O estado do Espírito Santo, no Brasil, está localizado na região sudeste, a norte do Rio de Janeiro, a sul da Baía e ao lado de Minas Gerais. Possui uma das mais belas paisagens litorais do país. E é aí que se vivem dias de caos e violência extrema. Com a Polícia Militar do estado fora das ruas desde sexta-feira passada, as imagens que circulam pelas redes sociais não deixam ninguém indiferente.
O que transforma esta história numa espécie de novela de Jorge Amado, é a razão pela qual não há polícias nas ruas. As forças de segurança reclamam há anos melhores condições de trabalho e melhores salários, reivindicações que têm sido negadas por razões orçamentais. E, segundo a Constituição Federal do Brasil, os polícias não podem integrar movimentos de protesto nem fazer greve incorrendo numa pena de dois anos de prisão. Mas, em parte nenhuma diz que as mulheres ou familiares não o podem fazer por eles.
E é exatamente isso que está a acontecer no estado do Espírito Santo onde um conjunto de mulheres de membros da Polícia Militar se organizou através de um grupo no Facebook e no Whatsapp e decidiu bloquear a saída de veículos militares e de polícias dos locais onde estão instalados. Esposas e filhos bloqueiam as saídas dos quartéis, montam tendas de campismo para se protegerem da chuva, usam cadeiras de praia e se instalam de forma a impedir a circulação de veículos oficiais, ou mesmo apenas de polícias sem veículos. Nos cartazes que exibem está a principal motivação: reajuste salarial.
O Movimento das Famílias PMES, como é conhecido, impede assim, desde sexta-feira passada, a saída de polícias e, por inerência, o policiamento das ruas do Espírito Santo. Citado pela BBC Brasil, o major Rogério Fernandes Lima, presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Espírito Santo, dá conta da realidade da Policia Militar no estado: "Nosso soldado ganha por volta de 2.640 reais [cerca de 786 euros], mas a média nacional é 3.989 reais [cerca de 1188 euros]. Nossa defasagem salarial tem mais de 7 anos e nos últimos 3 anos não tivemos nem a revisão geral anual. As perdas que acumulamos em relação à inflação ultrapassam 43%", afirmou.
O Estado, que no passado teve a imagem ligada à violência, sobretudo na capital Vitória, regista uma média diária de quatro mortes por assassinato. Com as ruas sem policiamento, a criminalidade disparou neste final de semana, desde sábado foram registados 52 homicídios. Esses números fizeram com que seis centros comerciais da capital não abrissem as portas nesta segunda-feira. O transporte público também foi paralisado e a rede pública de ensino preferiu não funcionar.
Assaltos e crimes disparam em todo o estado
Filmagens mostram o momento em que assaltantes forçam as portas de diversas lojas em vários pontos das cidades atingidas. Num ato assustador, de contaminação da violência, populares se aproveitam e roubam os produtos também. Uma cena que lembra o caos vivido por Nova Iorque nos anos 1970 quando houve a queda de energia que durou horas e gerou a mais assustadora onde de violência daquela cidade.
Grande parte das lojas em várias cidades do Espírito Santo estavam fechadas por terem sido saqueadas durante a madrugada de domingo para segunda-feira ou por precaução. Foram assaltadas novamente.
Com o estado mergulhado no caos, o governador em exercício do estado, César Colnago - o titular do cargo, Paulo Hartung (do PMDB, o partido do presidente Temer) está internado em São Paulo- pediu ajuda ao governo federal. 200 militares da Força Nacional de Segurança, do Exército, chegaram na noite desta segunda-feira e foram recebidos aos aplausos por uma população refém da impotência. Ainda serão enviados outros 1000 militares do exército.
Os criminosos, no entanto, não recuaram, nem mesmo com a chegada das forças federais. Durante a noite de segunda-feira, atacaram e saquearam mais lojas no centro de Vitória.
André Garcia, Secretário de Segurança do Estado vem repetindo ao longo desses dias que a população não pode ficar refém dos interesses corporativos. “É um absurdo que os polícias permitam que a segurança seja banalizada no Espírito Santo”.
Para o juiz que declarou o “movimento ilegal”e ordenou o regresso imediato ao serviço sob pena de multas diárias impostas às respectivas associações de polícias, trata-se de uma “greve branca”, uma vez que os policiais são proibidos de entrar em greve segundo a Constituição Federal.
Melhores condições de trabalho, reajuste salarial, pagamentos adicionais pela jornada noturna e subsídio de risco fazem parte da lista de reivindicações do movimento de protesto dos polícias. O presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM naquele Estado, Renato Martins, disse que o reajuste solicitado é de 65% dividido por um ano.
Com a economia brasileira estagnada e uma grande crise nas contas públicas dos estados, os governadores foram pedir dinheiro para o governo federal. O governo do Espírito Santo disse que não se endividaria mais e, ao contrário, cortou gastos de maneira contundente. “O problema não é a dívida, mas os gastos com folha de pessoal e inativos. A receita não acompanha essas despesas”, explicou o governador Hartung.
Uma de suas medidas de corte foi a suspensão de reajustes para os funcionários públicos, que já tem dois anos. Com a escalada da inflação, os salários sem reajustes sofreram a corrosão dos valores reais. Essa medida tirou o estado do Espírito Santo de uma situação deficitária para ser um dos poucos no Brasil com superávit em suas contas. Os demais estados não fazem isso por saberem que o custo político é inevitavelmente negativo.
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