William Sand espera passar hoje, em que o mundo evoca o dia Internacional das Migrações, a fazer o que faz sempre desde que chegou a Cascais há um ano: a trabalhar para uma tecnológica americana.

“O meu trabalho é uma relação mais estável do que os sítios onde vivo”, afirmou à Lusa, sentado numa esplanada no Campo Pequeno, em Lisboa.

Filho de engenheiro de petróleo, William viveu nos Estados Unidos (onde nasceu), Canadá, México, Tailândia, Japão, Espanha e agora em Portugal, onde está à espera de concluir o processo de regularização como expatriado.

“Comigo vocês só têm lucro, gasto aqui o que ganho na empresa”, afirmou.

Escolheu Portugal porque não gostou de Espanha. “Vivi em Madrid, mas havia muito calor e muita confusão. E não gosto dos espanhóis, fazem muito barulho”.

E por isso, numa viagem de carro pela costa vicentina, adorou a “calma e a simpatia genuína dos portugueses”.

Aqui, “o sol é o mesmo, os preços são mais baixos e a simpatia é melhor. Porque é que não iria mudar-me?” – questionou William Sand.

Contudo, “até assentar”, o canadiano não espera ficar confinado a um único país.

“Não sei, vou ficar aqui uns tempos e depois logo se vê. Estou a pensar em África ou em voltar à América Latina. Gosto de trabalhar num ambiente de férias”, disse o gestor de cibersegurança, associada a uma empresa de criptomoedas.

Já Ana Ferreira espera que Toronto seja o final do seu percurso de vida e não pensa em sair do país de William.

Nascida na Venezuela, saiu cedo para Portugal e depois os pais emigraram para os Estados Unidos. A seguir, foi a vez do curso de enfermagem em Portugal e uma nova emigração, desta vez para Inglaterra.

“O ‘brexit’ fez-me pensar duas vezes e fui estúpida. Tive medo e saí de lá e fui para Amesterdão (Países Baixos)”, recordou.

Dali, tentou um trabalho na Bélgica e outro no Luxemburgo mas teve dificuldade em adaptar-se ao clima e à linguagem técnica da saúde nesses países. “O francês é uma coisa muito difícil para mim, eu penso em espanhol, falo em português e em inglês. Mas o francês bloqueia-me”.

Soube de um trabalho num hospital em Toronto e decidiu partir para o Canadá, levando com ela a pequena Mafalda, que havia nascido em Inglaterra, quando o Reino Unido ainda pertencia à União Europeia.

Este é um retrato que se multiplica por milhões em todo o mundo, reconheceu João Carvalho, investigador do ISCTE, especialista em migrações e mobilidade.

“É um perfil novo que existe cada vez mais de imigrantes”, que “usufruem da mobilidade graças às suas qualificações e às suas nacionalidades”.

A explosão do trabalho à distância com a covid-19 e a necessidade de trabalho especializado deram relevo a outros tipos de migração.

“As coisas não são todas decididas por dinheiro” e “não é propriamente o dinheiro que leva as pessoas se vão mudar” de país, porque a “escolha da imigração é um processo muito mais complexo”, explicou João Carvalho.

Nestes dois casos, a mobilidade também resulta das suas “próprias identidades” que nasceram “em países multiculturais (Canadá e Venezuela) o que lhes dá para uma apetência” para saírem das suas zonas de conforto.

“Quem nasce em países de imigração, nasce em locais onde se valoriza o multiculturalismo”, explicou, ao contrário do “contexto mais fechado europeu”, em que “há uma narrativa de monoculturalismo, uma espécie de objetivo ideal a alcançar nas sociedades”.

No mundo, há 281 milhões de pessoas migrantes, 3,6% da população total, segundo a Organização Internacional das Migrações (OIM), e Ana Ferreira explica que Portugal é só o quarto país onde viveu mais tempo, embora acredite que chegou ao seu porto final, na terra de William.

“Sou uma cidadã do mundo, mas agora encontrei a minha paz. O Canadá é sossegado, ganha-se bem, há bons serviços de família”, afirmou.

Para esse sentimento contribui a relação que tem com um colombiano, também enfermeiro, que já viveu em seis países.

Quando há jogos de futebol, os sentimentos misturam-se. “A minha filha nunca viveu em Portugal e é fã do Arsenal e eu não consigo deixar de ser portuguesa, apesar de nem ligar muito ao futebol”.

Isto porque, crescendo na Venezuela até aos oito anos, e depois nos Estados Unidos, criou o “bichinho” pelo basebol e consegue passar horas a ver jogos.

E se for um jogo de basebol entre a Venezuela e Portugal? “Não me peça para decidir isso. O que vale é que Portugal não está ao mesmo nível”, responde sorrindo.

Já William Sand adora futebol e tem no United a sua paixão, apesar de nunca ter vivido em Inglaterra.

“Aqui, eu já era do Sporting por causa do [Bruno] Fernandes. Agora, com o Ruben Amorim, ainda sou mais”, diz.