Ao mesmo tempo, há “forças cada vez mais importantes” a pedir um segundo referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) e, embora Lobo Antunes considere que “as condições [políticas] não estão reunidas neste momento”, admite que tem hoje “mais incerteza” do que “há um ano” e não pode, por isso, afirmar “tão perentoriamente” que não haverá uma segunda consulta ao povo britânico.

“Julgo que há aqui, neste momento, uma grande expectativa entre conseguir um acordo de saída e o que começa a ser também um calendário apertado”, disse o embaixador, evocando a data prevista para o ‘Brexit’, 29 de março de 2019, em que “é suposto quer o acordo de saída, quer a declaração sobre a relação futura, estarem acordados e já ratificados pelo Parlamento Europeu e pelo Parlamento britânico”.

“Estamos num período de pausa e reflexão, enquanto as negociações prosseguem em Bruxelas […] Depois veremos, quando [a primeira-ministra britânica, Theresa] May trouxer um acordo, se trouxer acordo, como é que as forças mais antagónicas em relação à UE e as forças mais pró-europeias reagirão a esse acordo e, sobretudo, se o Parlamento efetivamente o aprova”.

Para Lobo Antunes, “esse pode ser o risco”, porque o Parlamento “está de tal forma dividido em tendências, que pode não haver, para nenhuma solução, uma maioria que faça aprovar uma qualquer solução na Câmara dos Comuns”.

“E isso criaria naturalmente um impasse, esse sim, um impasse político complicado”, disse o embaixador, que foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus (2006-2008) e representante permanente de Portugal junto da UE (2008-2012).

Nesta altura, explicou Lobo Antunes, há “uma aritmética parlamentar” em que, perante vários cenários, “uns [parlamentares] votam um cenário, mas não votam outro, outros ainda votam no primeiro, mas depois não votam naquele”.

Mas, afirmou, “também há da parte do Governo [britânico] a confiança de que, numa situação dessas, o interesse do país, que será o interesse de celebrar um acordo, prevaleça sobre questões partidárias ou particulares”: “Isto é, um acordo perfeito não é possível, é melhor ter o acordo possível que um não-acordo. E que nesta base o Parlamento o possa aprovar”, explicou.

Ao mesmo tempo, disse, “continua a haver forças cada vez mais importantes que desejam um segundo referendo e que desejam que a palavra final seja dada ao povo britânico”.

O embaixador citou nomeadamente um artigo de opinião publicado no domingo por Tony Blair no jornal The Observer, em que o ex-primeiro-ministro trabalhista britânico “diz muito claramente que o Parlamento britânico deve rejeitar qualquer acordo que May obtenha em Bruxelas e que o povo se deve pronunciar sobre se, sim ou não, quer ficar na UE”, porque, segundo Blair, “qualquer acordo que o Governo obtenha é sempre pior do que o Reino Unido ficar na UE”.

“Eu continuo a pensar que as condições não estão reunidas neste momento, mas também digo muito francamente que hoje em dia tenho mais incerteza sobre o que é que vai acontecer desse ponto de vista do que aqui há um ano, em que eu estava muito certo de que não haveria [segundo] referendo”, disse Lobo Antunes.

“Hoje em dia, continuo a achar que não há condições, mas já não o afirmo tão perentoriamente”, salientou.

As dúvidas de Lobo Antunes prendem-se nomeadamente com o facto de “figuras importantes do Governo e ministros importantes do Governo” terem dito “que a realização de um segundo referendo seria um golpe sério na democracia britânica, uma vez que o povo tinha votado já, tinha dito claramente o que queria, e portanto seriam os partidos políticos, o sistema político, a pôr em causa quer a legitimidade do voto quer o desejo dos eleitores”.

Nesse sentido, afirmam os que estão contra um segundo referendo, “politicamente isso seria muito perigoso para a própria estabilidade política do Reino Unido”.

“Eu continuo otimista, acho que há todas as razões para haver um acordo. É do interesse do Reino Unido, é do interesse da UE, não é certamente do interesse de ninguém uma rutura e uma desistência, digamos, de nenhum dos blocos em relação ao outro”, afirmou o embaixador.

“O Reino Unido precisa da UE, claro, […] e as autoridades britânicas estão conscientes disso. Do mesmo modo, também para nós é importante que esta relação, que será uma relação diferente, porque o Reino Unido estará fora da UE e, portanto, fora do mercado interno e de outros aspetos importantes do quadro regulatório da UE, e haverá, naturalmente, consequências desse facto”, sustentou.

“Mas o objetivo aqui é reduzir tanto quanto possível, essas consequências mais nefastas e manter, tanto quanto possível, a ambição e o nível de cooperação que hoje em dia existe. Veremos se isto é possível. Estou confiante que será, mas temos de esperar”, disse.

As negociações entre o Reino Unido e a UE estão numa fase decisiva e, apesar de oficialmente não haver informação sobre progressos, nomeadamente quanto à difícil questão da fronteira entre a província britânica da Irlanda do Norte e a República da Irlanda, membro da UE, a possibilidade de um acordo nos próximos dias ou semanas tem sido admitida por fontes próximas da negociação citadas na imprensa britânica.

Mas as hipóteses de um eventual acordo ser alcançado são ensombradas pela possibilidade de um “chumbo” no Parlamento britânico, cuja aprovação do acordo é condição essencial.

Segundo a imprensa britânica, a Comissão Europeia pode anunciar esta semana uma cimeira especial sobre o ‘Brexit’ para 15 ou 22 de novembro, e um eventual acordo seria votado na Câmara dos Comuns em dezembro.