Três investigadoras que passaram pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra denunciaram situações de assédio num capítulo do livro intitulado “Má conduta sexual na Academia – Para uma Ética de Cuidado na Universidade”, o que levou a que os investigadores Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins acabassem suspensos de todos os cargos que ocupavam no CES, em abril de 2023.

O CES acabou por criar, uns meses depois, uma comissão independente para averiguar as denúncias, tendo divulgado o seu relatório quase um ano depois, em 13 de março de 2024, que confirmou a existência de padrões de conduta de abuso de poder e assédio, por parte de pessoas em posições hierarquicamente superiores, sem especificar nomes.

De acordo com o relatório então divulgado, à comissão independente foram denunciadas 14 pessoas, por 32 denunciantes, num total de 78 denúncias.

Hoje, o sociólogo Boaventura Sousa Santos anunciou que renunciou ao título de diretor emérito do CES da Universidade de Coimbra, do qual é sócio fundador.

O que disse sobre este caso?

“Hoje dei o passo mais complicado de toda a minha carreira, mas dou-o com firmeza e com a convicção de que é o mais correto: hoje apresento a minha demissão de associado e diretor emérito do Centro de Estudos Sociais, que fundei. Longe de ser uma derrota, vejo-a como uma libertação, porque as más artes da direção podem ter um efeito irreparável”, referiu.

Numa carta, o investigador afirmou ser objeto, há 18 meses, de um duro processo de acusações infundadas contra o seu bom trabalho profissional.

“Desde o início deste processo flagrante contra mim, tornou-se cada vez mais claro que foi orquestrado pela direção do CES e que o seu único objetivo é político. Desde a direção do CES, houve uma clara predeterminação de todas as ações destinadas a exonerar qualquer má prática do centro e a fazer recair a responsabilidade sobre o fundador, ou seja, sobre mim”, alegou ainda.

Boaventura Sousa Santos garantiu que, desde o primeiro minuto da investigação, tentou sempre colaborar com os processos de esclarecimento, tentando “evitar os circos mediáticos” e fazer deste um processo “justo para todas as partes”.

“Para isso é fundamental saber de que sou acusado, razão pela qual solicitei o acesso à documentação pertinente para poder exercer a minha devida defesa, por todos os meios possíveis. Não só a direção do CES mentiu sobre a minha posição, como me negou repetidamente o acesso a qualquer documentação que me permitisse compreender, de uma vez por todas, o que é que me é imputado e do que é que tenho de me defender”.

Na nota, o sociólogo diz ainda ter recebido, nos últimos dias, “ameaças que são inaceitáveis e que conduziram a este desfecho”.

“O que deveria ser um processo justo, em que uma pessoa sujeita a acusações recebe informações concretas que pode verificar, transformou-se num processo inquisitorial”, acrescentou.

Boaventura aludiu ainda ao resultado da comissão de inquérito, que diz não determinar qualquer responsabilidade direta sobre si, mas que levou a direção do CES a iniciar “uma perseguição”, através de uma “duvidosa iniciativa privada de investigação confiada a advogados, sem quaisquer garantias, sem permitir o acesso às provas ou aos dados existentes e aplicando técnicas contrárias ao Estado de Direito e típicas do direito penal do inimigo”.

Para Boaventura, o inquérito “sobrepôs-se de forma parcial, interesseira e arbitrária” aos inquéritos penais e civis instaurados, sem lhe ser dada possibilidade de defesa.

“Esta situação pode conduzir a responsabilidades penais e civis evidentes por parte da direção do CES e dos próprios investigadores privados, que devem ser levados a tribunal imediatamente”, concluiu.

Quais as últimas notícias que saíram sobre o caso? 

O investigador Boaventura de Sousa Santos anunciou, no final de setembro, que intentou uma ação cível para tutela da personalidade no Tribunal de Coimbra, com a qual procura assegurar a proteção do seu bom nome e honra, face às acusações do coletivo de mulheres.

A 15 de novembro, o julgamento no qual Boaventura de Sousa Santos procurava assegurar a proteção do seu bom nome e honra, face às acusações do coletivo de mulheres, foi suspenso.

De acordo com João Correia, advogado de Boaventura de Sousa Santos, o julgamento só iria retomar dentro de dias, uma vez que a parte contrária teria “alguns dias para oferecer documentos”, ficando depois com “alguns dias para responder”.

“Não tem nada de extraordinário em termos de tramitação”, referiu, confirmando ainda aos jornalistas que o investigador não marcou presença na primeira sessão porque a lei não o exige.

E as vítimas, o que têm dito nos últimos tempos?

Em outubro, o grupo de mulheres acionou uma campanha de recolha de fundos para financiar as despesas legais das alegadas vítimas de assédio no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que já juntou mais de 7 mil euros.

Intitulada Academia Sem Assédio - Fundo de Apoio Jurídico para Vítimas no CES, esta campanha foi criada para “financiar as despesas legais das vítimas, garantindo condições de enfrentarem o sistema de justiça no acompanhamento das denúncias”.

“O mais urgente agora é garantir assistência jurídica às vítimas que estão sendo processadas por Boaventura de Sousa Santos, por terem cobrado medidas contra o assédio que sofreram por anos”, lia-se numa nota enviada à agência Lusa.

A campanha está em curso em https://gofund.me/952d0d9c, contando até ao momento com 151 doações.

*Com Lusa