
“O que temos visto durante a pré-campanha é um apagão na educação”, diz Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF ao SAPO24.
Apesar das propostas para a educação, presentes nos programas eleitorais dos partidos, este é o sentimento que corre entre os profissionais da área.
A falta de professores, e consequentemente, o elevado número de alunos sem aulas tem sido um dos maiores problemas para o setor do ensino. Ainda assim, parecem faltar soluções.
“Fala-se de corrupção, das empresas do A e do B, da saúde… Parece que a educação não é uma prioridade, e é", afirma Mário Nogueira.
João Ruivo, professor universitário especialista em Políticas Educativas, aponta como um dos motivos a incompatibilidade entre os calendários da política e da educação.
"Só se fazem sentir os efeitos das medidas que são tomadas para a educação a médio e a longo prazo, o que não se compagina com os calendário dos políticos, que normalmente são de curto prazo."
Para combater o problema que domina as discussões na área da educação, é preciso ir ao centro da questão - a formação de professores.
A formação
"Os professores que vão estar nas escolas daqui a 10 anos, ainda não começaram a ser formados. E os professores que estão nas escolas neste momento, já lá não estarão daqui a 10 anos. Há um buraco negro terrível", diz João Ruivo
Com a implementação do Processo de Bolonha em 2006, a formação de professores foi alterada em Portugal. Neste momento, para se ser professor é necessário fazer uma licenciatura em educação básica, que mais tarde dá acesso a um mestrado numa área específica. Para o especialista, João Ruivo, esta é uma das questões que "tem que ser altamente revista".
"Está perfeitamente desatualizada no que respeita às necessidades dos alunos, à evolução tecnológica, à globalização da economia e das tecnologias. Nós podemos formar os 30 mil professores que dizem que faltam nos próximos anos, mas se os formarmos no atual sistema, estamos a formar professores incompetentes."
Mas depois da formação, os problemas continuam.
"Os professores que vão estar nas escolas daqui a 10 anos, ainda não começaram a ser formados. E os professores que estão nas escolas neste momento, já lá não estarão daqui a 10 anos. Há um buraco negro terrível"
Os primeiros anos de carreira
"Nos primeiros 15/20 anos, que é quando os professores são colocados mais longe da sua área de residência, os valores são tão baixos, ou o custo de vida é tão alto, que pagar a habitação é um problema", aponta Mário Nogueira.
Um docente contratado pode ganhar cerca de 1100 a 1300 euros brutos mensais. A progressão na carreira é lenta, podendo demorar até 34 anos para atingir o topo salarial, com aumentos significativos apenas após 15 anos de serviço.
Nos últimos seis anos, cerca de 15 mil professores, essencialmente jovens, abandonaram a profissão por considerarem que as condições de trabalho, a carreira e o salário não eram compatíveis com aquela que é a responsabilidade.
"Nós falamos de professores jovens, mas são pessoas com 40 anos. Abaixo disso são muito poucos, porque durante anos houve muito poucos jovens a escolherem os cursos de professores", diz o secretário-geral da FENPROF.
Já João Ruivo, considera que os sindicatos não ajudaram com um contributo positivo para a imagem da educação.
"Existe uma visão miserabilista que afugenta os jovens da profissão, quando eu garanto que neste momento a profissão docente é a única que garante emprego a quem a tirar nos próximos anos."
Que soluções apresentam os partidos?
O atual ministro da Educação, Fernando Alexandre, identificou a revisão da carreira como uma das necessidades de valorização da profissão. No entanto, o programa da AD prevê o início da revisão do Estatuto da Carreira Docente para depois de 2027, altura em que termina a recuperação do tempo de serviço.
Para os professores, prevê ainda "desburocratizar" o trabalho, dando-lhes "autonomia, autoridade e melhores condições para ensinar".
A AD quer também melhorar o sistema de colocação dos professores, garantindo "equidade, adaptabilidade e eficiência".
Já o Partido Socialista, quer promover o aumento do número de vagas em cursos de formação no ensino superior e reduzir o "hiato entre os índices remuneratórios da base e os índices mais altos".
Quer também rever os critérios de reposicionamento na carreira docente, para corrigir as ultrapassagens na progressão e assegurar a contabilização de todo o tempo de serviço.
O PS quer ainda apoios para a deslocação dos professores e remunerar os professores estagiários.
"Existe uma visão miserabilista que afugenta os jovens da profissão, quando eu garanto que neste momento a profissão docente é a única que garante emprego a quem a tirar nos próximos anos."
Um problema que toca a todos
"Isto não é só um problema dos professores, é um problema das pessoas. Se não se melhorar a carreira, nós não vamos ter professores e cada vez a falta será maior e mais alunos irão ficando sem professores, pelo menos qualificados, ao longo do ano", afirma Mário Nogueira.
O secretário-geral da FENPROF acredita que para resolver o problema da falta de professores seria "indispensável" encurtar a carreira.
Segundo o relatório "Education at a Glance 2022" da OCDE, os docentes portugueses necessitam, em média, de 39 anos de serviço e atingem o último escalão remuneratório aos 62 anos de idade.
Em contraste, noutros países europeus, os professores atingem o topo da carreira em períodos significativamente mais curtos. Por exemplo, na Dinamarca, os docentes podem alcançar o escalão máximo por volta dos 35 anos de idade.
Mário Nogueira acredita que também é necessário corrigir a questão dos horários dos professores, uma vez que estes são marcados por "abusos e ilegalidades".
"Não há nenhum professor que trabalhe apenas as 35 horas semanais que estão na lei."
De acordo com um inquérito da FENPROF, os docentes do 2.º e 3.º ciclos e do ensino secundário trabalham, em média, 50 horas e 15 minutos por semana, dedicando tempo adicional a tarefas como preparação de aulas, correção de avaliações e cumprimento de obrigações administrativas .
Uma escola do século XIX
Apesar da falta de professores ser um dos maiores problemas dentro das escolas, não é o único. Da geografia da escola aos currículos de aprendizagem, João Ruivo considera que ainda há muitas mudanças a fazer.
"Nós temos uma escola típica do século XIXI. É aquilo a que se chama uma escola napoleónica, igual aos quartéis e aos hospitais - tem um corredor no meio, salas para a direita e para a esquerda."
O especialista acredita que é preciso ter um novo conceito de sala de aula e seguir o exemplo daquilo que tem resultado além fronteiras.
"A sala de aula é o sítio onde existe um aprendente e um formador. Pode ser na rua, no museu, onde for. As salas de aula autocarro, com os alunos sentados em silêncio, e o professor lá à frente a debitar matéria, já não existem em grande parte dos países da Europa."
"É fundamental os estágios profissionais dentro das escolas. É uma prática recorrente nos países nórdicos. Não é levar 20 indivíduos em excursão a visitar uma fábrica como quem vai em peregrinação a Santiago de Compostela. É preciso aprender com as boas experiências do ensino profissional."
Muita teoria, pouca prática
O modelo educativo português continua, em grande parte, centrado na transmissão de conhecimento teórico. A avaliação centrada em exames escritos e a memorização de conteúdos é muitas vezes vista como descontextualizada pelos especialistas.
É o caso de João Ruivo, que considera que falta adaptar o learning by doing, um conceito que defende a experimentação como método de aprendizagem, em Portugal.
"É fundamental os estágios profissionais dentro das escolas. É uma prática recorrente nos países nórdicos. Não é levar 20 indivíduos em excursão a visitar uma fábrica como quem vai em peregrinação a Santiago de Compostela. É preciso aprender com as boas experiências do ensino profissional."
Inclusão e ideologia
Num país onde a imigração é cada vez mais tema, existem também poucas iniciativas para a formação de professores em educação especial e inclusão, uma aposta em vários países europeus.
"Neste momento temos escolas onde se falam mais de 30 línguas. A Constituição diz que a escola é para todos. Tem que ser para todos no acesso, mas também no sucesso", diz o especialista, João Ruivo.
No entanto, esta é uma ideia que não é totalmente partilhada por todos os partidos, de acordo com os programas eleitorais.
O Chega classifica o multiculturalismo, juntamente com a ideologia de género, um "fundamentalismo progressista". O partido propõe ainda que a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento seja opcional, e com "neutralidade ideológica".
"Eu não conheço nenhum programa, e acho que os conheço todos, do ensino básico ou secundário, onde haja ideologia. Nós não podemos confundir formação ética e formação moral com formação ideológica. Há quem considere que falar sobre o nazismo e sobre os fascismos na Europa é ideologia. Temos pena, mas eles existiram."
*Edição por Ana Maria Pimentel
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