As declarações do diretor da AIEA, Rafael Grossi, surgiram apenas algumas horas depois de o Irão ter anunciado que realizou um lançamento espacial bem-sucedido com a carga mais pesada de sempre, o mais recente do seu programa que o Ocidente alega servir para melhorar o programa de mísseis balísticos de Teerão.

O lançamento do foguetão Simorgh ocorreu numa altura em que o programa nuclear iraniano enriquece urânio a 60%, a um passo curto e técnico dos níveis de 90% necessários para produzir armas atómicas.

Embora o Irão afirme que o seu programa é pacífico, os responsáveis da República Islâmica ameaçam cada vez mais produzir a bomba e um míssil balístico intercontinental que permitiria a Teerão utilizá-los como arma contra inimigos distantes, como os Estados Unidos.

Grossi, falando à comunicação social à margem da conferência Diálogo de Manama, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, no Bahrein, indicou que os seus inspetores tencionam ver quantas centrifugadoras tem o Irão a funcionar, depois de o Governo ter informado a agência dos seus planos.

“Penso que é muito preocupante: eles (os iranianos) estavam a preparar-se e tinham todas estas instalações como que em suspenso e agora estão a ativá-las. É o que vamos ver”, disse Grossi.

“Se realmente as ativarem – a todas elas – vai ser um salto enorme”, acrescentou.

Um comunicado da AIEA emitido pouco depois das declarações de Grossi refere que o Irão começou a alimentar duas cascatas de centrifugadoras avançadas IR-6 com urânio previamente enriquecido até 20%.

Cascatas são um grupo de centrifugadoras que giram o gás de urânio em conjunto para enriquecer mais rapidamente o urânio. As centrifugadoras IR-6 enriquecem o urânio mais rapidamente do que as centrifugadoras IR-1 de base do Irão, que têm sido o pilar do programa atómico do país.

“A informação atualizada sobre o ‘design’ das instalações demonstrou que o efeito desta alteração será o aumento significativo do nível de produção”, refere o comunicado da AIEA.

O Irão não admitiu de imediato tais preparativos. A missão iraniana junto das Nações Unidas não respondeu até agora a um pedido de comentário da agência de notícias norte-americana, Associated Press (AP).

O Irão sempre negou procurar dotar-se de armas nucleares e afirma que o seu programa espacial, tal como as suas atividades nucleares, tem fins unicamente civis. No entanto, as agências de serviços secretos norte-americanas e a AIEA afirmam que o Irão teve um programa nuclear militar organizado até 2003.

Entretanto, o lançamento de hoje ocorreu no Porto Espacial Imam Khomeini, na província rural iraniana de Semnan, cerca de 220 quilómetros a leste de Teerão. Este é o local onde se situam as instalações do programa espacial civil do Irão, que teve uma série de lançamentos falhados do Simorgh no passado.

O Simorgh transportou o que o Irão descreveu como um “sistema de propulsão orbital”, bem como dois sistemas de investigação para uma órbita de 400 quilómetros acima da Terra. Um sistema que pudesse alterar a órbita de uma nave espacial permitiria ao Irão geossincronizar as órbitas dos seus satélites, uma capacidade que Teerão tenta há muito tempo adquirir.

Também transportou o satélite Fakhr-1 para as Forças Armadas iranianas – a primeira vez que se sabe que o programa civil do Irão transportou um carregamento militar.

O Irão avaliou a carga útil do Simorgh em 300 quilos, mais pesada do que todos os seus anteriores lançamentos bem-sucedidos no país. A televisão estatal transmitiu imagens de um correspondente a falar do peso transportado pelo Simorgh no momento em que este descolou em direção ao céu, enquanto as pessoas que assistiam gritavam: “Deus é o maior!”.

Não houve confirmação imediata e independente de que o lançamento foi bem-sucedido. O Exército norte-americano remeteu perguntas para o Comando Espacial do país, que não respondeu.

Este anúncio surge num momento em que as tensões aumentam no Médio Oriente devido à guerra que Israel continua a travar contra o movimento islamita palestiniano Hamas na Faixa de Gaza e à manutenção de um cessar-fogo incerto com o grupo xiita Hezbollah no Líbano.

Os Estados Unidos afirmaram anteriormente que os lançamentos de satélites pelo Irão desafiam uma resolução do Conselho de Segurança da ONU e apelaram a Teerão para que não levasse a cabo qualquer atividade que envolvesse mísseis balísticos capazes de transportar armas nucleares. As sanções da ONU relacionadas com o programa de mísseis balísticos do Irão expiraram em outubro de 2023.

“O trabalho do Irão em veículos de lançamento espacial – incluindo o seu Simorgh – provavelmente encurtaria o período necessário para produzir um míssil balístico intercontinental, se decidisse desenvolver um, porque os sistemas usam tecnologias semelhantes”, lê-se num relatório da comunidade de agências de serviços secretos dos Estados Unidos divulgado em julho.

Durante o mandato do relativamente moderado antigo Presidente do Irão Hassan Rouhani, a República Islâmica abrandou o seu programa espacial, por receio de aumentar as tensões com o Ocidente.

O seu sucessor, de linha dura, Ebrahim Raisi, um protegido do líder supremo ‘ayatollah’ Ali Khamenei que chegou ao poder em 2021, impulsionou o programa. Raisi morreu num acidente de helicóptero em maio.

O atual Presidente do Irão, o reformista Masoud Pezeshkian, que tem dado sinais de querer negociar com o Ocidente sobre as sanções, ainda não apresentou uma estratégia no que diz respeito às ambições do Irão no espaço.

O lançamento do Simorgh representou uma estreia para o seu Governo, no que diz respeito ao programa espacial civil do país. Em setembro, a Guarda Revolucionária paramilitar do Irão efetuou com êxito um lançamento do seu programa paralelo.