Os norte-americanos vão esta terça-feira, 6 de novembro, às urnas para escolher senadores, representantes, governadores e outros líderes políticos nas eleições intercalares. Perceba, em 25 perguntas e respostas, como funcionam e o que esperar destas votações intercalares (a meio do mandato presidencial), com comentários de Manuel Loff, professor do Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Para cada eleitor, cada escolha é relevante, mas na noite eleitoral umas terão mais atenção do que outras, pelas consequências políticas, seja no que diz respeito ao controlo do Senado e da Câmara dos Representantes, seja pelo significado simbólico que lhes será dado pelos partidos, ou pela ideia que darão sobre a real base de apoio do Partido Republicano de Donald Trump.
1. Como funciona o sistema político norte-americano?
O sistema norte-americano espalha o poder por vários níveis. Presidente, Senado e Câmara dos Representantes — e isto apenas no nível federal (os EUA como um todo, por oposição ao nível estadual — onde também vão decorrer várias eleições esta terça-feira).
O presidente é eleito de quatro em quatro anos. As últimas presidenciais, em 2016, deram a vitória ao candidato do Partido Republicano, Donald Trump, que derrotou a Democrata Hillary Clinton.
Os senadores são escolhidos para mandatos de seis anos — mas as eleições para o Senado não ocorrem apenas a cada meia dúzia de anos. Isto porque, a cada dois anos, são renovados os mandatos de um terço dos senadores.
Isto significa que esta terça-feira, apenas 33 dos cem lugares do Senado estariam em jogo. Estariam porque há mais duas eleições senatoriais de substituição, as chamadas eleições especiais, o que coloca o total de lugares em disputa para o Senado nos 35.
Já as eleições para a câmara baixa do parlamento norte-americano, a Câmara dos Representantes, ocorrem a cada dois anos. Aconteceram em 2016 e tornam a acontecer esta terça-feira, sendo que todas as cadeiras vão a jogo. E quantos lugares há na Câmara dos Representantes? 435.
2. Como estão hoje distribuídos os lugares nas diferentes câmaras (Senado e Representantes)?
Os Estados Unidos mantêm um “tradicional monolitismo bicolor”, como lhe chama Manuel Loff. Ou seja, os assentos são quase todos ou do Partido Republicano, ou do Partido Democrata. Há dois lugares independentes no Senado, mas cujo voto está alinhado com o dos Democratas.
Na Câmara dos Representantes, há 235 Republicanos, contra 193 Democratas. Há sete cadeiras vagas, deixadas por deputados de ambos os partidos, que ou resignaram, ou morreram. Para ter a maioria nesta câmara são precisos pelo menos 218 lugares.
Das cadeiras em jogo, há 66 que não vão ser disputadas pelo atual ocupante. 39 desses lugares pertenciam a Republicanos, o que dá esperança aos Democratas de conquistar a maioria neste órgão — os americanos tendem a reeleger os candidatos que já lá estavam.
No Senado, a maioria chega com as 51 cadeiras. Atualmente, os Republicanos estão precisamente aí, nos 51 senadores, o que lhes dá a maioria. Para além disso, por só um terço dos mandatos estar agora a jogo, os Republicanos são também os que correm menos riscos.
É que dos 35 lugares em disputa, apenas nove são de senadores Republicanos, o que significa que, no pior dos cenários, os republicanos podiam ficar apenas com 42 lugares. Já os Democratas, têm em jogo 26 dos 49 lugares que controlam.
3. Então, o que é uma vitória para Trump?
Não sendo um sufrágio ao desempenho do presidente, há sempre quem faça leituras do resultado das intercalares, como uma espécie de barómetro à administração.
Assim sendo, um bom resultado para Donald Trump será o segurar da maioria nas duas câmaras do Congresso.
Se tiver de perder alguma das câmaras, aquela que mais interessa a Trump segurar será o Senado — com competências superiores, é onde se discute a política externa e de defesa, temas caros ao presidente norte-americano.
4. E uma derrota?
Uma derrota seria perder a maioria Republicana nalguma das câmaras, o que lhe traria dificuldades na aprovação de legislação.
5. O que é mais provável?
A popularidade de Donald Trump está em baixa (40%) e o Partido Republicano está dificilmente a conseguir contrariar os avanços Democratas, sobretudo nas eleições para governadores dos Estados (onde os Republicanos devem perder seis a 10 lugares) e para a Câmara dos Representantes.
Aliás, para o analista Amy Walter, do Cook Political Report, citado pela agência Lusa, a melhor indicação de que os Republicanos dão a Câmara dos Representantes por perdida é o roteiro final dos comícios de Donald Trump, que se concentram nos locais onde se luta pelo controlo do Senado: “Trump quer uma posição ainda mais forte no Senado”.
6. O Senado é assim tão importante?
É.
O controlo Republicano no Senado pode ser vital para Donald Trump, sobretudo se for criado um processo de impeachment [que pode conduzir à destituição do Presidente], como indica a ameaça dos Democratas, que lançam suspeitas sobre o envolvimento do presidente nas alegadas interferências russas nas recentes eleições presidenciais.
Esse processo para a destituição do presidente terá de começar na Câmara dos Representantes (o que poderá provavelmente acontecer, com a previsível maioria Democrata), mas mesmo que seja aprovado na câmara baixa do Capitólio [centro legislativo dos Estados Unidos, que abriga a Câmara dos Representantes e o Senado] precisa de ser validado no Senado, por 2/3 dos membros.
7. Mas vai mesmo haver destituição?
Não é claro. É possível, mas talvez não seja provável (sim, esta frase quer mostrar que não há certezas). Uma destituição não traria uma antecipação das eleições, antes colocaria Mike Pence, o vice-presidente de Donald Trump, a governar até 2020.
Já muito se falou e previu sobre a administração de Trump, todavia, como diz Manuel Loff, “não há nenhuma mudança significativa na opinião conservadora que o elegeu, ao contrário do que muitas previsões catastrofistas diziam — que isto ia ser tão patético que ele nem aguenta os quatro anos sequer. Há algum discurso de impeachment neste momento? Há alguma sombra que paire verdadeiramente sobre Donald Trump?”, questiona.
8. E perder a Câmara dos Representantes, é grave?
É.
Sem uma maioria Republicana na Câmara dos Representantes, Trump pode contar com vários outros problemas, criados a partir do Capitólio, desde investigações sobre os seus negócios, ou sobre as finanças de familiares ou de figuras que lhe são próximas e sobre os quais os Democratas têm várias suspeições, como é o caso do secretário de Comércio, Wilbur Ross.
“Vai haver um aumento substancial de pedidos do Congresso para averiguações, a que os Republicanos terão de se submeter”, afirmou Justin Rood, analista da organização “Project On Government Oversight”, citado pela estação de televisão NCB.
Outra consequência imediata é a dificuldade de manter a agenda legislativa Republicana, com afirmações de vários congressistas Democratas a prometer que travarão iniciativas como as que estavam delineadas nas áreas fiscais e de segurança social.
9. E os governadores?
Os governadores. Os líderes de cada um dos cinquenta estados são responsáveis pela política mais corrente dessas subdivisões do estado federal que são os EUA.
Como os norte-americanos juntam tudo o que é ida às urnas na mesma terça-feira, há vários que vão também hoje a votos — 36.
A cor do mapa destas eleições pode também ser vista como barómetro à governação republicana de Trump.
É que com o controlo da maioria dos governos estaduais, também a agenda legislativa dos Democratas deverá prevalecer, a nível local, onde o novo controlo terá uma capacidade de condicionar o trabalho dos representantes e senadores dos respetivos Estados.
Este cenário pode igualmente ser preocupante para as aspirações de reeleição de Donald Trump.
As investigações suscitadas pela maioria Democrata na Câmara dos Representantes e a falta de apoio de muitos dos governos estaduais poderão dificultar a base de que Trump precisa para tentar a reeleição dentro de dois anos.
10. Mas… As sondagens dizem o quê?
Sondagens. As sondagens têm de ser lidas com cautela nos Estados Unidos. É que há dois anos havia muita fé numa vitória da Democrata Hillary Clinton — o que, obviamente, não se concretizou.
Para estas intercalares, com milhares de lugares em disputa (fora de Washington, há perto de sete mil outros cargos em eleição), muitas lutas renhidas, é difícil antever resultados.
Aquilo que se sabe é que o voto antecipado está a ter maior interesse que noutros anos. Mas a abstenção costuma ser maior nestas eleições intercalares que nas presidenciais.
11. É obrigatório votar?
Não. Não é sequer obrigatório estar recenseado. O que obriga a um outro exercício para perceber que percentagem da população vai mesmo votar. É que quando se fala em abstenção, estamos a olhar apenas para a parte dos norte-americanos que estão recenseados.
Por exemplo, com uma abstenção de 50%, sabemos que metade dos recenseados não foi votar — não que metade dos norte-americanos não foi votar.
12. Mas como é que as pessoas se registam?
Essa será, aparentemente, a coisa mais fácil. Fácil se não formos de alguma minoria ou tivermos algum tipo de registo no cadastro.
Manuel Loff explica: “a legislação sobre recenseamento eleitoral nos Estados Unidos varia segundo cada estado, ou seja, não é uma legislação federal. Na grande maioria dos estados, uma simples condenação num tribunal de primeira instância pode provocar a perda de direitos políticos; com a evidente discriminação das minorias no comportamento das polícias e do sistema judicial. Isto significa que, em vários estados, designadamente do sul dos Estados Unidos, onde há percentagens muito elevadas da população afro-americana — há estados do sul dos EUA em que metade da população ou 40% da população é afro-americana —, mais de metade não tem direito de voto porque em algum momento foi condenado — não esqueçamos que os Estados Unidos são o país com o maior número de pessoas condenadas e de longe o país do mundo, em proporção, com o maior número de pessoas detidas”.
13. E isso não pode ser usado para enviesar a votação?
Pode. E há quem diga que está mesmo a ser.
É a chamada supressão de votos — voter supression — e apesar de não ser uma coisa nova, tem estado a atingir proporções importantes em corridas como a de Georgia, por exemplo.
Nos últimos anos, alguns estados têm implementado legislação mais forte para o controlo de quem vota.
E a forma como essas medidas funcionam é vasta. Pode ser, por exemplo, exigindo morada a cidadãos que culturalmente não a têm — o caso dos nativos americanos, que vivem em reservas e recebem a correspondência através de apartados postais. É o que está a acontecer no Dakota do Norte, onde cerca de 30 mil nativos americanos ficam arredados do recenseamento.
Na Georgia, mais de cinquenta mil registos foram retidos pelo secretário de estado local, Brian Kemp, a maioria deles pertence a afro-americanos. Kemp é o candidato Republicano ao cargo de governador e vai defrontar a Democrata Stacey Abrams, que pode vir a ser a primeira mulher negra eleita governadora nos Estados Unidos.
A Florida, o Ohio, o Arkansas ou o Missouri são outros estados onde há denúncias de que a legislação eleitoral está a ser usada para limitar o direito de voto de alguns setores da população.
14. No meio disso, quem vai votar?
Bom, nota-se uma alteração no perfil do eleitor, como a disposição de um maior número de jovens para ir votar (duplicando a percentagem de 20%, em 2014, para 40%, este ano, dos eleitores entre os 18 e os 29 anos com intenção de fazer uma escolha), ou a expectativa de cerca de oito milhões de eleitores hispânicos acorrerem às urnas (mais 15% do que nas eleições intercalares de 2014), explica a análise da Lusa.
A alteração no perfil do eleitor pode também corresponder a modificações no perfil dos representantes, nas eleições desta terça-feira, há candidatos que podem fazer história em vários círculos, por serem os primeiros negros, ou as primeiras mulheres, ou os primeiros políticos assumidamente homossexuais a exercerem cargos em determinados lugares.
15. Qual é a estratégia dos Democratas para conquistar lugares?
Uma onda azul. Azul é a cor do Partido Democrata (os Republicanos são vermelhos) e a “onda azul” refere-se a um otimismo em torno de novos candidatos, alguns vindos dessas tais minorias ou setores sub-representados da população norte-americana, que podem acabar a fazer história.
É o caso das mulheres, dos afro-americanos, dos latino-americanos, nativos americanos e LGBTIQ.
Esta invasão de novas caras e novas ideias não é sempre pacífica no seio dos Democratas, mas, identifica Loff, é uma consequência do que aconteceu há dois anos. “Na sequência da campanha muito forte, com forte representatividade do senador Bernie Sanders, ele próprio se assumindo um socialista dentro do Partido Democrata, têm ganho várias eleições primárias candidatos claramente da ala esquerda, nomeadamente novos candidatos, de uma nova geração bastante diferente, que designadamente têm algumas particularidades significativas: há um reforço das candidatas mulheres e, em segundo lugar, representam mais as minorias tradicionalmente discriminadas dentro da sociedade americana, como os chamados latinos, ou seja, descendentes de imigrantes latino-americanos, e, evidentemente, os afro-americanos, que têm assumido uma agenda claramente à esquerda do que habitualmente — ainda hoje — o Partido Democrata assume, designadamente em políticas públicas.”
16. E os Republicanos, o que andam a fazer?
Trump tem estado a percorrer o país para participar em comícios de candidatos Republicanos, defendendo as mesmas ideias que defendeu em 2016 — segurança, economia, segurança.
Do lado económico, as coisas têm corrido bem e o atual momento das contas norte-americanas pode granjear apoios ao partido de Trump.
Por outro lado, a caravana de migrantes que partiu da América Central rumo ao México e Estados Unidos ajuda o presidente norte-americano a defender a necessidade de um maior controlo na fronteira.
Para Manuel Loff, Trump adotou “um discurso praticamente catastrofista”, que lhe permite defender a ideia de que está “a fazer uma série de reformas que, com a chegada de uma maioria democrata ao Congresso, não só seriam bloqueadas, como abririam caminho para terroristas nas fronteiras, para uma despesa pública absolutamente desmesurada, sobretudo nas questões da saúde, e para um gasto social desmesurado”.
“A ideia [que Trump deseja transmitir] — e isto é que é o mais importante — é que ele está a realizar uma mudança profunda, quase uma revolução, e nós diríamos uma revolução conservadora, nos Estados Unidos, e que a chegada de uma maioria democrata ao Congresso significaria o fim de tudo isto”, diz o professor do Porto.
17. Mas isto é um referendo a Donald Trump?
Ricardo Jorge Pinto, jornalista da agência Lusa, explica numa reportagem que sim, já que “as campanhas para as eleições intercalares nos Estados Unidos […] foram contaminadas pelos acontecimentos à volta de uma presidência de Trump que também ali será avaliada”. A BBC vai no mesmo sentido: "Apesar de o nome não estar no boletim de voto em nenhum lado dos Estados Unidos, não se enganem — estas eleições têm TUDO a ver com Donald Trump."
E os acontecimentos são vários e parecem ter feito descarrilar muita da estratégia de campanha dos Republicanos e dos Democratas. O tiroteio que fez 11 vítimas mortais numa sinagoga em Pittsburgh, cartas com dispositivos explosivos enviados para figuras do Partido Democrata, uma caravana de refugiados vindos da América Central ou o romper de um tratado nuclear que tinha ajudado a pôr fim à Guerra Fria foram acontecimentos que contaminaram a campanha eleitoral e relegaram para segundo plano as ideias de alguns candidatos.
Contudo, a reforma do sistema Obamacare, os cortes fiscais, as medidas protecionistas na área comercial, ou as questões de imigração são temas que estiveram presentes na campanha e mostraram as posições radicalmente diferentes que separam o Partido Republicano e o Partido Democrata.
Lembra Ricardo Jorge Pinto: Quando um dia um jovem jornalista perguntou ao antigo primeiro-ministro britânico o que poderia ter feito o governo mudar a sua política, Harold McMillan (1894-1986) terá respondido: “Os acontecimentos, meu rapaz, os acontecimentos”.
18. Que acontecimentos?
Para Trump, a caravana de migrantes que partiu da América Central e deverá chegar por estes dias à fronteira sul dos Estados Unidos é um deles.
Donald Trump insiste na ideia de que os Estados Unidos estão em risco de ser invadidos por grupos de estrangeiros onde vêm pessoas más. Terroristas, mesmo.
“O que Trump fez”, explica Manuel Loff, “foi adaptar aos Estados Unidos o mesmo discurso que a extrema-direita europeia faz — perceba a minha posição, porque evidentemente entendo que a extrema-direita não tem razão alguma, do ponto de vista objetivo, social, para dizer o que diz na Europa. Nos Estados Unidos é ridículo falar de uma invasão. E num país que tem uma infinidade de canais de televisão e programas, e que conta com milícias e polícias que fazem a 'defesa' da fronteira sul dos Estados Unidos com o México, a opinião pública é permanentemente convidada à descrição dessa mesma invasão”.
“Ora, o que Trump fez foi transformar a imigração numa ameaça”. “O estrangeiro é sempre uma ameaça à segurança. É uma ameaça à riqueza, à 'american way of life' [vida americana] — foi aquilo que ele tentou fazer, mal chegou (é muito simbólico e teve efeito): barrar a entrada nos Estados Unidos a cidadãos de uma série de países maioritariamente islâmicos, quer eles fossem aliados ou não.”
19. Mas os Democratas não dizem também que os estrangeiros são perigosos?
Dizem.
Para os Democratas também há perigos no estrangeiro. Mas os estrangeiros que eles denunciam não são sul-americanos à procura de uma vida melhor. São antes os russos que alegadamente se imiscuíram no processo eleitoral de 2016.
20. Porquê esta aversão ao que vem de fora?
Sim, é paradoxal. Os Estados Unidos são um país formado pela junção de culturas que imigraram para o território onde já existiam outras.
Os Estados Unidos são “uma sociedade construída sobre a imigração, que se orgulha da imigração, que descreve a sua história — a história, evidentemente, da chegada dos europeus aos Estados Unidos, porque obviamente havia populações indígenas autóctones a viver ali —, que descreve o nascimento da nação americana, como a chegada de imigrantes, de facto colonos, pioneiros que desbravaram o interior do país e o transformaram na maior potencia do mundo. Esta é a narrativa típica da identidade nacional americana.”
Ainda assim, os alegados perigos da imigração são um tema recorrente: “Isto já estava presente no debate político norte-americano desde o fim do século XIX, com as sucessivas vagas de imigração — os Estados Unidos são uma sociedade de imigrantes, em que cada velha camada de imigrantes, ao fim de duas, três gerações, pretende bloquear a chegada de novos imigrantes, novos imigrantes que fazem exatamente o mesmo processo”, explica Manuel Loff.
21. Mas há um problema assim tão grande com os imigrantes?
Não.
Segundo Manuel Loff, “os Estados Unidos, por comparação, em proporção com qualquer país europeu, têm a entrada, em proporção ao conjunto da população norte-americana, muito inferior à chegada de imigrantes a Itália, a França, a Espanha, à Alemanha, por exemplo”.
Para Loff, isto acontece porque é mais difícil entrar nos Estados Unidos que na Europa — e já é muito difícil entrar na Europa, como o mostra o cenário a que se assiste no Mediterrâneo.
Os EUA têm apenas duas fronteiras terrestres: a maior, a norte, com o Canadá, que não causa celeuma; e outra a sul, com o México, foco de todas as atenções e onde deverá nascer o tal muro prometido em 2016.
22. E a alegada interferência russa nas eleições de 2016 [que deram a vitória a Trump]? E o caso do assassínio do jornalista Jamal Khashoggi na embaixada da Arábia Saudita em Istambul? Que peso terão estes casos polémicos?
Provavelmente, pouco ou nenhum. Estas eleições, apesar de nacionais, são sobretudo locais. Os norte-americanos de todos os cinquenta estados vão escolher os seus representantes em Washington DC.
“Os norte-americanos têm uma terrível dificuldade em auto percecionarem-se no mundo e, portanto, tendem a entender muito mal os efeitos profundamente negativos que muitas das decisões que só eles podem tomar têm sobre o resto do mundo”, diz Manuel Loff.
A culpa até nem será deles, mas da dimensão do país.
“Há uma natural dificuldade em conhecer elementos de comparação. Os americanos sabem muito pouco, em média, do resto do mundo. Um número significativo de pessoas, em países pequenos como o nosso, sabe alguma coisa sobre alguns dos grandes países — mas muito poucos: os nossos media prestam atenção à política norte-americana, francesa, britânica, alemã, ponto final. À espanhola, de vez em quando, aqui ao lado. Justamente porque somos um país pequeno e nesse sentido todos os países mais pequenos têm um grau de dependência relativamente ao global muito superior àquele que têm, ou pelo menos imaginam ter, as opiniões públicas dos países grandes.”
Recorde-se, porém, que em termos de política externa, Donald Trump já surpreendeu muita gente. Basta olhar para a Coreia do Norte e a tensão em que o planeta esteve mergulhado com as trocas de palavras entre os líderes de dois países fortemente armados. Depois da inflamação, contudo, veio a calma junto ao paralelo 38. Surgiu, porém, a tensão noutros lados, nomeadamente com o Irão e a Rússia.
Para Loff, estes dois casos são um exemplo de uma corrida aos armamentos — que pode estar a servir para pôr a economia militar em movimento: Keynesianismo militar. “Os norte-americanos já o fizeram ao longo de toda a segunda metade do século XX e Trump está apostadíssimo nisto. Por isso, a campanha dele em dizer que os aliados da NATO deveriam estar obrigados a aumentar o seu gasto em armamento para, no mínimo, aquilo que está acordado dentro da NATO de 2% do PIB, o que é imenso, para a maioria dos países. Portugal gasta menos de metade e agora o atual governo quer inscrever no Orçamento do Estado um aumento significativo nos gastos na Defesa”, explica Manuel Loff. “Isto interessa aos norte-americanos porque é evidente que quando a Europa, os aliados da NATO, gastarem mais em defesa, onde é que vão comprar? Vão comprar aos Estados Unidos, que são de longe o maior exportador”.
23. Para onde devo, então, olhar?
Em algumas das eleições intercalares nos Estados Unidos, esta terça-feira, está em jogo a real base de apoio do Partido Republicano de Trump, lembra a Lusa. Algumas corridas eleitorais — na Florida, na Califórnia, no Wisconsin ou no Texas, entre outras — revestem-se de especial interesse político, pelo significado que lhes é atribuído relativamente à perceção que os americanos têm da presidência de Donald Trump, mas também pela abordagem que o eleitorado faz de alguns dos temas centrais da vida nos EUA.
Uma das que merece um olhar cuidado decidirá o representante pelo 45.º distrito da Califórnia, onde a Republicana Mimi Walters procurará segurar o seu lugar, numa corrida renhida contra a Democrata Katie Porter.
A congressista Republicana foi uma das mais acérrimas apoiantes de Trump na luta contra o sistema Obamacare, enquanto a adversária Democrata tem o apoio dos grupos progressistas na sua campanha a favor de um sistema de saúde que inclua todos os norte-americanos.
Saber quem vence estas eleições numa das mais populosas regiões dos Estados Unidos da América dará uma perspetiva importante sobre a real base de apoio dos Democratas em relação a uma das bandeiras políticas que estará em jogo nas próximas presidenciais.
Já no Texas, os Republicanos jogam uma carta importante na tentativa de manterem o controlo do Senado, numa corrida eleitoral onde Martha McSally vai testar a popularidade de Trump e das suas medidas anti-imigração (um tema relevante num estado tradicionalmente conservador e que tem uma longa fronteira com o México).
A Democrata Kyrsten Sinema sabe que tem uma tarefa difícil pela frente, depois de Donald Trump ter conseguido 49% de votos neste círculo, mas procura capitalizar politicamente as vantagens decorrentes do facto de o senador que abandona o lugar, Jeff Flake, ter sido um forte crítico do presidente americano, apesar de ter sido eleito pelo Partido Republicano, estando empatada nas sondagens com Martha McSally.
A Florida é sempre um estado importante em qualquer eleição e estas não são exceção, seja para a Câmara dos Representantes, para o Senado ou para o lugar de governador, onde Republicanos e Democratas estão numa acesa disputa, eleitor a eleitor.
As corridas eleitorais na Florida estão a ser consideradas tão relevantes por ambos os partidos que Donald Trump e Barack Obama marcaram comícios nesse estado, na reta final da campanha, para continuar uma dura luta de palavras que os tem separado, nos discursos que ambos os estadistas têm feito nas últimas semanas, sobretudo divergindo em matérias que são particularmente importantes para os eleitores na Florida, como a questão racial e os cortes nos impostos anunciados pelo atual presidente.
O Wisconsin será outro dos estados a ter em mente, na noite eleitoral, pela disputa pelo lugar de governador, onde os Republicanos apresentam pela terceira vez Scott Walker, contra o Democrata Tony Evers.
Os Republicanos gostam de repetir que Walker é imbatível, mas a verdade é que as sondagens mais recentes indicam que a reeleição não está segura e alguns analistas apontam como explicação a sua próxima relação com Trump, que apareceu ao seu lado por várias vezes, durante o verão, o que tem sido lido como uma prova do efeito nefasto que o presidente tem junto de alguns setores de eleitorado.
24. E história, vai acontecer?
Sim, e nalguns casos independentemente do vencedor.
Se o Democrata Andrew Gillum conseguir vencer o Republicano Ron DeSantis, na corrida eleitoral, poderá ser o primeiro político negro a ocupar o lugar de governador da Florida.
Se a Republicana Kristi Noem conseguir vencer a Democrata Marty Jackley, poderá ser a primeira mulher a desempenhar o cargo de governadora do Dakota do Sul.
Se o Democrata Jared Polis conseguir vencer o Republicano Walker Stapleton, poderá ser o primeiro político assumidamente ‘gay’ a chegar a governador do Colorado.
Em alguns casos, como no Arizona, não importa se ganha a Republicana Martha McSally ou a Democrata Kyrten Sinema, pela primeira vez haverá uma mulher senadora por esse Estado, considerado muito conservador, um lugar que já foi ocupado pelo recém-falecido e antigo candidato presidencial, John McCain.
No Estado de New Hampshire, na Nova Inglaterra, com uma população predominantemente anglo-saxónica e protestante, o Republicano Eddie Edwards poderá ser o primeiro congressista negro por aquele estado, revelando que as mudanças sociológicas não estão apenas a ocorrer nas zonas mais conservadoras do interior, mas também ainda acontecem nos distritos eleitorais mais progressistas.
Nota também para Manuel Santos. Ou Manny Santos, como vai aparecer no boletim de voto. O antigo ‘mayor’ [presidente da câmara] de Meriden nasceu em Portugal, mas há muito vive nos Estados Unidos, para onde os pais emigraram em 1974. Manny Santos quer ser o primeiro Republicano eleito pelo estado de Connecticut para a Câmara dos Representantes em 12 anos e o primeiro congressista de sempre nascido em Portugal.
25. E o SAPO24, o que vai fazer?
Vamos acompanhar o desenrolar destas eleições e analisar os cenários que esta quarta-feira se poderão fazer dos resultados.
Entretanto, pode ler os textos dos cronistas Francisco Sena Santos e José Couto Nogueira, que esta segunda-feira olharam para as ‘midterms’ norte-americanas.
Com Lusa
Fotografia: Oliver Contreras/EPA
Ilustração: Pedro Soares Botelho/MadreMedia
[Texto atualizado às 11:13]
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