A atual ponte, sobre a ribeira de Tourões, foi construída e inaugurada pelos habitantes das localidades raianas em dezembro de 1991 e, no mesmo local, também tinha sido construída, em 1985, uma primeira estrutura que eliminou a fronteira com Espanha.
“A primeira ponte era estreitinha, tinha quatro metros de largura. A outra passou a ter nove, foi alteada e alargada e é aquela que temos agora”, contou à agência Lusa Manuel Santos Ruivo, 81 anos, antigo presidente da Junta de Freguesia de Vale da Mula.
Segundo o ex-autarca que liderava a Freguesia quando os habitantes, com o apoio das respetivas Juntas, construíram a segunda ponte rodoviária, a obra foi decidida pela necessidade de os povos “se aproximarem”.
“Existia [sobre a ribeira de Tourões uma passagem pedonal] com umas tábuas e tínhamos de saltar de pedra em pedra. Como tínhamos necessidade de irmos a Espanha e tínhamos que andar mais de 20 quilómetros por Vilar Formoso, quando podíamos fazer o trajeto de cerca de um quilómetro, decidimos meter as mãos à obra”, acrescentou.
Foram os habitantes dos dois povos que pagaram a totalidade das obras: “Gastámos à volta de três a quatro mil contos [15 a 20 mil euros] nas duas pontes”.
“A ponte, oficialmente, nunca foi legal, porque foi feita pelo povo e inaugurada pelo povo com um churrasco, mas hoje já está legalizada. Foram os espanhóis que aqui há uns anos alcatroaram a estrada na parte deles e puseram alcatrão em cima da ponte”, disse Manuel Santos Ruivo.
O ex-autarca disse que durante a construção, a Câmara de Almeida ainda embargou a obra, mas não foi demolida porque “já estava construída no lado de Portugal”.
Na inauguração, onde as autoridades nacionais não marcaram presença, estiveram deputados de Salamanca (Espanha) que disseram: “Bonita não está, mas forte sim”, lembrou.
Para o habitante de Vale da Mula, o feito dos dois povos “é motivo de orgulho”: “Não estamos arrependidos do que fizemos. Pelo contrário. Esta ponte só veio beneficiar as duas terras”.
Jacinto Pascua, de 54 anos, ex-autarca de Aldea del Obispo, disse à Lusa que a construção da ponte “foi muito importante para os dois povos, porque deu-lhes muita vida”.
“É um motivo de orgulho para todos. Antes da ponte, para irmos a Vale da Mula tínhamos de dar uma volta muito grande por Vilar Formoso. Tínhamos de percorrer um total de 35 quilómetros e, agora, percorremos 1,5 quilómetros e estamos lá”, observou.
Ana Paula Patrício, de 66 anos, moradora em Vale da Mula, lembra que a abertura das duas pontes foram “dias de festa” e “dois momentos marcantes”.
“Naquela altura, as pessoas de Vale da Mula e de Aldea del Obispo ficaram todas contentes, porque passavam com os carros para lá e para cá”, contou.
Na terra surgiu o receio de a ponte inaugurada em 1991 ser derrubada, “mas não foi e trouxe progresso, porque passa por aqui todos os dias muita gente”.
“Passo lá [na ponte] praticamente todos os dias, nem que seja para comprar pão em Aldea del Obispo. E quando vou para Vilar Formoso também por lá passo, porque fica mais perto do que ir por Almeida”, disse à Lusa José Balhessa, taxista e residente em Vale da Mula.
Para o morador, a construção da ponte, pelo povo, “foi um ato de muito valor e de visão futura”, porque, na região, “foi a primeira passagem a existir entre Portugal e Espanha, além da fronteira de Vilar Formoso, e que se revelou de grande importância para os territórios”.
“Passados todos estes anos, era bem que o feito do povo fosse reconhecido e enaltecido”, defendeu.
O presidente da Câmara de Almeida, António José Machado, reconhece, em declarações à Lusa, que a ponte foi construída pela “vontade popular, quer de um lado quer do outro da fronteira” e “não houve reconhecimento na altura, porque era uma obra que tinha que ter os seus trâmites legais para ser feita e mesmo as acessibilidades que existiam não eram as melhores”.
No entanto, “posteriormente, houve esse reconhecimento, porque é um trajeto como outros que existem” na zona de fronteira e a passagem rodoviária “foi beneficiada, na parte espanhola e portuguesa”.
O autarca destacou o “pioneirismo” e a “coragem” dos habitantes de Vale da Mula e Aldea del Obispo de “responderem a uma necessidade que tinham diariamente” e admite a possibilidade de os órgãos autárquicos poderem vir a reconhecer publicamente o feito.
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