“[Que] não se trate estas situações como mais uma, sazonalmente, mas que se levem a sério. Infelizmente, nas vítimas de alguns tipos de crimes, nomeadamente destes, a sua forma de vitimização muitas vezes não é levada a sério e é questionada”, afirmou à agência Lusa o psicólogo e assessor técnico da APAV Daniel Cotrim.
Na semana passada vieram a público, através da partilha de testemunhos nas redes sociais, denúncias de casos de violação, abuso sexual e assédio no meio artístico, nomeadamente na área da música, em particular no jazz.
De acordo com o jornal Público, foram identificadas 79 queixas - “relativas a 18 pessoas sobretudo do meio musical, de crimes, do assédio sexual de menores à violação, passando pelo ‘stalking’ (perseguição) e ‘stealthing’ (não-utilização de preservativo sem consentimento do/a parceiro/a)” – em ‘emails’ de denúncia criados na sequência da acusação da DJ Liliana Cunha, conhecida no meio artístico como Tágide, contra o pianista de jazz João Pedro Coelho.
Para a APAV, “é importantíssimo isto vir à luz do dia. É fundamental as mulheres, os homens, as pessoas que sofrem este tipo de situações falarem sobre elas”.
“Mas é fundamental que se perceba o que acontece a seguir, qual é o verdadeiro andamento do ponto de vista da Justiça relativamente a estas questões. O que é que mudámos em Portugal do ponto de vista jurídico e legal. É bom, mas não chega apenas tornarmo-nos intolerantes a este tipo de situações”, disse Daniel Cotrim.
Para a APAV, é preciso “haver verdadeiros canais de denúncia e bem organizados” e que não desmotivem as vítimas a darem o passo de divulgarem o que lhes aconteceu.
“O que nós sabemos é que nalgumas situações em que existem canais de denúncia, estes podem não ser sentidos pelas vítimas como seguros, porque não sabem quem é que vai ver a sua denúncia ou queixa e isto é assustador para as vítimas”, alertou o psicólogo.
A APAV lembra que as organizações, empresas, instituições, escolas e outras entidades são obrigadas a ter códigos de conduta “que combatam o assédio, as formas de violência, o assédio moral”.
"Do ponto de vista das organizações, locais, instituições onde estas situações acontecem o que é que mudou? Que mecanismos passaram a existir que libertam as pessoas do medo da denúncia do medo da exposição, que só conseguem expor-se quando percebem que são mais de duas. E percebemos que são sempre muitas", sublinhou o psicólogo.
Para esta associação, é preciso ainda saber “o que é que o Estado vai fazer para apoiar as vítimas".
"Temos um crime ou formas de crime ou formas de vitimação que queremos legislar como crimes. O que é que o Estado vai fazer para apoiar as vítimas? Não chega dizer que isto é um crime, é preciso a fase seguinte", afirmou.
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