Quando a Associação para o Planeamento da Família (APF) surgiu há 50 anos “havia tudo por fazer, não só em planeamento familiar, como na sociedade portuguesa”, disse à agência Lusa o diretor executivo da APF, Duarte Vilar.
Na altura, “tínhamos péssimos indicadores de saúde maternoinfantil, tínhamos o aborto clandestino aos milhares”, adiantou.
Perante esta realidade, os fundadores da APF definiram como “objetivo primeiro” introduzir nos serviços de saúde o planeamento familiar, em que a questão da “contraceção era essencial”, mas também a “mais controversa”.
“Começámos a fazer formação dos profissionais de saúde antes do 25 de Abril” e foi depois desta data que o então presidente Albino Aroso, que era secretário de Estado da Saúde, aprovou a legislação que introduziu as consultas de planeamento familiar nos centros de saúde.
Mais tarde, na década de 90, o VIH/Sida veio despertar ”mais interesse” pela educação sexual nas escolas, o que levou a APF a propor ao Ministério da Educação e à Direção-geral da Saúde a realização de um projeto experimental nas escolas.
“O projeto correu durante três anos em cinco escolas do país. Correu muito bem, não foi controverso, conseguimos envolver os pais, as famílias e mostrámos um modelo inclusivo de educação sexual que era perfeitamente fazível”, adiantou Duarte Vilar.
Na segunda metade dos anos 90 retomou-se a luta pela interrupção voluntária da gravidez. “A APF nunca baixou a guarda em relação à despenalização do aborto e à exigência do aborto legal e seguro”.
“Em 2007 aconteceu o referendo”, ganharam as organizações e as pessoas que defenderam esta causa, e hoje “existe um acesso universal, gratuito a cuidados de aborto legal e seguro em Portugal”.
Fazendo um balanço deste meio século da associação, Duarte Vilar considerou que contribuiu para “uma melhoria muito significativa dos indicadores da saúde sexual e reprodutiva e para o acesso à contraceção”.
“Temos uma taxa de abortos inferior à média da União Europeia e isto tem a ver com a boa utilização dos contracetivos em Portugal”, frisou.
A causa da discriminação e da igualdade de género foram outros “contributos muito importantes” que a APF desenvolveu “na arena política, nas salas de aulas e nas campanhas de rua que realizou”.
A missão mais recente é o apoio às potenciais vítimas de tráfico de seres humanos identificadas pelas forças policiais e o combate à mutilação genital feminina.
Apesar de poder pensar-se que muitas das causas iniciais estão ganhas, Duarte Vilar disse que não é bem assim,
“Dizer que a educação sexual nas escolas está ganha é um engano porque há muitas escolas que não o fazem em condições”, como também é “um engano” afirmar que o planeamento familiar está ganho, quando ainda há grupos com “desigualdade de acesso aos cuidados de saúde”.
No caso de aborto os números indicam que há dois grupos que aparecem com necessidades especiais: As jovens, que representam um terço das interrupções voluntárias de gravidez, e as mulheres migrantes.
São grupos em que “é preciso trabalhar mais, não no sentido de diminuir o número de abortos, mas de evitar as gravidezes indesejadas”, defendeu.
Os desafios da associação passam agora pela questão dos jovens, das mulheres migrantes, a educação e literacia contracetiva, o envolvimento dos homens na contraceção, que é sobretudo suportada pelas mulheres, e a sexualidade no envelhecimento.
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