A Amnistia declara-se “profundamente consternada” por Aung San Suu Kyi já não ser “um símbolo de esperança, coragem e defesa eterna dos direitos humanos” e face à sua “vergonhosa traição” considera que não pode justificar a conservação do prémio.
Num comunicado, a organização de defesa dos direitos humanos indica que o seu secretário-geral, Kumi Naidoo, escreveu no domingo à líder birmanesa, prémio Nobel da Paz 1991, para a informar “com grande tristeza” que lhe ia retirar o prémio, atribuído em 2009.
“Como Embaixadora da Consciência da Amnistia Internacional a nossa expectativa era que continuasse a utilizar a sua autoridade moral para falar contra a injustiça sempre que se deparasse com ela, em particular em Myanmar”, escreveu Naidoo.
A Amnistia Internacional (AI) assinala que desde que Aung San Suu Kyi se tornou líder de facto do governo de Myanmar, em abril de 2016, “a sua administração tem estado ativamente envolvida (…) em múltiplas violações dos direitos humanos”.
Recorda ainda ter “criticado repetidamente” a responsável e o seu governo por “não falarem sobre as atrocidades militares contra a população rohingya (minoria muçulmana) do Estado de Rakhine, que viveu durante anos sob um sistema de segregação e discriminação semelhante ao ‘apartheid'”.
E precisa que, durante a onda de repressão iniciada em agosto de 2017, “as forças de segurança de Myanmar mataram milhares, violaram mulheres e raparigas, detiveram e torturaram homens e rapazes e incendiaram centenas de habitações e aldeias”.
Mais de 720.000 rohingyas birmaneses fugiram para o vizinho Bangladesh desde aquela altura.
“Um relatório da ONU pediu que altos responsáveis militares fossem investigados e processados pelo crime de genocídio”, recorda a AI.
A organização reconhece que “o governo civil não controla os militares”, mas considera que Aung San Suu Kyi e o seu gabinete têm “protegido as forças de segurança” da prestação de contas “rejeitando, minimizando ou negando alegações de violações e dificultando investigações internacionais sobre abusos”.
Acusa ainda o governo birmanês de “ter ativamente instigado hostilidade contra os rohingyas” classificando-os de terroristas, acusando-os de queimarem as próprias casas e de mentirem sobre violações.
“O fracasso de Aung San Suu Kyi em falar pelos rohingyas é uma das razões pelas quais já não podemos justificar o seu estatuto como Embaixadora da Consciência”, disse Kumi Naidoo.
“A sua negação da gravidade e escala das atrocidades significa que há poucas perspetivas da melhoria da situação”, salienta a AI.
Aung San Suu Kyi também tem falhado em relação à situação nos Estados de Kachin e Shan (ambos no norte do país), não usando “a sua influência e autoridade moral para condenar os abusos militares”, para pressionar no sentido de uma responsabilização ou “para falar pelos civis das minorias étnicas que sofrem o peso dos conflitos”, considera.
A organização acrescenta que a líder birmanesa tem falhado mesmo nas áreas onde o governo civil “tem considerável autoridade para fazer reformas para melhor proteger os direitos humanos”, como as relacionadas com a liberdade de expressão, associação e reunião.
“Nos dois anos desde que a administração de Aung San Suu Kyi assumiu o poder, defensores dos direitos humanos, ativistas pacíficos e jornalistas têm sido detidos e outros enfrentam ameaças e são hostilizados e intimidados devido ao seu trabalho”, assinala a AI.
A organização recorda que quando Aung San Suu Kyi pode receber o galardão, em 2013, lhe pediu para continuar a olhar para e pelo seu país e para o ajudar a ser a nação “onde a esperança e a história se fundem”.
“A Amnistia Internacional levou o pedido de Aung San Suu Kyi muito a sério e é por isso que nunca ignorará as violações dos direitos humanos em Myanmar”, disse Kumi Naidoo, adiantando que a organização continuará a lutar pela justiça e direitos humanos no país “com ou sem” o apoio de Suu Kyi.
A atuação de Aung San Suu Kyi em relação à perseguição dos rohingyas levou a que no último ano lhe tenham sido retirados vários prémios, como o Elie Wiesel do Museu do Holocausto dos Estados Unidos ou o da Liberdade de Edimburgo concedido pela cidade escocesa.
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