A história é quase sempre a mesma: um SMS a dizer que há uma fatura em atraso e que para evitar o corte o pagamento deve ser regularizado. Depois, as referências Multibanco do costume. Os montantes são geralmente elevados e o número da entidade não é o da empresa em causa, mas sim do burlão.
Margarida Viana apanhou um susto quando recebeu uma mensagem da EDP Comercial. "Era de madrugada, passava das quatro da manhã, mas não achei muito estranho, porque podia estar programada pelo sistema". Ou pagava até ao meio dia os valores em dívida, ou cortavam a luz.
Felizmente, no dia seguinte, dirigiu-se a uma loja da EDP para esclarecer o assunto. "Fui à loja de Algés, a rapariga consultou a minha ficha e verificou que eu não devia nada. O valor era exorbitante, mais de 186 euros", conta.
A funcionária acabaria por pedir para ver a mensagem e, nessa altura, tudo se tornou claro: "O número desta entidade, 11249, não pertence à EDP", disse. Todos os pagamentos à companhia de electricidade através de referência MB são feitos para as entidades indicadas pela empresa no seu site: 12223, 23013, 21196 ou 20174. Cada entidade tem o seu número associado e é fácil saber qual é.
Além disso, o remetente da mensagem nunca pode ser um número de telemóvel, estrangeiro ou nacional, mas sim a EDPC (EDP Comercial). No caso apresentado conseguimos saber que o número do remetente está registado em nome de Ana Sousa, mas também este dado pode ser de fachada.
Se ainda assim tiver dúvidas, antes de efectuar qualquer pagamento deve contactar a entidade em questão, neste caso a EDP, através de telefone (213 53 53 53) ou de uma loja física.
Margarida Viana partilhou a experiência num grupo de amigas no WhatsApp e logo vieram histórias semelhantes, algumas usando o nome da EDP, outras o da Vodafone. Algumas vezes a pessoa alvo da tentativa de burla nem sequer é cliente da empresa. Em qualquer dos casos os procedimentos devem ser iguais.
DECO recebeu mais de 300 denúncias
A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) recebeu mais de 300 denúncias de burla nos últimos meses. Diogo Martins, jurista do gabinete de apoio ao cliente, diz que o meio mais utilizado é o SMS, mas lembra que também há burlas por email ou até através de chamada de voz.
A burla mais comum é aquela em que é solicitado o pagamento de uma fatura em atraso e indicada uma entidade, uma referência e um valor. "Geralmente, referem-se a serviços públicos essenciais, como a água, a eletricidade ou o gás", explica o jurista, o que leva a pessoas a agir imediatamente e sem pensar.
Por exemplo, quando são emails, o burlão pode usar o logotipo da empresa em causa, muitas vezes cópias quase perfeitas. No entanto, uma leitura mais atenta permite detetar vários erros que, na pressa, as pessoas deixam passar. "O valor da sua fatura não foi debitada" é um exemplo. Mesmo o tipo de linguagem não é o geralmente utilizado pelo prestador de serviços verdadeiro.
EDP, Galp e outras empresas enviam sempre a fatura através de um anexo em formato pdf e não disponibilizam no email qualquer link para consultar essa fatura.
Mas há outros esquemas, como dizer ao "cliente" que tem valores a receber. O reembolso de dinheiro é possível, muitas vezes as empresas têm de devolver valores depois e efetuarem acertos de contas, por exemplo, de quem paga por estimativa e não por consumo real. No entanto, nestes casos, nunca a companhia pede o número do cartão de crédito e a data de validade, bastando o IBAN para realizar um débito direto.
"Estamos perante uma prática criminal, uma burla", pelo que "o consumidor deve sempre apresentar queixa", aconselha Diogo Martins. Hoje estão disponíveis diversos mecanismos de denúncia, nomeadamente online. A queixa electrónica é um deles. Se preferir, também pode apresentar uma denúncia anónima no site da Polícia Judiciária ou usar o Portal da Queixa.
A DECO é outra hipótese. A associação tem um protocolo com o Ministério Público e denuncia as situações que lhe são reportadas junto desta instância. "Outra coisa que fazemos é denunciar a situação junto da entidade envolvida ou em nome da qual a burla está a ser feita", adianta o jurista. O resultado é que a empresa emite um alerta para todos os clientes.
Em todo o caso, a informação recebida, por SMS, email ou qualquer outro meio, não deve ser apagada, pois além de servir como prova, tem dados muitas vezes importantes para o Ministério Público poder prosseguir a sua investigação. "Aconselhamos sempre as pessoas a guardarem as mensagens, nem que seja através de uma fotografia. Aqui o que interessa é ser prático", diz Diogo Martins.
Há cada vez mais lojas fictícias online
Mas há outras burlas a correr na Internet, muitas através das redes sociais que, invariavelmente, usam cópias dos sites verdadeiros para enganar os mais distraídos. O Lidl tem sido um dos alvos preferidos e tem no seu sítio um aviso de campanhas fraudulentas.
Mas isso, claro, não evita que os burlões continuem a tentar. Por estes dias corre uma campanha que oferece aos clientes da marca: "Se nasceste entre 1965-1966! Temos uma surpresa para ti". E, de facto, têm uma surpresa, mas não é um presente e é desagradável. Na informação prestada pode ler-se que "a Lidl" foi "fundada em 1965 e 1966" e como forma de agradecimento está a "oferecer vouchers gratuitos" e "limitados" no valor de 2.500 euros.
Um olhar mais atento poderia detetar diversos erros, desde logo o endereço do site, que não é www.lidl.pt, como seria de esperar, ou alguns erros fatuais: o Lidl nasceu em 1930 e esta informação é fácil e rápida de confirmar.
Mas há outra burla a crescer. "Existe uma proliferação de empresas online de venda de eletrodomésticos ou equipamentos eletrónicos", avança Diogo Martins. As pessoas compram bens "que nunca vão receber". "Estas empresas são mesmo fraudulentas, apresentam moradas de fachada, que não existem", diz o jurista. Além de não entregarem o produto, a empresa não devolve o dinheiro.
Uma vez mais, a DECO denuncia as situações que lhe chegam ao Ministério Público e também à ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica. O pior é que os sites ficam em baixo mas, mais tarde ou mais cedo, voltam a ser reativados, com o mesmo ou outro nome.
"O problema aqui é que falamos geralmente de valores relativamente baixos, e as pessoas optam por não avançar com uma queixa, porque não têm conhecimento que existem tribunais de arbitragem específicos para tratar deste tipo de conflitos, muitas vezes de forma gratuita, e acabam por desistir de qualquer ação", afirma Diogo Martins. E deixa um conselho: "Denunciar sempre" é o melhor remédio.
Comentários