Augusto Santos Silva falava numa audição na Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, na sequência de um requerimento apresentado pelo Partido Social Democrata (PSD) sobre a partilha de dados pessoais de manifestantes pela Câmara Municipal de Lisboa com autoridades estrangeiras.
“Espero que as autoridades russas cumpram e apaguem os dados. Falei com o embaixador da Rússia em Portugal [Mikhail Kamynin] e a avaliação é que não é necessária nenhuma medida”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros português.
A 11 deste mês, em Ponta Delgada, nos Açores, Mikhail Kamynin indicou que a embaixada eliminou os dados dos manifestantes do protesto contra o governo de Putin realizado em Lisboa, frisando que as informações não foram transmitidas a Moscovo.
“Se fôssemos conservar esses dados, iríamos ter uma biblioteca de dados. Por isso repito: não conservámos, não mandámos a Moscovo, porque isso não interessa, são umas coisas minúsculas que passam”, declarou Kamynin.
Hoje, Santos Silva garantiu que não houve qualquer incidente diplomático e que o “erro” da edilidade lisboeta já foi corrigido, tendo referido, sem nomear, que existem casos, “raros”, de “pressões de países” para que Portugal proíba a realização de manifestações.
“Portugal é um país livre. Há pressões de países para evitar manifestações. São práticas raras, mas acontecem. Mas quem faz a avaliação somos nós, pois Portugal tem uma natureza democrática”, afirmou Santos Silva, lembrando que o país tem relações diplomáticas com todos os Estados do mundo, à exceção da Síria e da Coreia do Norte.
“O Ministério dos Negócios Estrangeiros não tem, por isso, nada mais a dizer sobre o assunto. Fez as diligências necessárias e não havia necessidade de nenhuma de cariz diplomático”, referiu.
A audição requerida pelo Partido Social Democrata (PSD) foi considerada “insólita” pelo deputado socialista José Mendes, que argumentou não ser um assunto para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e que o próprio presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, já esteve presente numa iniciativa idêntica “em que reconheceu a gravidade dos factos e deu a cara”.
A audição com Medina, solicitada pelo PSD e pelo Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) decorreu a 24 deste mês numa reunião conjunta das comissões parlamentares de Assuntos Constitucionais e Negócios Estrangeiros.
Na resposta, o social-democrata Nuno Miguel Carvalho lembrou que o requerimento foi apresentado há bastante tempo e considerou que a agenda do ministro dos Negócios Estrangeiros português inviabilizou a realização da audição mais cedo.
Por sua vez, Santos Silva lembrou que, na semana passada, foram várias as reuniões internacionais em que teve de participar, no quadro da Presidência Portuguesa da União Europeia (UE) e de outras instituições.
Os requerimentos para ouvir o presidente da autarquia lisboeta surgiram dias depois de ter sido tornado público que o município fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.
Quando o caso foi noticiado, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa pediu "desculpas públicas" pela partilha desses dados, assumindo que foi "um erro lamentável que não podia ter acontecido", mas originou uma série de protestos, da Amnistia Internacional aos partidos políticos.
Em 2018, entrou em vigor o novo Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), mas, no “esforço substancial de adaptação” do município, o procedimento de tramitação de avisos de manifestações “não sofreu adaptações”.
Segundo as conclusões de uma auditoria da CML, desde 2012 foram comunicadas à Câmara de Lisboa 7.045 manifestações.
“No total, foram remetidas 180 comunicações de realização de manifestação junto de embaixadas, 122 anteriores à entrada em vigor do RGPD e 58 após. Depois da entrada em vigor do RGPD, ou seja, para o período de maio de 2018 a maio de 2021, foram considerados como tendo sido enviados dados pessoais em 52 dos processos”, lê-se no documento.
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