António Costa assumiu esta posição numa breve intervenção após ter inaugurado nos jardins de São Bento, em Lisboa, uma escultura de Fernanda Fragateiro, "A poesia é" - uma iniciativa integrada no programa da residência oficial do primeiro-ministro de comemorações do 47º aniversário do 25 de Abril.

"No discurso de hoje, o senhor Presidente da República teve a ocasião de sublinhar e enfatizar bem como há uma representação conjunta na diversidade necessariamente complexa da História de Portugal", declarou o líder do executivo.

Perante os jornalistas, António Costa recordou que o chefe de Estado, no discurso que proferiu na Assembleia da República, invocou a sua história pessoal enquanto filho de "alguém que foi ministro da ditadura".

"Eu, a ouvi-lo, não pude deixar de me lembrar e de pensar que o país tem neste momento um Presidente da República que tem este percurso e um primeiro-ministro que é filho de uma mulher e de um homem que lutaram contra a ditadura e contra o colonialismo", observou.

António Costa disse então que, "se um é filho de alguém que foi governador de uma colónia, o outro é primo em segundo grau de um general da FRELIMO" (Frente de Libertação de Moçambique).

"Percebemos bem nestes percursos diversos como a democracia e a liberdade são mesmo o grande oceano onde todos estes rios vão desaguar", concluiu.

O primeiro-ministro deixou ainda outras notas de diferença de percurso de vida e de geração entre si e Marcelo Rebelo de Sousa.

"Tinha 12 anos quando aconteceu o 25 de Abril de 1974 e não fui constituinte como o senhor Presidente da República. E não fui também jornalista como o senhor Presidente da República. Mas tenho a certeza que é nesta diversidade que a liberdade permite que dá força à continuidade da nossa democracia, fazendo com o que o 25 de Abril não seja só uma data de há 47 anos e seja uma vivencia permanente e de futuro", declarou o líder do executivo.

Costa elogia Sérgio Godinho, arte de Fernanda Fragateiro e tradição desde Guterres

 O primeiro-ministro elogiou hoje a carreira musical de Sérgio Godinho, a arte da escultora Fernanda Fragateiro e a tradição de abertura ao público dos jardins de São Bento iniciada com o seu antecessor António Guterres.

António Costa falava antes de atribuir a medalha de mérito cultural a Sérgio Godinho e logo após ter inaugurado nos jardins de São Bento a escultura de Fernanda Fragateiro.

O líder do executivo apontou os condicionalismos inerentes ao programa de comemorações deste ano do 25 de Abril, com o país ainda em estado de emergência por causa da epidemia de covid-19.

"Estas comemorações do 25 de Abril far-se-ão com a porta aberta, mas ainda com as cautelas devidas. Por isso, o tradicional concerto de fim de tarde de Sérgio Godinho foi pré-gravado. Será transmitido nas redes sociais do Governo a partir das 17:00 e na RTP1 a partir das 19:10 - um concerto que celebra os 50 anos de carreira de alguém que deu a voz na luta pela resistência" contra a ditadura, afirmou o primeiro-ministro.

Perante os jornalistas, António Costa disse que "Sérgio Godinho, foi alguém que deu voz ao 25 de Abril".

"Alguém que tem cantado as nossas vidas desde o 25 de Abril até agora", acentuou, antes de elogiar a decisão de António Guterres, quando foi primeiro-ministro, entre 1995 e 2002, de abrir ao público os jardins e a residência oficial de São Bento.

Na perspetiva de António Costa, o atual secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, "iniciou uma belíssima tradição de celebrar o 25 de Abril abrindo as portas da residência oficial à visita de todos os cidadãos e, mais do que isso, convidando anualmente um artista plástico a representar a cultura portuguesa nos lindíssimos jardins de São Bento".

"Nem todos os anos se tem cumprido esta tradição. Porém, nos anos em que aqui tenho estado, retomei essa tradição. A certa altura detetámos que tínhamos um universo muito rico de obras de arte, mas com a enorme falha de representação do género feminino entre os artistas presentes nesta coleção", apontou logo a seguir o atual líder do executivo.

Segundo António Costa, a partir da anterior legislatura, foi então "iniciada uma mudança", destacando a escultura de Fernanda Fragateiro.

"Aqui temos esta linda obra de Fernanda Fragateiro, que é um convite à vivência no jardim, à leitura e recupera uma fase de Sophia de Mello Breyner, segundo a qual a poesia está na rua. Uma frase que tem aqui uma nova tradução de inspiração. A liberdade é a possibilidade que sempre temos de reinventar e de recriar a poesia, o estar na rua", defendeu o primeiro-ministro.

A escultura "A poesia é", de acordo com a escultora Fernanda Fragateiro, "tem a ver com o lugar em que se insere, o belo jardim de São Bento, e com a necessidade de não ocupar muito espaço".

"Esta escultura, com dois elementos, tem a forma de livro em movimento. O material é o granito de Trás-os-Montes, Pedras Salgadas, muito denso e forte, o que nos fala de um território. A escultura convida as pessoas a sentarem-se e a usarem-na", explicou a autora da obra de arte.

Falando após a intervenção do primeiro-ministro, a escultora Fernanda Fragateiro contou também que tinha 11 anos quando aconteceu o 25 de Abril de 1974, dia em que fez uma intervenção cirúrgica.

"Passei esse dia anestesiada. Adormeci num país muito escuro e acordei num outro país já em liberdade", declarou.

Depois, Fernanda Fragateiro demarcou-se da chamada arte celebratória.

"A arte não deve ser celebratória. As pessoas celebram acontecimentos em determinados momentos, mas, depois, com a revisão da História, as pessoas arrependem-se", justificou, antes de demarcar a questão do 25 de Abril desta sua tese crítica em relação à arte celebratória.

"Pode-se sempre celebrar a liberdade. A liberdade nunca é questionável", disse.