“1974-2019 Portugal: 45 anos da Democracia” é o título do primeiro livro coletivo publicado pela Universidade Europeia e pela editora Almedina que reúne contributos de onze professores da Universidade Europeia tendo como ponto de convergência a celebração dos 45 anos de regime democrático em Portugal. Pedro Barbas Homem, Reitor da Universidade Europeia, Diana da Silva Dias, Vice-Reitora da Universidade Europeia, Adelino Cunha, Pró-Reitor da Universidade Europeia e os docentes Antónia Correia, Bruno Miguel Correia da Silva, Cristina Caldeira, David Pascoal Rosado, Fernando Ampudia de Haro, Marcelo G. Oliveira, Maria Isabel Roque e Pedro Rebelo Botelho Alfaro Velez partilham a sua perspetiva dos efeitos da Revolução em vários quadrantes da sociedade portuguesa.
O livro foi apresentado em Lisboa, a 14 de maio, e o SAPO24 conversou com Adelino Cunha, um dos autores sobre o projeto e os objetivos que presidiram à sua publicação.
Este é o primeiro livro coletivo publicado pela Universidade Europeia: a escolha do tema obedeceu a que objetivo ou critério?
O Reitor da Universidade Europeia, professor Pedro Barbas Homem, estabeleceu como um dos objetivos do seu mandato aumentar a produção científica e as reflexões dos professores sobre as grandes dinâmicas do mundo contemporâneo, no sentido de colocar o conhecimento académico ao dispor (e ao serviço) da sociedade. Este livro representa um passo concreto nesse caminho. Trata-se de uma reflexão sobre alguns dos temas, e são mesmo apenas alguns dos temas que poderiam ser tratados, que marcaram estes primeiros 45 anos de regime democrático. Era esse o desafio dos autores: contribuir em total liberdade intelectual para a reflexão colectiva. Abdicar da História, é abdicar de pensar. Este é um livro que tem essa ambição: contribuir para o pensamento.
Tal como é apresentado, resulta da colaboração de 11 professores em áreas tão distintas quanto revolução digital o turismo ou as artes plásticas, temas menos habituais quando pensamos na revolução do 25 de abril. O que pretenderam retratar é menos político, ainda que tudo seja político?
Com total transparência, tratou-se de um equilíbrio entre os temas suscetíveis de ser tratados e as vocações dos próprios professores. Era fundamental que o livro acrescentasse valor à discussão coletiva sobre estes 45 anos de democracia e para isso foram reunidos os contributos dos docentes que têm publicado e pensado estes temas. Sendo o primeiro livro coletivo, os seguintes tenderão, certamente, a focar outros temas a partir de outras perspetivas.
No seu caso concreto, escolheu falar da revolução digital na democracia, algo que emergiu - efetivamente - nos últimos 10 anos. Podemos falar de 35 anos de democracia analógica + 10 anos de democracia digital?
Este ensaio resulta em grande medida da minha experiência como jornalista, como historiador e como professor. Preocupa-me profundamente que estejamos reféns deste presente contínuo sem ligação orgânica ao passado. Tudo é presente e o presente às vezes dura apenas uns minutos. Aliás: lembro-me agora do coelho responder a Alice que, no País das Maravilhas, o eterno, às vezes, dura apenas um segundo. Estamos a ficar sem memória. O recuo do jornalismo e a incapacidade dos jornalistas para responder às novas formas de participação cívica conduzirá (está a conduzir) a uma redução da qualidade do escrutínio e da própria democracia. Existem alguns sinais que me parecem corresponder a uma certa dinâmica de desdemocratização. Diria que é um ensaio de alerta: estamos todos a matar a verdade e a culpa não pode ser apenas da transformação digital.
o jornalismo não pode persistir no erro de competir com as redes sociais
O que entende por " recuo do jornalismo e a incapacidade dos jornalistas para responder às novas formas de participação cívica"? Incapacidade de competir com as redes sociais?
Exactamente no sentido contrário: o jornalismo não pode persistir no erro de competir com as redes sociais. Querer dar a notícia primeiro para ser mais rápido implica abdicar dos critérios jornalísticos da verificação e da memória. Os jornalistas não têm de dar a notícia primeiro porque apenas os jornalistas produzem notícias. Os jornalistas têm de dar notícias verdadeiras e rigorosas. E já agora: adaptadas aos tempos modernos, ou seja, o verdadeiro desafio está na reinvenção das estruturas narrativas. É aí que estão o segredo: como contar notícias?
Fala de sinais de uma certa dinâmica de desdemocratização. A que sinais se refere? E como convive essa "desdemocratização" com a aparente democratização do acesso à informação e à partilha da opinião?
Estes sinais desdemocratização podem ser identificados nos níveis de abstenção eleitoral e nos inquéritos de confiança nas populações europeias. Há uma fadiga extrema com um sistema político que já perdura desde 1945. É um período de paz demasiado longo para o nosso passado comum. É a Europa que terá agora de reinventar-se em torno de novas ideias, de ideias que mobilizem os cidadãos. Esse espaço vazio está a ser preenchido pelas economias do ódio: ódio contra a imigração, ódio contra as elites governantes, ódio contra a própria dinâmica europeia. Deixar que a mobilização destes descontentamentos seja feita pelos movimentos populistas representa um perigo cujas consequências só poderão ser avaliadas mais tarde. Mas pergunto: e se for demasiado tarde nessa altura?
E, usando as suas palavras, estamos todos a matar a verdade em que sentido? E como podemos contornar?
É a indiferença colectiva que mata a verdade: porque a desvaloriza. Salvar a verdade implicar preocuparmos-nos com a verdade. Em quem confiamos para nos ajudar a interpretar as dinâmicas do mundo contemporâneo?
Que Portugal europeu resulta desta vossa análise?
Alguns dos ensaios tratam precisamente dessa experiência, mas diria que a mensagem é claramente optimista. A integração de Portugal na então CEE representa um marco importantíssimo no processo de consolidação de democracia em Portugal e o início de um processo de transformação material que permitiu ao País atingir níveis de bem estar coletivo perto dos níveis europeus. Provalvelmente, faltará agora aperfeiçoar a integração política, mas para que isso aconteça, é preciso perguntar primeiro: a Europa serve para quê? Sabemos os motivos da sua criação no pós-guerra, mas essa Europa ainda existe? Ou ter-se-á transformado numa “grande ilusão”, como adverte com oportunidade Tony Judt?
Quando olhamos muito para o abismo, o abismo também olha para nós.
À face do que refletiram sobre Portugal na Europa, como avalia a Europa que resulta das eleições de 26 de maio?
Talvez pudesse sugerir uma revisitação do livro “O mundo de ontem - Recordações de um europeu”, de Stefan Zweig. Está lá, não tudo, mas está lá quase tudo, ou pelo menos tudo o que importa para esta questão. A indiferença dos europeus nos períodos que antecederam as grandes rupturas do miserável século XX. É uma certa perspectiva sobre o declínio europeu e sobre a nossa indiferença. Simpatizando pouco com as citações, cito só mais esta ideia: o mal perpetrado por ninguém, é um mal perpetrado por todos; voltemos a Hannah Arendt para revistar o preço da indiferença colectiva. Quando olhamos muito para o abismo, o abismo também olha para nós.
Do confronto das várias colaborações, se pudesse escolher uma síntese, quais são as principais mensagens deste livro?
É um livro que assenta na liberdade intelectual, e que pretende constituir-se como um desafio à discussão. É um livro para ser discutido.
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