Ao chegar a casa, Helena Roseta encontrou um dia o telefone no caixote do lixo. Foi a resposta das filhas aos insultos que recebiam constantemente por conta da atividade política dos pais, antes da invenção das redes sociais.

“Antes de haver os ‘haters’ de agora nas redes sociais, já havia ´haters´ lá para casa, que telefonavam a insultar o tempo todo e nós fazíamos imensas anedotas, arranjávamos anedotas ao telefone de cada vez que ligavam a insultar”, contou à Lusa Filipa Roseta, atualmente vereadora na Câmara Municipal de Lisboa (PSD).

Aos pais, nada diziam. “Não percebíamos nada do que se estava a passar, só ouvíamos os insultos: ´a mãe fez isto, o pai fez isto´”, recordou Filipa Roseta, ao contar que chegavam a deitar o telefone no caixote do lixo, depois de informar o autor do telefonema – “Olhe, para si, o lixo!”.

“Eu chegava a casa e o telefone estava no caixote do lixo”, confirmou a deputada constituinte Helena Roseta, durante uma conversa com a Lusa, realizada na biblioteca do parlamento, em que participaram duas das três filhas, Filipa (52 anos, arquiteta) e Catarina (54 anos, investigadora na área do ambiente), bem como o constituinte Pedro Roseta.

“Elas ajudaram muito e vieram a saber, muitos anos depois, que havia, como há nestas coisas da política, sujeitos que telefonavam lá para casa a insultar”, referiu Pedro Roseta, que exerceu vários mandatos como deputado do PPD-PSD, desde a Assembleia Constituinte, participou em revisões constitucionais e foi ministro da Educação, entre outras funções.

Pedro e Helena Roseta viveram o cerco à Constituinte em lados
Pedro e Helena Roseta viveram o cerco à Constituinte em lados Os antigos políticos, Helena (C-D) e Pedro Roseta (C-E), posam para a fotografia com as filhas, Filipa (E) e Catarina (D), no âmbito da celebração dos 50 anos da Constituição da República, na Assembleia da República, em Lisboa, 06 de fevereiro de 2025. (ACOMPANHA TEXTO DA LUSA DO DIA 16 DE MARÇO DE 2025). ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA créditos: Lusa

“Já havia pessoas que faziam isto. É extraordinário. Dedicavam-se a telefonar para as pessoas a insultá-las"

Helena Roseta foi igualmente eleita para a Assembleia Constituinte, em 1975, pelo PPD, do qual se desvinculou mais tarde para apoiar a candidatura do socialista Mário Soares à Presidência da República.

“Já havia pessoas que faziam isto. É extraordinário. Dedicavam-se a telefonar para as pessoas a insultá-las. Agora falamos das redes sociais, que ainda é uma mensagem. Havia pessoas que se davam ao trabalho de ligar”, sublinhou Filipa Roseta. “Os números estavam todos na lista telefónica”, acrescentou a irmã Catarina.

Na ausência dos pais, as três irmãs atendiam o telefone. “Ríamos à grande”, confessou Filipa Roseta, perante o sorriso orgulhoso do pai: “Elas protegeram-nos ali, tiraram-nos uma preocupação…despachavam assunto”.

“Divertíamo-nos muito. Lembro-me de nos divertirmos com isto e de pensarmos – o que vamos fazer agora? Nada disto para nós foi pesado ou traumático”, garantiu a filha mais nova de Pedro e Helena Roseta. “Para nós, tudo isto era normal. Era estúpido, mas era normal e aproveitávamos para nos divertir”.

“Às vezes as pessoas falam nos casais, mas costumo dizer que éramos uma equipa de cinco; nós os dois, mais as três filhas!”, assegurou o pai.

O dia do cerco à Constituinte

Helena e Pedro Roseta estão há 50 anos na política e um dos dias marcantes foi a 12 de novembro de 1975,  aquando do cerco à Assembleia Constituinte.

Pedro Roseta chegou mais tarde ao parlamento e já não conseguiu entrar, apesar das várias tentativas de diálogo com os manifestantes que se aglomeravam em São Bento. Lá dentro, a mulher, Helena Roseta, encontrava-se retida, como a esmagadora maioria dos 250 deputados, impedidos de sair pela multidão que se agitava cá fora.

Cerca de 100.000 manifestantes, maioritariamente trabalhadores do setor da construção civil, segundo a imprensa da época citada no ‘site’ da Assembleia da República, exigiam um contrato coletivo de trabalho, entre outras reivindicações a que várias comissões davam expressão.

“Fiquei na pior situação”, afirmou Pedro Roseta, 81 anos, durante uma conversa com a Lusa, realizada na biblioteca do parlamento, em que participaram também Helena Roseta e duas das três filhas, Filipa (vereadora na Câmara Municipal de Lisboa) e Catarina (investigadora na área do ambiente).

Encarregado pela direção do PPD, liderada por Francisco Sá Carneiro, de tratar de outros assuntos, o deputado constituinte passou o cerco a andar “de um lado para o outro”, na sede do partido, em Lisboa, desdobrando-se em contactos para tentar desbloquear a situação, goradas todas as tentativas de transpor a manifestação para se juntar aos colegas.

"Pensei sempre, e não me enganei, até pela forma como falava e pelos valores que transmitia, que eles evitariam matar-me ali"

“Quando cheguei cá, apesar de tudo (eu só era duro no debate), não me saí mal. Pensei sempre, e não me enganei, até pela forma como falava e pelos valores que transmitia, que eles evitariam matar-me ali. Mas, agora o que podia ter acontecido…”, deixou no ar o jurista, indicando que chegou a ter G3 apontadas numa das sessões de esclarecimento que fez pelo país.

“Expliquei a situação e eles - Não. Você quer entrar? Então, não entra!”, relatou Pedro Roseta, recordando os insultos que temperaram a conversa. “Foi uma situação delicada”.

Nas palavras de Helena Roseta, o cerco à Constituinte foi “o momento de grande confrontação”, antes do 25 de novembro de 1975, data que assinala o início do fim do Período Revolucionário em Curso (PREC): ”Estes momentos foram todos muito tensos”.

No dia do cerco, Catarina Roseta completava cinco anos. Ao contrário da mãe, não se recorda de ter ficado sem festa de aniversário.

A primeira memória que tem da vida, contou a investigadora, é de “um pesadelo com tanques”, o que Helena Roseta atribui às imagens que constantemente passavam na televisão.

Lembra-se também de que quando os pais iam jantar a casa era “um dia de festa”.

Filipa Roseta não tem memórias deste período, mas a mãe mantém a viva imagem de a filha se lhe ter dirigido, com apenas dois ou três anos, nos seguintes termos: “Estou farta da república!”.

“A televisão estava sempre a dar aquela marcha militar tará-tará-rá-rá-rá… E elas queriam ver os desenhos animados”, recordou a deputada constituinte, referindo-se à música que foi adotada como hino do Movimento das Forças Armadas (MFA), a seguir ao 25 de Abril de 1974, “A Life on the Ocean Wave”.