Em entrevista à Lusa a propósito do Dia Internacional do Animal Abandonado, que se assinala hoje, Jorge Cid disse que faltou sensibilização e informação na implementação da lei que entrou em vigor a 01 de outubro de 2014 e que prevê penas de prisão para “quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia”.
“Na implementação da lei tem de haver uma certa sensibilidade, mas [a medida] entrou em vigor sem haver uma prévia sensibilização das pessoas, o que teve efeitos contraproducentes. Temos a sensação de que realmente houve casos de abandono com medo de penalizações”, disse o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), Jorge Cid.
A nova lei devia, do ponto de vista do bastonário, ter sido acompanhada de informação que explicasse aos donos ou tutores de animais as suas implicações, quais os seus deveres para com os animais, e não por um discurso que provocou o medo de penalizações.
Isto levou o bastonário a reunir-se com forças de segurança para pedir bom senso, mais sensibilidade e menos repressão na aplicação da nova lei.
“Às vezes as pessoas tendem a chegar a extremos sem se perceber se a pessoa é culpada e se sabe que está a fazer mal. Condena-se toda a gente por tudo, sobretudo nas redes sociais. Tratar um animal num apartamento em Lisboa é diferente de tratar um animal de guarda, ou de rebanho, num ambiente rural. Todos eles são animais. Todos têm de ser bem tratados, mas todos devem ser enquadrados no seu ambiente. Há que ter bom senso na aplicação da lei”, disse o bastonário.
De acordo com os dados oficiais, referentes aos animais recolhidos pelos Centros de Recolha Oficiais (CRO), os canis e gatis municipais acolheram, em 2016, um total de 33.433 animais (25.765 cães e 7.668 gatos), mais 3.241 do que em 2015.
Nos primeiros seis meses deste ano houve um ligeiro decréscimo relativamente ao ano passado, tendo sido recolhidos 12.967 animais (10.097 cães e 2.870 gatos), “um número exageradíssimo ainda para um país que se quer sensibilizado e com uma cultura a um nível europeu”.
Ainda assim, Jorge Cid diz que a sua perceção é de que as pessoas estão a tratar cada vez melhor os seus animais, considerando que todas as leis que têm saído sobre a matéria “são positivas”, deixando, no entanto, críticas à sua operacionalização, sobretudo a lei que proíbe o abate.
Para Jorge Cid, o levantamento pedido, em abril deste ano, pelo Governo sobre o estado dos canis e gatis municipais devia ter acompanhado a entrada em vigor da lei, em 2016, senão mesmo antecipado, garantindo atempadamente as condições para o cumprimento da lei, que prevê a proibição total de abate em canis e gatis em setembro de 2018.
O Orçamento do Estado para 2017 prevê um investimento de um milhão de euros para construção e reconstrução de CRO.
“Não vejo investimento nenhum, apenas casos pontuais, de autarquias que têm mais preocupação e disponibilidade de verbas. Faz-se a lei, mas depois não se diz o que se vai fazer para que essa lei seja cumprida”, criticou o bastonário, que alertou para a sobrelotação dos CRO e a incapacidade de acolherem mais animais.
Reconhecendo o elevado nível de endividamento de muitas autarquias e os custos associados à construção e manutenção de CRO, que terão que garantir instalações veterinárias adequadas para cirurgias de esterilização, a OMV propôs aos municípios uma parceria que prevê protocolos com clínicas veterinárias, a preços tabelados e reduzidos, para garantir esses procedimentos com a qualidade e segurança exigíveis.
“Há apenas meia dúzia de municípios que já mostraram interesse e já estamos a fazer protocolos com eles. Outros nem responderam. Isso surpreendeu-me, porque me parece que há uma falta de perceção por parte dos autarcas da mais-valia deste projeto. Era uma maneira de as autarquias gastarem o mínimo possível por animal. É expectável que a cada ano haja menos animais. Não parece sensato que seja investido muito dinheiro numa área que futuramente não vai ter tanta aplicação. Isto era uma maneira de cumprirem a lei sem grandes investimentos”, disse.
“Isto fica mais barato a qualquer autarquia do que estarem a fazer uma estrutura própria. Mas neste país nem sempre as coisas são feitas com bom senso”, concluiu.
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