Com o aumento da esperança média de vida, o número de pessoas afetadas pela doença de Alzheimer tem vindo a aumentar em todo o mundo, sendo esta patologia a causa mais comum de demência. Tratando-se de uma doença sem causa conhecida - sabe-se apenas que existem vários fatores de risco- , as comunidades médicas e científicas têm procurado respostas sobre a sua origem e à identificação de novos e melhores tratamentos, nomeadamente através de ensaios clínicos que ajudam a perceber a manifestação da doença, a sua progressão e impactos.
"Não têm existido soluções abrangentes provenientes dos ensaios clínicos na última década, o que poderá ter como possível origem o facto de estarmos perante uma população de doentes considerados homogéneos, quando bioquimicamente são heterogéneos, como provado neste nosso estudo”, explica Bruno Manadas, investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da UC (CNC-UC) e do Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia (CiBB).
Bruno Manadas é também um dos autores do estudo intitulado "Pathophysiological subtypes of mild cognitive impairment due to Alzheimer’s disease identified by CSF proteomics" em que os investigadores conseguiram mostrar “a presença de subgrupos bioquímicos dentro de um grupo clínico bem definido de indivíduos com défice cognitivo ligeiro com biomarcadores de Alzheimer, o que pode apontar eventualmente para a existência de diferentes mecanismos de origem e progressão da doença”, avança o investigador.
A investigação permitiu, igualmente, “demonstrar que há mais proteínas – além da beta-amilóide e da tau – que permitem fazer a distinção entre pacientes com DCL-DA e doentes com défice cognitivo ligeiro (DCL) sem marcadores da doença de Alzheimer”, acrescenta o investigador. A equipa acredita que estas descobertas podem, futuramente, originar ensaios clínicos com taxas de eficácia mais elevadas, uma vez que trazem nova informação sobre os diferentes perfis bioquímicos da doença.
Este estudo contou com a colaboração de pacientes nacionais (68) e internacionais (194), num total de 262 participantes.
Num primeiro momento, houve uma avaliação do ponto de vista clínico, na qual todos os participantes foram avaliados para identificar se tinham ou não défice cognitivo ligeiro (condição associada à perda de capacidades cognitivas numa proporção maior do que seria esperado tendo em conta a idade do paciente). Depois, nos doentes com DCL, foi realizada a recolha do líquido cefalorraquidiano (o LCR, líquido que circula ao redor das estruturas cerebrais) e posterior caracterização molecular. Esta abordagem permitiu identificar quais destes doentes (com DCL) tinham marcadores para a doença de Alzheimer.
Posteriormente, com recurso a ferramentas de análise de dados e a machine learning – etapa com a colaboração de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) – foram analisados os perfis proteicos dos líquidos cefalorraquidianos. Esta análise revelou que os pacientes podiam ser classificados em dois subgrupos: o grupo de disfunção imunológica e comprometimento de barreira hematoencefálica; e o grupo de alterações de proteínas ligadas à hiperplasticidade.
Isto significa que existem pelo menos dois perfis de doentes com Alzheimer em estádios iniciais, que podem ser considerados em ensaio clínicos. Atualmente, “os doentes de Alzheimer recrutados para estes ensaios são avaliados como um grupo único, não considerando, portanto, os seus diferentes perfis bioquímicos”, destaca o investigador da UC. “Esta diferenciação pode levar a ensaios clínicos com taxas de eficácia mais elevadas e, como tal, é importante que a comunidade clínica e farmacêutica esteja a par destes subgrupos que identificámos”, sublinha.
O estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto de investigação Além da Beta-Amilóide - As Alterações Patogénicas Precoces na Doença de Alzheimer, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que é liderado pelo docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), Alexandre de Mendonça, e cocoordenado por Bruno Manadas.
Seguem-se agora novas etapas de investigação, uma vez que “a continuidade deste estudo será essencial para perceber se estamos perante uma nova classificação de doentes de Alzheimer nas suas fases iniciais”, remata Bruno Manadas.
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