acrescentar: uma vez como tragédia e a outra como farsa."
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