"Ha já alguns dias que, na loja d’um dos mais simpáticos negociantes d’esta villa, meia dúzia de caraças, algumas retratando alguns vultos notáveis da nossa politica, exhibem tristemente, penduradas por um barbante que lhes atravessa os olhos, uma careta, sempre a mesma, que por demasiada constancia chega a tornar má a caricatura dos prestantes cidadãos". 

A descrição é de 28 de fevereiro de 1886 e apareceu num jornal brasileiro, retratando o Carnaval de Torres Vedras, cidade no distrito de Lisboa. Ao longo dos anos, os mascarados têm saído às ruas por vários dias — afinal, "a vida são dois dias e o Carnaval de Torres são seis".

Além disso, outro lema tem marcado as festividades: "enquanto houver um folião na rua, o Carnaval de Torres Vedras continua". Contudo, 2021 traz uma realidade diferente para a cidade que diz ter "o Carnaval mais português de Portugal". Há máscaras nas ruas, é certo, mas das que travam o vírus.

Confrontada com uma pandemia, a autarquia anunciou, a 18 de janeiro, o cancelamento de todos os festejos de Carnaval, o que acontece pela segunda vez em quase um século de tradições. Em 1984, o Carnaval de Torres Vedras — que remonta oficialmente a 1930, embora existam registos anteriores de festividades — também não se realizou devido às cheias ocorridas meses antes na cidade.

Contudo, uma coisa é cancelar as festividades tradicionais, outra é passar totalmente ao lado da data, ideia inconcebível tal é a folia vivida na quadra pelas gentes da terra e pelos forasteiros que até lá se deslocam normalmente.

Assim, para assinalar a ausência do Carnaval e homenagear todos os profissionais que trabalham na linha da frente na prevenção e combate à pandemia, o município vai inaugurar, na sexta-feira, 12 de fevereiro, o monumento intitulado "A Máscara" na Praça da República, no centro da cidade, onde ficará exposto durante um mês.

Mas o Carnaval — e os seus "assaltos" prévios — acontece também em casa: seis associações, uma discoteca e uma rádio locais juntaram-se para criar o movimento "Carnaval em Casa", transpondo para as plataformas digitais várias iniciativas a decorrer este ano.

Assim, o programa deste ano conta com música em direto nas noites de folia, convívio escolar através da plataforma Zoom a substituir o corso de sexta-feira, tertúlias sobre memórias de outros carnavais e concursos dos melhores mascarados e das melhores matrafonas, com recurso ao envio de fotografias. Além disso, o movimento incentiva todos os foliões a mascararem-se e a ir à janela para serem fotografados.

Também para assinalar a data, o blog Torres Vedras Antiga está a disponibilizar "muitas memórias e recordações para celebrar o Carnaval de Torres Vedras em casa", explica o responsável ao SAPO24. Assim, entre os dias 12 e 16 de fevereiro, vão ser partilhados "registos, imagens antigas e reportagens, entre 1574 e 2020 (mais de 446 anos de história) de forma online em direto".

Nos vídeos, que também vão ser publicados no Facebook, vai ser possível ver "as imagens das últimas décadas do Carnaval, os reis e rainhas, os cabeçudos, as matrafonas, os 33 carnavais temáticos, referências antigas e muito mais", adianta.

Apesar da pandemia, a Câmara de Torres Vedras vai dar tolerância de ponto na terça-feira aos seus funcionários, com o intuito de manter a tradição no concelho.

O cancelamento do Carnaval de Torres em 2021 — pelo menos nos moldes tradicionais — acontece no mesmo ano em que foi iniciada a consulta pública da sua candidatura a Património Nacional Imaterial, devendo a decisão sobre a inscrição ser tomada até junho pela Direção-Geral do Património Cultural.

O Carnaval de Torres Vedras recebe todos os anos cerca de meio milhão de visitantes durante os seis dias do evento e gera receitas de 10 milhões de euros na economia local.