Se já não se recorda, nada como um lembrete rápido: quando preenche o IRS, pode consignar parte do valor (0,5%) que normalmente iria para o Estado a uma instituição de solidariedade social.

Este valor, sublinhe-se, não lhe vai ser deduzido do reembolso; é deduzido ao Estado, que ficará com esse montante caso escolha não consignar essa percentagem do seu IRS liquidado.

Uma das associações que aceitará a sua contribuição de bom grado é a Acreditar — Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, que desde de 1994 dá apoio às famílias em todos os ciclos da doença oncológica — tanto a nível emocional, como logístico e social — que afeta crianças e adolescentes.

Em contexto de pandemia, essa ajuda é mais preciosa do que nunca e Susana Bicho, parte da equipa da comunicação da Acreditar, explicou ao SAPO24 porquê.

Estando presente em quatro núcleos regionais — Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal —, a associação tem casas junto dos três centros de referência em oncologia pediátrica. A sua proximidade é “uma das grandes mais valias” da Acreditar porque “os pais e as famílias que vivem fora destas três cidades [Lisboa, Porto e Coimbra] precisam de ter um local onde habitar de forma gratuita enquanto os tratamentos decorrem”, explica a responsável.

Esse apoio estende-se a quem vem para Portugal Continental vindo das regiões autónomas, mas também dos PALOP, sendo que as estadias costumam ser entre “seis meses e dois anos, com a média sendo de ano e meio fora dos seus locais de habitação”.

Além do apoio na habitação, a Acreditar também auxilia a nível educacional. “Algumas destas crianças têm sequelas a nível da aprendizagem, o facto de poderem estar menos atentas e o facto de não poderem frequentar de forma normal a escola atrasa-as no percurso escolar”, adverte Susana Bicho.

Aos problemas de aproveitamento somam-se os financeiros. Segundo a responsável — citando um estudo de 2017, mas avisando que este já se encontra desatualizado e a realidade atual, com o contexto pandémico, é ainda mais gravosa —, ”a partir do momento do diagnóstico, uma família perde à volta de 6500 euros por ano, entre rendimentos que se perdem — porque há pais que têm de deixar de trabalhar ou pedir licenças — e um acréscimo de gastos”.

Para contrapôr estes efeitos desestabilizadores na aprendizagem, a Acreditar disponibiliza bolsas escolares. Neste momento, há 13 bolseiros a beneficiar deste apoio, com Susana Bicho a frisar que um deles já tem ajuda há três anos e está neste momento a tirar um mestrado.

Além das bolsas, é também concedido um apoio suplementar chamado “Aprender Mais”, que, não se substituindo aos apoios estatais, consiste em explicações prestadas por voluntários — onde constam professores, ex-professores e psicólogos — à distância ou presencialmente. No entanto, dada a situação de pandemia, é virtualmente que têm ocorrido as sessões.

Um terceiro pilar da Acreditar é o de apoio financeiro e até alimentar. “Este ano, com a pandemia sentimos muito a necessidade de reforçar os apoios financeiros, com o objetivo de abranger mais famílias e de reforçar financeiramente os pedidos que nos foram chegando, porque aumentaram na altura da pandemia”, diz Susana Bicho. De acordo com a responsável, este ano houve pedidos de 474 famílias. 

E a associação também deve de se adaptar. Para evitar contactos presenciais desnecessários com algumas das famílias, a Acreditar substituiu os cabazes de géneros que dava nos seus núcleos por cartões carregados com fundos para serem usados nos supermercados. “Os cartões foram enviados e as famílias não tiveram de ir buscar os cabazes aos núcleos, fazendo as compras em segurança e escolhendo os alimentos em função das necessidades familiares”, afirma a responsável.

A Acreditar é ainda responsável por criar uma rede de apoio altamente dinamizada pelos sobreviventes oncológicos que se socorreram dos seus serviços, sendo carinhosamente apelidados de “Barnabés”. Estes não só recebem apoio para “entrar no mercado de trabalho, fazer um currículo, ter alguma formação profissional e ter dúvidas esclarecidas em relação à própria doença, numa lógica de literacia para a saúde”, como costumam fazer voluntariado para acomodar novas famílias que entram pelas portas da associação.

“Temos este apoio emocional que é dado por pares, ou seja, pais ou sobreviventes que também passaram pelo mesmo”, diz Susana Bicho, assim como por psicólogos com os quais a Acreditar tem parcerias firmadas.

“A Acreditar é um apoio que sei com o qual posso sempre contar”

Com 22 anos, a tirar uma licenciatura em Coimbra em Estudos Artísticos com o objetivo de prosseguir uma carreira em Cinema, Júlia é uma Barnabé que se mantém ligada à Acreditar, tanto pelo trabalho de voluntariado que realiza, como pela própria ajuda que requereu ao longo da sua vida.

Diagnosticada com um Linfoma de Hodgkin aos 15 anos, a estudante teve duas recaídas — aos 16 e 19 anos — seguidas de tratamentos, mas neste momento contabiliza quase dois anos livre da doença. Natural de Leiria, foi obrigada a abandonar a sua residência e vir para Lisboa para ser tratada no IPO.

“Já lá vão 6 anos desde o primeiro diagnóstico e eu contei muito com o apoio da Acreditar, tanto a nível de casa — precisei quando estive dois ou três meses em Lisboa a fazer tratamentos — como a nível de estudos, porque tive a doença quando estava no Ensino Secundário e foi um bocado complicado conseguir recorrer à faculdade”, conta a jovem.

Podendo ficar no núcleo da Acreditar em Lisboa quando veio fazer transplantes de medula, Júlia diz que o apoio residencial foi um descanso pois “não há necessidade de procurar casas e não há despesas, porque é tudo gratuito, além do apoio que também é dado por outras famílias”. Os seus pais, de resto, também ficaram aliviados, especialmente aquando do último tratamento, com 19 anos, em que a estudante veio sozinha para a capital dada a relativa independência de que já dispunha.

Por outro lado, Júlia recebeu também explicações escolares e auxílio legal para entrar no Ensino Superior. Por isso mesmo, a estudante não esquece o apoio da associação. “A Acreditar é um apoio que sei com o qual posso sempre contar”, diz, adiantando fazer voluntariado, que para si é “uma experiência fantástica”. “Conheci imensa gente muito valiosa na minha vida”, conta,

No seu trabalho de voluntariado enquanto Barnabé, Júlia encontra “um reconforto gigante em poder ver alguém que está na mesma situação em que já tivemos e a quem podermos dizer ‘queres falar? Também já passei por isso’".

Se é certo que há outros voluntários que podem prestar esse apoio emocional, Júlia considera que quem passou pela mesma experiência acaba sempre por conseguir nutrir outra empatia pelos doentes oncológicos — quer crianças, quer adolescentes, que podem ser mais difíceis e fechar-se numa redoma. “Arranjamos maneira de tornar a coisa mais normal, que é muito aquilo que se procura nestas situações”, explica, porque “acabamos por partilhar uma fase da vida muito frágil”.

Por outro lado, o próprio ato de voluntariado permite uma reconciliação com a doença. “Eu tive o meu cancro com 15 anos, portanto também fui aquela adolescente que não queria saber do que me estavam a dizer, fechava-me e não queria contacto. Mas, realmente, acabamos ter um sentimento de culpa por estar doentes e sentirmos que estamos a parar a vida de toda a gente à nossa volta”, admite.

Sendo voluntária desde os 17 anos — ou seja, entre tratamentos — Júlia diz que retribuir  e “dar aquele braço de apoio” é “muito mais reconfortante”. “É uma forma de conseguir, a nível mental, lidar com aquilo que me aconteceu — se calhar é uma forma mais egoísta de conseguir voltar atrás e pensar que isto aconteceu, que foi uma experiência que me mudou completamente, mas que me dá uma hipótese de me reconciliar com isto tudo. Para mim foi muito mais saudável”, completa.

Sendo coordenadora de um núcleo de Barnabés, Júlia apenas lamenta não poder estar a fazer voluntariado de proximidade devido à pandemia, mas outras soluções, através de meios digitais, têm sido conseguidas.

Mas porque é que a ajuda é tão importante?

Com apenas 15% do seu orçamento a ser suportado pelo Estado, a maior fatia de apoio à Acreditar é proveniente de mecenas — quer sejam empresas, quer sejam cidadãos particulares. “A grande massa do orçamento é precisamente a comunidade, que confia em nós e permite que estes apoios sejam feitos ao longo do ano e sejam reforçados em tempos de pandemia”, diz Susana Bicho.

Apesar de ter recebido menos donativos em 2020, a Acreditar conseguiu reforçar os apoios para ajudar famílias num contexto ainda mais adverso, com a pandemia da Covid-19.

É aqui, segundo a responsável de comunicação, as consignações do IRS têm um papel fulcral, já que permitem que a associação consiga manter “um nível de independência do Estado”, ao mesmo tempo que suporta custos onerosos, como as despesas das casas. “O IRS é fundamental porque parte de cada cidadão de uma forma que não lhe custa nada e faz uma diferença significativa numa associação como a Acreditar”, diz Susana Bicho.

Para consignar 0,5% do seu IRS à Acreditar, basta colocar o contribuinte da associação na sua Declaração de IRS: 503 571 920

Também é possível ajudar a Acreditar prescindindo do reembolso dos 15% do IVA que tem direito a receber, permitindo à instituição alargar o apoio prestado às famílias desta forma.


[O SAPO24 tem uma parceria com a Acreditar desde 2018, procurando dar visibilidade ao trabalho que a associação desenvolve, assim como às causas que tem defendido. Neste contexto, todos os meses são publicados artigos de opinião de profissionais da Acreditar, assim como de "Barnabés". Em 2019, por altura de Dia da Criança, foi desenvolvido o projeto de reportagem "Era uma vez na Casa da Acreditar", que poderá rever aqui.]