Prefácio

Neste ensaio profundo e preocupante, Guillaume Pitron lança um grito de alerta e expõe um sério dilema.

O grito de alerta é geopolítico: o mundo precisa cada vez mais de terras raras, de «metais raros», para o seu desenvolvimento digital e, portanto, de todas as suas tecnologias de informação e de comunicação, que servem, entre outras coisas, para fabricar telemóveis. Os automóveis eléctricos e híbridos necessitam do dobro desse tipo de materiais em comparação com os automóveis com motor de combustão, etc.

Esses metais raros, que não têm nomes bárbaros, mas sim latinos, como o prométio, são cerca de 30 e consistem em metais que estão associados aos metais abundantes, mas numa proporção ínfima. Assim, o processo de extracção e de purificação desses metais é muito dispendioso. Primeiro problema: a China possui a maior parte desses recursos e, por isso, sente‐se naturalmente tentada a abusar deles. Os outros países que os possuem no seu sub‐ solo abandonaram ou negligenciaram a sua exploração por várias razões, deixando que a China, nalguns casos, obtivesse uma posição de monopólio, fazendo de Pequim «a nova senhora dos metais raros». Para sustentar a sua tese e para realçar o risco desta dependência, Guillaume Pitron cita vários casos de incoerência ou de ligeireza flagrante dos ocidentais, como por exemplo no caso dos superímanes e do aperfeiçoamento da tecnologia dos mísseis de longo alcance. A resposta parece ser evidente: relançar em toda a parte, fora da China, a produção desses metais raros, seja nos Estados Unidos, no Brasil, na Rússia, na África do Sul, na Tailândia, na Turquia, ou até mesmo em França («gigante adormecido da mineração»), etc.

Mas é aí que as coisas se complicam, e que surge um dilema: a exploração desses minerais raros é tudo menos «limpa»! «As energias e os recursos verdes escondem uma parte sombria», sublinha o autor. A extracção e a refinação dos metais raros precisam, com efeito, de procedimentos muito poluentes. A sua reciclagem tem desiludido. E, assim, de modo paradoxal, o mundo das tecnologias mais avançadas, que se querem mais verdes, «ecologizadas» (o que é vital para parar a contagem ecológica decrescente), será em grande parte tributário, ele próprio, de metais... «sujos». O sector das tecnologias de informação e de comunicação produz desta forma mais 50% de gases com efeito de estufa do que os transportes aéreos. É um círculo vicioso!

Mas o que se pode fazer para ultrapassar esta contradição?

É certamente necessário retomar a exploração das terras raras e, de modo geral, dos recursos minerais (algo que relança um braço‐de‐ferro entre os governos e os grupos mineiros), mas é necessário fazê‐lo de forma ecológica, com os meios económicos e tecnológicos adequados, isto é, com financiamentos e inovações. O autor calcula que uma parte cada vez maior dos consumidores mundiais estará pronta a pagar o custo...

Francisco Mota Saraiva junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 24 de abril, uma quinta-feirapelas 21h00. Consigo traz "Morramos ao menos no Porto", publicado pela Quetzal.

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"Morramos ao menos no porto" pediu o título emprestado a Séneca e venceu o Prémio José Saramago no final de 2024. É "um romance que abala os fundamentos da narrativa clássica, um fogo que alastra até consumir todas as suas personagens e que revela o seu autor como uma voz poderosa na literatura portuguesa".

Pode ler um excerto aqui.

Uma vez chegado a esse momento da demonstração, o autor pretende, apesar de tudo, concluir com uma nota de optimismo: cita exemplos de «rebates de consciência na indústria dos metais raros».

No contexto da transição ecológica de todas as actividades económicas humanas indispensáveis à preservação não «do planeta», mas da vida no planeta, existirão ainda centenas de casos como este, com dilemas a ultrapassar, decisões difíceis a tomar, sucessos científicos a obter, assim como opiniões que tranquilizem ou que convençam, para, por fim, se acelerar o ritmo da ecologização. É uma corrida de velocidade...

Ao centrar a sua atenção, e a nossa, num assunto essencial que não é suficientemente tido em conta, o ensaio de Guillaume Pitron vem alertar‐nos na hora certa.

Hubert Védrine, Novembro de 2017

Nota à edição francesa de 2023

Na Primavera de 2023, surgiu‐nos uma evidência: era imperioso publicar uma versão inteiramente actualizada de A Guerra dos Metais Raros, obra originalmente publicada em 2018. É essa nova edição que o leitor tem em mãos.

Com efeito, nestes últimos anos, a actualidade dos metais raros, críticos e estratégicos revelou‐se particularmente intensa. E por um bom motivo: a obrigação, imposta em 2023 aos fabricantes de automóveis pelo Parlamento Europeu, de venderem apenas veículos cem por cento eléctricos no nosso continente a partir de 2035 funcionou como catalisador da procura de baterias. E acelerou o surgimento, na Europa e no mundo, de centenas de linhas de produção, baptizadas de gigafactories («fábricas gigantes»), símbolos novos e tangíveis do «caminho verde» que a Humanidade seguirá de agora em diante.

Mas como é que se podem produzir essas tecnologias sem recursos minerais? Um estudo calculou, efectivamente, que, para responder ao horizonte de 2035, deveriam entrar em funcionamento 400 novas minas em todo o mundo, só para dar resposta à procura de baterias para os veículos eléctricos (e das quais 97 seriam destinadas à exploração de grafite natural, 74 para o lítio e 72 para o níquel). Esta explosão anunciada das nossas necessidades de metais faz com que os Estados Unidos e a Europa saiam progressivamente de uma longa letargia... De maneira dispersa, os Estados e os construtores de automóveis começaram a esta‐ belecer parcerias de fornecimento de metais com os países que os possuem (Chile, Indonésia, Gana, Canadá...), que subitamente se viram aureolados com um novo prestígio.

E o que dizer relativamente aos desafios ecológicos e económicos que a extracção desses recursos acarreta: os riscos ambientais intrinsecamente associados a toda a actividade mineira levaram recentemente a que um número crescente de personalidades da ecologia militante e de responsáveis políticos tomassem posições, em debates tão polémicos como o da deslocalização de uma parte da produção de metais para o Ocidente, ou ainda o da extracção de nódulos polimetálicos no fundo dos oceanos.

Um outro contexto, de cariz mais geopolítico, contribui enfim para reforçar a importância dos temas tratados nesta obra. Assim, as crises da covid‐19 e do gás russo fizeram com que se tomasse consciência, sobretudo na Europa, da dependência do material médico (como as máscaras) e dos recursos (gás) que são produzidos por Estados que têm uma agenda estratégica diferente da ocidental. Passaram apenas dois anos entre o primeiro confinamento por causa da covid e a invasão russa da Ucrânia... e, no entanto, a nossa percepção da mundialização foi alterada: a «mão invisível dos mercados» deveria assegurar‐nos um acesso sem entraves aos recursos, mas eis que é agora vista como sendo geradora de dependências económicas e de debilidades estratégicas.

Outra razão que preside à publicação de uma versão actualizada deste livro é a recepção que teve nas livrarias. Foram vendidos cem mil exemplares da obra, tendo esta sido traduzida (ou com traduções em curso) em 11 línguas, numa quinzena de países... e nada permite pensar que esta tendência irá diminuir, dado que os próximos desenvolvimentos deverão dar um lugar de destaque ao «novo petróleo», que são os recursos minerais. O nosso objectivo é fazer com que A Guerra dos Metais Raros continue a ser um ensaio de referência sobre este assunto, edição após edição.

Contudo, reafirmemos aqui, com toda a convicção, o nosso credo inflexível: investigar e escrever sobre o «lado negro» da transição energética não significa minimamente que não seja necessário descarbonizar o nosso modo de vida... Bem pelo contrário! «Não nos podemos enganar no alvo», confirma Olivier Vidal, investigador do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) e especialista em recursos minerais. «Esta transição terá um custo até 2050, mas, posteriormente, beneficiaremos dela durante os cinco séculos seguintes.» Repitamo‐lo: investigamos e escrevemos não para que a transição energética seja que‐ brada, mas sim para que se acelere e sejam atenuados os seus efeitos negativos — um desafio que passa, quer o queiramos, quer o lamentemos, por uma renovação maciça das actividades extractivas, ainda que de forma responsável.

De facto, a transição energética parece ser a única via possível... e, no entanto, o estudo dos metais raros gera uma torrente de questões — e abre outras tantas perspectivas vertiginosas.

Como é que vamos partilhar equitativamente os cus‐ tos e os benefícios da transição energética, quando um número crescente de países em desenvolvimento deverá assumir o impacto ecológico resultante da extracção das terras raras, para que, no Ocidente, nos desloquemos tranquilamente em SUV eléctricos com «zero emissões»?

E como conciliar a democracia e a ecologia, quando numerosos projectos de reabertura de minas de lítio e de exploração de terras raras, necessários para a produção de «tecnologias verdes», poderão ser bloqueados pela oposição dos cidadãos? Por fim, em que medida é que ire‐ mos modificar os nossos hábitos de consumo, numa altura em que a ascensão da «economia circular» está a demorar a concretizar‐se? Recordemos que, para satisfazer as necessidades de apenas um europeu, é preciso extrair do subsolo 20 toneladas de matérias‐primas por ano... um número incompatível com a sustentabilidade dos nossos modos de vida.

A resposta a estas questões não é confortável; no entanto, a actualidade revela por vezes bom senso, e outras vezes demonstra a inconsequência do espírito humano perante os desafios colossais. Alguns desenvolvimentos recentes são particularmente inquietantes.

Logo a começar pelo projecto do governo norueguês, apresentado em Junho de 2023, de autorizar a extracção de metais nas profundezas subaquáticas pertencentes à sua zona económica exclusiva. Quais serão os custos ecológicos de uma tal operação? Sem o sabermos exactamente, comecemos por observar de relance a maquinaria de construção que já foi concebida pelas fábricas da empresa britânica SMD (Soil Machine Dynamics) Mining Project e que amanhã poderão estar a escavar o fundo do mar. Máquinas como a bulk cutter, uma escavadora de 300 toneladas, com 15 metros de comprimento, equipada com dois motores de 800 cavalos e destinada originalmente à exploração de jazidas de metais ao largo da Papua‐Nova Guiné. Se, por ocasião da Conferência das Partes (COP21), em 2015, tivéssemos sido alertados para o facto de que, para nos livrarmos do petróleo, teríamos de recorrer a esse tipo de bulldozer, manobrado milhares de metros abaixo da superfície dos oceanos, será que teríamos comemorado o Acordo de Paris com a mesma alegria?

Livro: "A Guerra dos Metais Raros"

Autor: Guillaume Pitron

Editora: Livros Zigurate

Data de Lançamento: março de 2025

Preço: € 20,80

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Em 2021, um anúncio da Rolls‐Royce mergulhou‐nos igualmente num abismo de perplexidade. Dedicado à sua transição eléctrica, o construtor automóvel britânico anunciou a comercialização, a partir do final de 2023, do Spectre (o «Espírito do Êxtase» — símbolo da marca — remodelado), um luxuoso veículo de três portas, com um peso de 2975 quilos. Com passageiros, o peso total autorizado do veículo poderia aproximar‐se das 3,5 toneladas... além do qual seria considerado um veículo pesado, exigindo a posse de uma carta de condução da categoria C para se poder conduzir! Foi por esse motivo que uma outra empresa, a Bentley, se dirigiu recentemente às autoridades euro‐ peias para que estas revejam em alta esse limite, que corre o risco de, no futuro, ser alegremente ultrapassado pelos veículos eléctricos mais luxuosos7. Será que uma tal estratégia comercial é realmente compatível com a letra e com o espírito da transição «verde»?

Felizmente, duas dinâmicas recentes trazem‐nos alguma esperança:

Em primeiro lugar, a adopção, em 2022, da directiva europeia conhecida como «CSRD» (Corporate Sustainability Reporting Directive), que será aplicada progressivamente a partir de 1 de Janeiro de 2024. Esta directiva obriga muitas empresas a realizarem um balanço do impacto humano e ambiental das suas acções, para além da contabilidade costumeira. Trata‐se de uma modalidade contabilística a que se dá o nome «capital triplo» (económico, social e ecológico), colocando desse modo em evidência os ganhos ou as dívidas ecológicas e sociais contraídas pelos actores da economia, em áreas onde os tradicionais métodos escriturários registavam apenas os benefícios ou as perdas de natureza puramente financeira. A directiva CSRD é certamente uma revolução de grande amplitude, porque nos vai permitir compreender que nunca pagamos os nossos produtos de consumo ao preço que verdadeiramente têm. E que esse preço, na realidade, é baixo — para não dizer quase gratuito —, tendo em conta os impactos sobre a saúde, a biodiversidade ou ainda a fertilidade dos solos afectados pela extracção dos recursos.

No futuro, como é que os sistemas fiscais irão sancionar esta obrigação declarativa? E qual será o consequente impacto sobre o nosso poder de compra? Podemos desde já pressenti‐lo: a contabilidade do capital triplo é um tema potencialmente explosivo, numa altura em que os consumi‐ dores pretendem, mais do que nunca, aproveitar os benefícios das tecnologias que os rodeiam — incluindo as mais «verdes» — sem assumirem os mínimos inconvenientes.

Também nos transmite alguma esperança o número de estudantes franceses, europeus e americanos que nos contactam para obter conselhos ou esclarecimentos no âmbito da elaboração de um trabalho final de licenciatura ou de uma tese consagrada ao tema dos metais. Este interesse cada vez maior pela geopolítica do lítio, do níquel ou das terras raras contrasta com a relativa indiferença de que dão provas os nossos líderes políticos a este respeito, independentemente do partido a que pertençam. Contrariamente a esta constatação lamentável, não existem dúvidas de que há autênticos exércitos de jovens químicos, geólogos, economistas, diplomatas, jornalistas e outros especialistas a prepararem‐se para aprofundar este tema, que é ainda recente, enriquecendo‐o com novas dimensões.

De facto, o estudo dos metais raros é tão apaixonante quanto estratégico. Congrega e relaciona diversas disciplinas, como a geopolítica, a economia e a ciência dos materiais, às quais se junta o desafio da preservação da nossa casa comum — uma questão que não se colocava há um século, quando o petróleo se imiscuiu no nosso modo de vida. Os metais raros exigem, parece‐nos, que pensemos o mundo e as coisas com uma maior complexidade.

Estas matérias contam‐nos igualmente o passado e levantam um pedacinho do véu que esconde o futuro, revelando, de passagem, o conjunto das nossas fragilidades, bem como a extensão do nosso génio. Mostram‐nos o mundo «verde» que está a surgir, e que é simultaneamente apaixonante e terrivelmente complexo. São uma fresta através da qual podemos avaliar melhor os equilíbrios de poderes diplomáticos e os benefícios dos últimos avanços tecnológicos. Permitem‐nos observar, com maior precisão, os estratos geológicos, os fundos oceânicos, e até mesmo as riquezas escondidas nas rochas dos asteróides. Os metais raros são como telescópios que nos ajudam a contemplar o universo.

Paris, 28 de Agosto de 2023

Introdução

Durante 400 mil anos, a Humanidade teve apenas a ajuda do fogo, da impetuosidade dos ventos e das torrentes, do seu ardor laborioso e dos seus cavalos para viajar, construir fortalezas e trabalhar os campos. Nesse mundo de energia rara e preciosa, os gestos eram lentos, o crescimento económico estava adormecido durante a maior parte do tempo, e todo o progresso era necessariamente singular. A História avançou frequentemente passo a passo.

Então, no século XIX, o Homem passou a utilizar em grande escala uma invenção: a máquina a vapor. Usou‐a para estimular os teares mecânicos, propulsar as locomotivas e pôr a flutuar navios couraçados que rapidamente reinaram sobre os oceanos. A máquina a vapor desencadeou a primeira revolução industrial, que foi também a primeira transição energética da História. Uma transição que se apoiou na exploração de um combustível indispensável: uma pedra negra que se chama carvão.

No século xx, o ser humano abandonou a máquina a vapor em detrimento de uma outra inovação: o motor de combustão interna (também chamado motor a gasolina). Esta tecnologia permitiu aumentar a potência dos veículos, dos navios, dos tanques e de novos aparelhos, os aviões, que tinham agora a capacidade e o poder de se elevar do solo. A segunda revolução industrial, para a qual contribuiu a primeira transição energética, também foi uma nova transição desse tipo, desta vez baseada na extracção de outro recurso: um betume chamado petróleo.

Desde o princípio do século XXI, os seres humanos, preocupados com as alterações climáticas geradas pelos combustíveis fósseis, foram aperfeiçoando novas invenções, tidas como mais eficazes, mais limpas, e ligadas a redes de alta tensão ultra‐eficientes: as eólicas, os painéis solares, as baterias eléctricas. Após a máquina a vapor e o motor térmico, essas ditas tecnologias «verdes» envolvem a Humanidade numa terceira revolução energética, industrial, que está em vias de transformar o nosso mundo. Tal como as duas revoluções precedentes, também esta se apoia num recurso essencial. Uma matéria de tal forma vital que os especialistas em energia, os profetas da tecnologia, os chefes de Estado e mesmo os estrategas militares já lhe chamam «the next oil», o petróleo do século XXI.

De que recurso se trata?

O público em geral ignora‐o.

Alterar a forma de produzir energia (e, desse modo, alterar os hábitos de consumo) é a nova grande aventura da Humanidade. Os responsáveis políticos, os empresários de Silicon Valley, os teóricos da «sobriedade feliz», o papa Francisco e as associações ecologistas apelam a uma só voz para que se concretize esse desiderato, para que se contenha o aquecimento global — e para que possamos evitar um novo Dilúvio. É um projecto que une o mundo de uma forma que os impérios, as religiões e as moedas nunca conseguiram fazer. A prova disso foi o «primeiro acordo universal da nossa História», segundo as palavras do antigo presidente da República francês, François Hollande; não se tratou de um acordo de paz, nem de comércio, nem destinado à regulação financeira: foi o Acordo de Paris, assinado em 2015 no seguimento da COP214, ou seja... um tratado sobre a energia!

No entanto, ainda que as tecnologias que utilizamos quotidianamente evoluam, a necessidade primária de recursos energéticos continua a existir. Ora, ninguém sabe verdadeiramente a resposta à pergunta sobre qual será a matéria‐prima que irá substituir o petróleo e o carvão para que se possa abraçar um mundo novo e mais verde. Os nossos ante‐ passados do século XIX sabiam da importância do carvão, e um homem culto do século XX não ignorava a necessidade do petróleo. No século XXI, nem sequer sabemos que um mundo mais durável depende, em grande parte, de substâncias rochosas a que se atribui a designação de «metais raros».

Os seres humanos exploram, desde há muito, os metais principais que todos conhecemos: o ferro, o ouro, a prata, o cobre, o chumbo, o alumínio... Mas, desde a década de 1970, começámos a tirar partido das fabulosas propriedades magnéticas, catalíticas e ópticas de uma miríade de pequenos metais raros contidos nas rochas terrestres em proporções muito menores. Essa grande família reúne primos excêntricos que possuem nomes com evocações enigmáticas: terras raras, vanádio, germânio, platinóides, tungsténio, antimónio, berílio, rénio, tântalo, nióbio... Estes metais raros formam um subconjunto coerente com cerca de 30 matérias‐primas cujo ponto comum é estarem frequentemente associadas, na natureza, aos metais mais abundantes.

Como tudo aquilo que se extrai da natureza em doses ínfimas, os metais raros são uma espécie de concentrados dotados de propriedades fantásticas. Destilar um óleo essencial de flor de laranjeira é um processo longo e entediante, mas o perfume e os poderes terapêuticos de uma só gota desse elixir ainda espantam os investigadores. Produzir cocaína nos confins remotos da selva colombiana não é menos difícil, mas os efeitos psicotrópicos de um grama desse pó perturbam totalmente um sistema nervoso central.

Acontece a mesma coisa com os metais raros, ou muito raros... É necessário purificar 8,5 toneladas de rocha para produzir um quilo de vanádio, 16 toneladas para se obter um quilo de cério, 50 toneladas para conseguir o mesmo de gálio, e a quantidade incompreensível de 1200 toneladas para se poder obter um mísero quilo de um metal ainda mais raro, o lutécio. O resultado é, de certo modo, o próprio «princípio activo» da crosta terrestre: um concentrado de átomos com propriedades inauditas, aquilo que milhares de milhões de anos de actividade geológica nos podem oferecer de melhor. Uma dose ínfima destes metais, uma vez industrializada, emite um campo magnético que permite produzir mais energia do que a mesma quantidade de carvão ou de petróleo. É nisso que reside a chave do «capitalismo verde»: substituímos recursos que emitem milhares de milhões de toneladas de gás carbónico por outros que não ardem — e que, por esse motivo, não produzem um só grama de CO2.

Menos poluição e muito mais energia produzida, ao mesmo tempo. Não terá sido por acaso que um desses ele‐ mentos recebeu o nome «promécio», descoberto na década de 1940 pelo químico Charles Coryell. Foi a sua esposa, Grace Marie, quem sussurrou a designação ao marido, inspirada pelo mito grego de Prometeu. Ajudado pela deusa Atena, esse titã tinha, com efeito, entrado em segredo no domínio dos deuses, o Olimpo, para roubar o fogo sagrado... e oferecê‐lo aos homens.

E esse nome diz muito sobre o poder prometeico que o Homem adquiriu ao dominar os metais raros. Tal como os demiurgos, multiplicamos as utilizações nos dois domínios que são os pilares essenciais da transição energética: as tecnologias a que chamamos «verdes» e o mundo digital. Porque, como actualmente nos explicam, é da convergência entre as green tech (tecnologias verdes) e a informática que vai nascer um mundo melhor. As primeiras (as eólicas, os painéis solares, os veículos eléctricos), graças aos metais raros de que estão recheadas, produzem uma energia descarbonizada que circula por redes de electricidade ditas «ultra‐eficientes», que permitem poupar energia. E essas redes são, por sua vez, conduzidas por tecnologias digitais, que também estão repletas desses metais. O norte‐americano Jeremy Rifkin, grande teórico desta transição energética e da terceira revolução industrial que a acompanha, vai mais longe. Segundo este autor, o cruzamento entre as tecnologias verdes e as novas tecnologias de informação e de comunicação (NTIC) já permite que cada um de nós produza e partilhe a sua própria electricidade «verde», em quantidade abundante e a baixo custo. Dito de outra forma, os telemóveis, os iPads e os computadores que utilizamos no nosso dia‐a‐dia tornaram‐se actores indispensáveis de um modelo económico mais respeitador do ambiente. As profecias de Rifkin são de tal forma excitantes que o autor tem actualmente a confiança de numerosos chefes de Estado e assessorou a região de Hauts‐de‐France* na criação de novos modelos energéticos.

Este tipo de intuições baseia‐se no curso da História: em dez anos, a energia eólica produzida aumentou sete vezes, e a energia solar fotovoltaica, 44. Em 2020, as energias renováveis já representavam quase 15% do consumo final de energia em todo o mundo, e a Europa prevê, para si mesma, elevar essa parcela aos 32% até 203012! Mesmo as tecnologias que fazem uso de motores térmicos dependem desses metais, porque eles permitem conceber veículos e aviões mais eficientes e mais leves, ou seja, que consomem menos recursos fósseis.

Também os exércitos estão a passar por uma transição energética. Ou melhor, por uma transição estratégica. Estaríamos enganados se acreditássemos que os generais se preocupam realmente com as emissões de carbono provenientes dos seus arsenais. Mas, por outro lado, com o declínio das reservas de ouro negro, os estrategas devem antecipar cenários de guerra sem petróleo. Já em 2010, um poderoso grupo de reflexão norte‐americano recomendava ao maior exército do mundo que procedesse a algumas alterações de modo a deixar de estar dependente de energias fósseis até 204013. Como é que se consegue alcançar tal objectivo? Recorrendo, nomeadamente, às energias renováveis e utilizando frotas de veículos eléctricos, incluindo veículos tácticos. A capacidade de libertação da dependência das energias fósseis eliminaria o pesadelo logístico que é fazer chegar os combustíveis às linhas da frente.

De resto, a guerra já penetrou em novos territórios, como os virtuais: deve dar‐se atenção à protecção das infra‐estruturas digitais e das redes de comunicação, e desenvolver a capacidade de atingir as do inimigo. O conflito armado que opõe a Ucrânia à Rússia desde 24 de Fevereiro de 2022 tem demonstrado a importância do digital, tanto no terreno como na vertente informativa da guerra. Tal como os generais, estamos assim envolvidos numa transição para um mundo desmaterializado, uma vez que, ao recorrermos ao digital, iremos substituir certos recursos por... nada — simples clouds (ou «nuvens»), e‐mails impalpáveis e tráfego na internet, em vez dos engarrafamentos de veículos. Esta digitalização da economia representaria a promessa de uma extraordinária diminuição da marca física do Homem sobre o mundo vivo. Estamos, assim, perante uma revolução energética e digital: estas duas famílias tecnológicas caminham de mãos dadas e contribuem para o surgimento de um mundo que nos é apresentado e prometido como sendo melhor.

Os metais raros alteram igualmente a condução das relações internacionais. Graças a eles, os diplomatas realizam actualmente uma transição geopolítica. Dizem‐nos os analistas que a proporção crescente das novas energias descarbonizadas vai alterar as relações entre os Estados produtores e os Estados consumidores de recursos fósseis. Irá permitir que os Estados Unidos concentrem em outros palcos as armadas que hoje cruzam os estreitos de Ormuz e de Malaca, pelos quais transita uma parte considerável do petróleo mundial, e reavaliem a sua parceria com as petromonarquias do Golfo Pérsico. Além disso, ao tornar a União Europeia menos dependente dos hidrocarbonetos russos, cataris e sauditas, reforçará também a soberania energética dos seus membros.

Por todas estas razões, pretende‐se que a transição energética seja um processo optimista. A sua concretização não será fácil, pois o petróleo e o carvão ainda são muito relevantes, mas o mundo que desperta sob os nossos olhos dá‐nos alguma esperança. A sobriedade energética atenuaria necessariamente as tensões relacionadas com a obtenção de recursos fósseis, criaria certamente emprego «verde» nos ramos industriais de excelência, e colocaria novamente os países ocidentais em posição de poderem disputar a dura batalha da competitividade19. Pouco importa aquilo que tenham eventualmente pensado Donald Trump, Jair Bolsonaro ou os estrategas do Kremlin; esta transição é inevitável, porque se tornou um negócio que envolve enormes quantias e que atrai o conjunto dos actores económicos — incluindo os grupos petrolíferos.

O início da transição energética remonta à década de 1980, na Alemanha20. Mas foi em 2015, em Paris, que 195 Estados aprovaram em conjunto a aceleração desta formidável aventura. O objectivo: fazer com que o aquecimento global não ultrapasse dois graus até ao fim deste século, graças, nomeadamente, à substituição das energias fósseis pelas suas homólogas «energias verdes».

Os delegados estavam prestes a assinar o Acordo de Paris quando um velho sábio de barba farta e olhos de um azul evanescente, vestido como um peregrino que descia da sua montanha, entrou no vasto salão do Parque de Exposições de Paris‐Le Bourget. Com um sorriso enigmático no canto dos lábios, atravessou a multidão de chefes de Estado e, chegado à tribuna, tomou a palavra com uma voz grave e reflectida: «As vossas intenções são encantadoras e podemos alegrar‐nos com o mundo novo que estão prestes a dar à luz. Mas não fazem ideia dos perigos diante dos quais a vossa audácia vos coloca!»

Fez‐se silêncio.

O sábio voltou‐se para as delegações ocidentais: «Esta transição vai colocar em maus lençóis secções inteiras das vossas economias, nas áreas mais estratégicas. Vai provocar o sofrimento de hordas de desempregados que, em pouco tempo, causarão perturbações sociais e reprovarão as vossas conquistas democráticas. Irá até mesmo fragilizar a vossa soberania militar.» Dirigindo‐se ao conjunto da assistência, acrescentou: «A transição energética e digital vai devastar o ambiente em proporções incomparáveis. Definitivamente, os vossos esforços e o tributo exigido à Terra para construir essa nova civilização são de tal modo consideráveis que nem sequer é garantido que o consigam fazer.» Concluiu com uma mensagem sibilina: «O vosso poder cegou‐vos de tal maneira, que já não conhecem a humildade do marinheiro perante o oceano, nem a do alpinista aos pés da montanha. Mas os elementos terão sempre a última palavra!»

Como é óbvio, o velho sábio é uma fantasia. Nunca esteve na tribuna da COP21, nem apanhou um comboio suburbano para voltar ao seu eremitério. Pelo contrário, nesse dia, as 19621 delegações presentes em Le Bourget assinaram o Acordo de Paris e dedicaram‐se ao décimo terceiro trabalho de Hércules... sem nunca se colocarem as questões essenciais: onde e como é que vamos obter esses metais raros, sem os quais o tratado foi em vão? Haverá vencedores e vencidos no novo xadrez dos metais raros, como houve outrora com o carvão e o petróleo? A que preço, para as nossas economias, para o Homem e para o ambiente, é que conseguiremos garantir o seu fornecimento?

Durante seis anos, realizámos uma investigação numa dúzia de países sobre essas novas matérias raras que já estão a alterar o mundo. Para isso, foi necessário frequentar os recônditos das minas da Ásia tropical, ter os ouvidos atentos aos boatos dos deputados no Palácio Bourbon**, sobrevoar num bimotor os desertos da Califórnia, prostrarmo‐nos perante a rainha de uma tribo da África Austral, ir até às «aldeias do cancro» no interior da Mongólia, e limpar a poeira de velhos pergaminhos armazenados em veneráveis instituições londrinas.

Em quatro continentes, homens e mulheres que actuam no mundo conturbado e discreto dos metais raros revelaram‐nos uma outra narrativa sobre a transição energética e digital, que é muito mais sombria. Ouvindo‐os, o surgimento dessas novas matérias‐primas no seguimento dos recursos fósseis não ofereceu ao Homem nem ao planeta os serviços augurados pela eclosão de um mundo supostamente mais verde, mais fraterno e mais esclarecido — longe disso.

A Grã‐Bretanha dominou o século XIX graças à sua hegemonia sobre a produção mundial de carvão; em boa medida, os acontecimentos do século XX podem ser lidos sob o prisma do ascendente conseguido pelos Estados Unidos e pela Arábia Saudita sobre a produção e segurança das rotas petrolíferas; no século XXI, há um Estado que vem firmando o seu domínio sobre a exportação e o consumo dos metais raros. Esse Estado é a China.

Avancemos desde já esta primeira constatação, de ordem económica e industrial: ao envolvermo‐nos na transição energética, atiramo‐nos para as mandíbulas do dragão chinês. O Império do Meio tem hoje a liderança, e até mesmo quase o monopólio, de uma quantidade imensa de metais raros que são indispensáveis para as energias de baixa emissão de carbono e para o digital, ou seja, para os dois pilares da transição energética. Tornou‐se até, em condições rocambolescas que iremos expor mais adiante, o único fornecedor do mais estratégico desses recursos, uma classe de metais designados «terras raras», muito dificilmente substituíveis, e a grande maioria dos industriais tem dificuldade em passar sem eles.

Ao fazer isto, o Ocidente colocou o destino das suas tecnologias verdes e digitais — ou, dito de outra maneira, a nata dos seus sectores do futuro — nas mãos de apenas uma nação. Ao limitar a exportação desses recursos, a China alimenta em primeiro lugar o crescimento das suas próprias tecnologias e endurece o confronto económico com o resto do mundo. Disto resultam graves consequências económicas e sociais em Paris, Nova Iorque ou Tóquio.

Segunda constatação, de ordem ecológica: a nossa busca por um modelo de crescimento mais ecológico conduziu, em vez disso, a uma exploração mais intensiva da crosta terrestre para extrair o princípio activo, ou seja, os metais raros, com impactos ambientais ainda mais significativos do que aqueles causados pela extracção petrolífera. Sustentar a transformação do nosso modelo energético já exige uma duplicação da produção de metais raros a cada 15 anos, sensivelmente. É uma das razões pelas quais deve‐ remos extrair, ao longo dos próximos 30 anos, uma quantidade de minerais maior do que aquela que a Humanidade extraiu da Terra ao longo dos últimos 70 mil anos. Ora, a escassez que se perfila poderá desiludir Jeremy Rifkin, os industriais das tecnologias verdes e o papa Francisco — e dar razão ao nosso eremita imaginário.

Terceira constatação, de ordem militar e geopolítica: a durabilidade dos equipamentos mais sofisticados dos exércitos ocidentais (robôs, armas cibernéticas, aviões de combate como a «coqueluche» dos caças norte‐americanos, o F‐35) depende igualmente, em parte, da boa vontade da China. Algo que, numa altura em que a administração norte‐americana se prepara para uma guerra potencial entre os Estados Unidos e a China no Mar da China Meridional, preocupa as agências de informação norte‐americanas até às mais altas esferas.

De resto, esta nova corrida aos recursos já está a acentuar as tensões relativamente à posse das jazidas mais férteis e leva os conflitos territoriais até ao coração de santuários que se pensava estarem fora do alcance da cobiça. A sede por metais raros é, com efeito, espicaçada por uma população mundial que atingirá 8,5 mil milhões de pessoas em 2030, pela expansão de novas formas de consumo de alta tecnologia e por uma convergência económica mais forte entre os países ocidentais e os países emergentes.

Ao pretendermos libertar‐nos das energias fósseis, ao movermo‐nos de uma ordem anterior para um mundo novo, criamos, na realidade, uma dependência nova, e ainda mais forte. Robótica, inteligência artificial, medicina digital, cibersegurança, biotecnologias médicas, objectos interligados, nanoelectrónica, veículos sem motorista... todos os sectores mais estratégicos das economias do futuro, todas as tecnologias que multiplicarão por dez as nossas capacidades de cálculo e que irão modernizar a nossa forma de consumir energia, o mais pequeno dos nossos gestos quotidianos e até mesmo as nossas grandes escolhas colectivas, vão revelar‐se totalmente dependentes dos metais raros. Esses recursos vão tornar‐se a base elementar, tangível e palpável do século XXI. Mas essa dependência esboça desde já os contornos de um futuro que nenhum oráculo previra. Pensávamos libertar‐nos da escassez, das tensões e das crises provocadas pelo nosso apetite por petróleo e carvão; estamos em vias de substituir o mundo anterior por um novo mundo de escassez, de tensões e de crises inéditas.

Do chá ao «ouro negro», da noz‐moscada à tulipa, do salitre ao carvão, as matérias‐primas acompanharam sempre as grandes explorações, os impérios e as guerras. Contrariaram frequentemente os rumos da História. Por sua vez, os metais raros estão a modificar o mundo. Não satisfeitos com poluírem o ambiente, colocam em perigo os equilíbrios económicos e a segurança do planeta. Já reforçaram o novo domínio da China sobre o século XXI e aceleraram o enfraquecimento do Ocidente, iniciado na viragem do milénio.

No entanto, a guerra dos metais raros está longe de estar perdida. Com efeito, a China cometeu o erro colossal de não ter em conta o impacto ambiental das suas actividades extractivas; o Ocidente dedicou‐se a uma contra‐ofensiva, de que é testemunha a lei europeia de 2023 relativa aos recursos essenciais (Critical Raw Materials Act), que estabelece as balizas de uma soberania mineral reencontrada; e alguns progressos técnicos, de que ainda não suspeita‐ mos sequer, irão seguramente transformar a nossa forma de produzir riqueza e energia.

Enquanto isso, este livro pretende contar uma contra‐história do mundo — o relato clandestino de uma odisseia tecnológica que prometeu tanto, e os bastidores de uma busca generosa, ambiciosa, que até agora nos trouxe perigos tão colossais como aqueles que pretende solucionar.

* Região francesa criada pela fusão das antigas regiões da Picardia e do Nord‐Pas‐de‐Calais, na sequência da reforma territorial levada a cabo em França, em 2014; tem a capital em Lille. (N. do t.)

**A sede da Assembleia Nacional de França. (N. do t.)