Alberto Fernández , um advogado de 60 anos, usa como elemento legitimador a sua experiência como chefe de gabinete no governo de Néstor Kirchner (2003-2007) e durante o primeiro ano de liderança de Cristina Kirchner (2008), agora a sua vice-presidente que vai liderar o Senado.

A economia vai o ano em queda de 3,1%, inflação em torno de 55%, pobreza em cerca de 40%, desemprego em 10,4% e uma desvalorização monetária de quase 40%. Todos os números são piores do que quando Cristina Kirchner encerrou o mandato em 2015.

Fazendo uso de um tom pragmático, Fernández conseguiu reunir a oposição peronista, que engloba todas as correntes da direita à esquerda, após anos de divisões.

O seu principal desafio será tomar as rédeas de um governo de coligação, afirma o analista político Enrique Zuleta. "Fernández é uma pessoa muito experiente. Domina os temas internacionais e os da dívida. Está muito preparado. É um homem de governo, mas não é um homem de Estado. O maior desafio será administrar essa coligação heterogénea", refere.

A busca do equilíbrio para manter a unidade da aliança levou-o a adotar um estilo lacónico e a compor um gabinete, no qual todas as tendências estarão representadas. "Quis que a unidade se refletisse no governo", defendeu Fernández, ao apresentar a equipa na sexta-feira.

O primeiro problema que deverá enfrentar será a renegociação da dívida, tanto com o Fundo Monetário Internacional (44 mil milhões de dólares recebidos desde 2018) como com proprietários de títulos. No total, a dívida externa argentina passa de 315 mil milhões de dólares, quase 100% de seu Produto Interno Bruto (PIB).

Para essa tarefa, escolheu Martín Guzmán, um colaborador do Prémio Nobel de Economia Joseph Stiglitz.

"Com o FMI já estamos a trabalhar. É um trabalho que deve ser feito silenciosamente, mas os argentinos podem ficar tranquilos que estamos a tratar do tema há semanas. Abrimos um processo de negociação e estamos satisfeitos com o modo como evolui", afirmou o presidente eleito.

O professor Héctor Rubini, da Universidade del Salvador, destaca que, embora "não tenha havido definições" em matéria económica, é claro que os economistas que assessoram Fernández se caracterizam por uma abordagem que dá prioridade à intervenção do Estado para promover a industrialização e, por esta via, a recuperação do emprego e da procura agregada".

Para as primeiras semanas de governo, este economista prevê a manutenção, ou mesmo o aumento do rígido controle cambial imposto em outubro. Rubini também acredita que será aprovada uma nova lei orçamental, destinando verba para o combate à pobreza. Fernández já declarou que esta questão é um "imperativo moral".

"Tem tempo, tem o Congresso, tem ideias"

Apesar do duro panorama económico, Fernández terá um país com paz social, o Congresso ao seu lado e tempo pela frente, até aos prazos de vencimento da dívida.

"Tem tempo, tem o Congresso, tem ideias. Se jogar bem, pode fazer uma grande presidência", resumiu Zuleta.

"Vou embora insatisfeito com quanto a economia cresceu no meu mandato, ou com os resultados da luta contra a inflação e a pobreza", afirmou o presidente em final de mandato Mauricio Macri esta semana, ao fazer um balanço de seu governo.

Milhares de partidários de Maurício Macri, despediram-se dele ontem num comício realizado a três dias da posse do sucessor. No seu discurso, do alto de um palanque ao lado da esposa, Juliana Awada, Macri destacou "a presença das mulheres", que eram visivelmente a maioria na Praça de Maio, que estava lotada.

Assim como tinha feito na mensagem na rede de rádio e televisão, Macri disse, sem entrar em detalhes: "Conseguimos muitas coisas". "Temos que cuidar da nossa Argentina, que não a roubem", disse o presidente cessante, que responde a quase uma centena de ações judiciais, entre elas de corrupção por negócios em autoestradas, correios e energia eólica.

Entre os casos de corrupção que o governo deixa está o processo, esta semana, da chefe do Escritório Anticorrupção, Laura Alonso, por encobrimento do ex-ministro da Energia Juan José Aranguren, também ex-presidente da empresa anglo-holandesa Shell Argentina, acusado de favorecer os negócios desta na sua gestão.

Este domingo, a dois dias da transferência de poder, Maurício Macri e o sucessor, Alberto Fernández, assistiram juntos à missa na Basílica de Luján, durante a qual se pediu união no país.

"O respeito pelo outro é a base da sociedade. Devemos manter a unidade e a paz. Não caia na tentação de querer destruir o outro", disse o arcebispo Jorge Scheinig na sua homilia numa cerimónia ao ar livre, em frente à Basílica de Luján, 70 quilómetros a oeste de Buenos Aires, diante de centenas de fiéis.