“Há um momento em que precisamos que os responsáveis políticos portugueses e moçambicanos falem. Estamos a falar neste rapto de forças de segurança envolvidas (…) Estas são questões que as autoridades portuguesas, a começar pelo Presidente da República, que é aliás um grande conhecedor e um grande amigo de Moçambique, tem que claramente pôr às autoridades moçambicanas”, disse hoje Ana Gomes, numa audição pública sobre Moçambique que organizou hoje no Parlamento Europeu.
Ana Gomes afirmou-se “absolutamente convencida que se [Marcelo Rebelo de Sousa] o fizer, não está a apenas a ajudar a família do senhor Américo Sebastião, está a ajudar todos os moçambicanos que exigem respeito pelo Estado de direito, prestação de contas, justiça a sério e luta contra a corrupção”.
Para a eurodeputada, “os diplomatas, e sobretudo os portugueses, têm feito o que está ao seu alcance” neste caso, e a União Europeia tem apoiado os seus esforços.
No entanto, acrescentou, “há limites para ação diplomática, e é ao nível político que as questões têm que ser tratadas, e não só em contactos em corredores, atrás das portas”, razão pela qual lançou um apelo ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para que intervenha.
Na opinião de Ana Gomes, que há cerca de 10 dias esteve em Moçambique para contactos com Salomé Sebastião, mulher do empresário português raptado em Sofala em 2016, “este caso ilustra bem os grandes problemas de Estado de direito” em Moçambique, país onde, acusou, há uma “total falta de prestação de contas”.
Na mesma audição, Salomé Sebastião defendeu que as autoridades moçambicanas deveriam aceitar a ajuda oferecida por Portugal para a investigação, tal como aceitaram a ajuda para as vítimas do ciclone Idai.
Considerando que “as relações históricas e de amizade entre a Europa e África e as que ligam especialmente Portugal e Moçambique estão em xeque” devido à recusa de Moçambique em aceitar a ajuda portuguesa e europeia na investigação ao desaparecimento de um cidadão português, Salomé Sebastião observou que, “após o ciclone Idai, que trouxe destruição e sofrimento à mesma província de Sofala onde o Américo foi raptado, a União Europeia e Portugal mobilizaram esforços humanos e financeiros para ajudar as vítimas”.
“Não olharam para trás. Simplesmente ajudaram Moçambique e as vítimas. Moçambique aceitou a ajuda. O mesmo deve ser feito pelas autoridades de Moçambique para restituir o Américo à liberdade, pois o Américo não é mais do que uma vítima da insegurança e da corrupção em Moçambique”, argumentou.
Salomé Sebastião reforçou que “Moçambique aceitou a ajuda externa para as vítimas do ciclone”, mas “não aceitou até hoje a ajuda portuguesa e a ajuda europeia na investigação e localização deste cidadão português, também ele vítima”.
“Não está certo, não aceito, a família não pode aceitar”, declarou.
Américo Sebastião foi raptado numa estação de abastecimento de combustíveis e continua desaparecido desde a manhã de 29 de julho de 2016, em Nhamapadza, distrito de Maringué, na província de Sofala, no centro de Moçambique.
Nunca mais se soube do paradeiro do empresário desde o rapto, perpetrado por homens fardados, que algemaram o empresário e o colocaram dentro de uma das duas viaturas descaracterizadas com que deixaram o posto de abastecimento de combustíveis, segundo testemunhas.
Portugal ofereceu por várias vezes cooperação judiciária para se tentar localizar o empresário Américo Sebastião, mas as autoridades moçambicanas recusaram.
No início do ano, a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique mandou avocar o processo, que tinha sido encerrado, no início de 2018, pela Procuradoria Provincial de Sofala, centro de Moçambique, alegadamente por falta de elementos.
Em fevereiro, a PGR de Portugal ofereceu ajuda judiciária, manifestando disponibilidade de cooperação, no âmbito da cooperação judiciária e/ou policial”, mas o Ministério Público moçambicano ainda não respondeu, segundo fonte oficial portuguesa.
Uns dias antes, fonte da Procuradoria moçambicana disse haver “abertura para a cooperação”, mas afirmou que “nunca houve um pedido formal para o efeito, pelo menos na PGR”.
“No entanto, estamos abertos a cooperar, dentro das leis e dos acordos que temos com Portugal", disse a fonte da PGR moçambicana.
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