"Em cinco anos pomos o primeiro avião a aterrar em Santarém". Quem o garante é Carlos Brazão, promotor do consórcio Magellan 500, que há algumas semanas apresentou à Comissão Técnica Independente "um cronograma" do novo aeroporto, "um aeroporto 5.0". "Ainda vamos a tempo do Mundial 2030", diz.

Estão aí os 'teslas' dos ares. Na próxima década já vamos voar em aviões elétricos

Acredita que a decisão sobre a localização do novo aeroporto será técnica ou política?

Acreditamos que os estudos são sérios, porque estão a ser feitos por uma Comissão Técnica Independente. Já foi público que a CTI vai fazer uma avaliação das alternativas e deixar ao poder político a decisão final. O projeto de um aeroporto, como aprendemos ao longo destes quatro anos, é incrivelmente técnico e de uma enorme complexidade e rigor.

O governo anunciou entretanto a privatização da TAP. O consórcio poderá concorrer?

O consórcio foi constituído para o aeroporto e ponto final. O que dizemos é que um projeto como este valoriza muito a TAP, porque permite a quem comprar a companhia ter um plano de negócio para fazê-la crescer.

Portugal, pela sua localização geográfica, tem um enorme potencial no tráfego transatlântico, porque é a única plataforma que permite um voo de ida e volta por dia e, muitas vezes, o mesmo avião ainda faz uma perninha de ida e volta na Europa.

Por exemplo, um avião que parte de Barajas para um voo transatlântico quando passa por aqui já gastou 45 minutos de combustível e de tempo da tripulação. Quando parte de Barcelona já gastou mais de uma hora, duas quando parte de Paris.

E permite fazer voos a partir de Portugal com os Airbus A321LR e A321XLR, os novos aviões pequenos de longo alcance, para as Caraíbas, Brasil quase até São Paulo ou Rio, Estados Unidos até ao Midwest. É fácil perceber que quem comprar a TAP poderá criar um plano de negócio para fazê-la crescer.

Isso quer dizer que a TAP tem sido mal gerida?

Bem, neste momento, mesmo que quisessem não conseguiam, porque não existe capacidade aeroportuária. Agora, uma TAP integrada num grande grupo, que capitalize as ligações e traga agregação de tráfego e de passageiros, pode ser muito maior do que é hoje. E, nesse contexto, faz sentido ser privatizada.

A TAP pode ter no máximo 90 a 100 aviões no Aeroporto Humberto Delgado. Mas, possivelmente, com a posição geográfica de Portugal, entre as Américas, África e a Europa, pode ser um hub transatlântico. Se houver um grupo que queira fazer a empresa crescer, não me custa acreditar que possa ter 150 ou 200 aviões.

A Portela esgotou, é preciso pensar numa alternativa. É disso que estamos a falar. Faltam uma média de 100 slots por dia, isso são 100 voos por dia que não se realizam, de acordo com dados libertados pela CTI. As companhias aéreas querem voar para Lisboa e não conseguem. Provavelmente faltam mais de 100 slots, mas como não há, as empresas deixam de pedir.

Se o projeto Magellan 500 for para a frente, quando esperam atingir o breakeven?

Decidimos não divulgar os números que fazem parte do plano de negócios, mas o payback é para demorar décadas. No entanto, não tem parado de melhorar, porque a recuperação do tráfego aéreo tem sido muito rápida. A indústria da aviação está a explodir. Os fabricantes de aviões têm dez a 12 mil aviões em carteira de encomendas; a Airbus tem oito mil e a Boeing tem mais de quatro mil. E ainda há mais dois grandes fabricantes, um chinês e a Embraer.

Prevê-se uma duplicação das frotas mundiais de aviões comerciais nos próximos 20 anos. Hoje há 23 a 24 mil aviões 'no ar', daqui a 20 anos prevê-se que haja 47 mil aviões a voar.

Isso choca com o combate às alterações climáticas, que envolve mudanças na mobilidade. Estamos a pensar numa forma menos poluente de viajar no futuro?

Isso preocupa a indústria toda, que também está a tentar encontrar soluções. A sustentabilidade e a aviação do futuro são outros dois pilares deste projeto. Em Novembro do ano passado contactámos as organizações ambientalistas todas em Portugal e partilhámos o projeto, exatamente para mostrar que está bem estudado também do ponto de vista ambiental.

Vêm aí os aviões elétricos, os teslas dos ares. Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 já vão contar com isso para o regional. Há 70 projetos de aviões elétricos em todo o mundo, alguns do quais já voam. A Boeing e a Airbus também têm projetos de aviões elétricos.

Quer a União Europeia, quer a ICAU têm objetivos até 2040 e 2050 para reduzir as emissões em quase 90%. Sou um pequeno acionista da Airbus, o maior fabricante do mundo, e sigo a empresa com atenção. A companhia anunciou os primeiros aviões elétricos para esta década. E já colocou um motor a hidrogénio num A380 de teste, espera ter os primeiros aviões a hidrogénio a voar a partir dos anos 30 [deste século]. A tecnologia para tanques em aviões a hidrogénio está avançada.

Os aeroportos do futuro também já incorporam essa lógica mais sustentável?

Grande parte dos aeroportos novos tem iniciativas estratégicas, por exemplo, para saber como metem lá hidrogénio. Desde o princípio que este projeto está pensado para a aviação daqui a 15 anos. Estamos a pensar em fontes de energia sustentável e nos aviões do futuro, os tais aviões elétricos de curto alcance regional, que têm previsões para ser sem piloto nos anos 30, autónomos.

Isso vai exigir um processo de adaptação dos aeroportos às novas tecnologias. Os aeroportos vão ter de pensar como poderão ter um pipeline a fazer chegar combustível aos aviões, um parque de tanques de hidrogénio. Além disso os aeroportos vão ter de ter uma ou duas linhas de muito alta tensão para fazer chegar energia para o funcionamento da infra-estrutura e para carregar diretamente as baterias de alguns aviões.

Sabendo que Lisboa tem mais de 400 mil habitantes num raio de cinco quilómetros, como é que se põe uma mega infra-estrutura de hidrogénio no Aeroporto Humberto Delgado? Vai ser difícil.

O que o liga à aviação?

Fiz a minha carreira toda nas tecnologias de informação. Sou uma avis rara neste meio, nem sequer sou engenheiro civil, sou engenheiro eletrotécnico. Mas tenho uma paixão pela aviação desde miúdo e posso comprovar isso porque ainda guardo em casa as revistas de aviação compradas nos anos 70, quando era adolescente, com o dinheiro da semanada.

Quando saí da Cisco Portugal estive numa fundação, onde fui administrador não executivo, mas, sobretudo, passei a ter tempo. E em 2019 comecei a perceber que os projetos para o novo aeroporto que estavam em cima da mesa têm bastantes desafios. E pensei: deve haver outras soluções. E há.

"Prevemos que a primeira fase, que permite começar a aliviar imediatamente o Aeroporto Humberto Delgado, esteja pronta em cinco anos, no pressuposto de haver um alinhamento entre todos os stakeholders, privados e públicos", adianta.

Para Carlos Brazão a "rapidez de implementação" é uma das vantagens de fazer o novo aeroporto em Santarém, mas há outras. "Este é um projeto de iniciativa privada, sem custos para o contribuinte. E que o poupa duplamente, porque as infraestruturas de acesso estão todas feitas".

A localização, "num planalto, 20 metros acima do nível de cheia máxima, essencialmente despovoado", entre Casével e São Vicente do Paúl, "não foi óbvia logo de início", mas "o sítio é fantástico". De um lado a A1, do outro a Linha do Norte, a quatro quilómetros uma da outra. "A Linha do Norte só precisa de melhorias na parte Sul, previstas no PNI20-30, e o ramal de acesso à A1 é um custo do projeto". Além disso, há mais quatro auto-estradas num raio de cinco a dez quilómetros: A8, A13, A15 e A23, explica.

E compara com Alcochete, que deverá custar 7,6 mil milhões de euros, 5 mil milhões saídos do Orçamento do Estado para pagar infraestruturas de acesso, como uma terceira travessia do Tejo (2,5 a 3 mil milhões) ou 61 quilómetros de ferrovia, num plano prevê que o aeroporto esteja operacional em 2035.

O Montijo, por seu lado, estaria pronto em quatro anos, mas apenas enquanto aeroporto complementar da Portela, não escalável e com capacidade para receber 17,4 milhões de passageiros. Além disso, ao contrário do que acontece em Santarém, onde as quatro autarquias envolvidas, mesmo sendo de partidos diferentes, chegaram a acordo, o Montijo não reuniu o consenso de todas as câmaras abrangidas.

"Uma das grandes vantagens do nosso projeto é que este é um aeroporto plug and play [ligar e usar]", diz, ou não fosse engenheiro eletrotécnico, ex-diretor-geral da Cisco Portugal. O funcionamento "não está dependente de nenhuma grande obra pública futura.

No centro de Lisboa em 30 minutos

Santarém fica a cerca de 80 quilómetros, mas "não é a distância que interessa, é o tempo que demora a chegar ao centro", diz o promotor do aeroporto. Todos os dias às 8h09 da manhã sai um Alfa Pendular da Estação do Oriente, que chega a Santarém às 8:38, demora 29 minutos.

Não é por acaso que o grupo Barraqueiro é um dos parceiros do consórcio. "Fomos nós que convidámos o grupo Barraqueiro a juntar-se a este projeto. Foi um processo de seleção lógico", diz Carlos Brazão. A Barraqueiro tem neste projeto um foco na mobilidade terrestre, que é o seu core business. E o novo aeroporto é um interface entre o transporte aéreo e a mobilidade terrestre, que também é um negócio: shuttles, comboios, autocarros.

O grupo privado português Barraqueiro é responsável por mais de 30 empresas no ramo dos transportes; opera com uma frota de mais de três mil veículos pesados, tem a concessão da linha ferroviária sobre o Tejo (Fertagus), do Metro Sul do Tejo (MTS) e Viaporto. E em 2021 constituiu a B-Rail, para oferecer serviços de comboio de passageiros.

No final do ano passado, a empresa manifestou à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) a vontade fazer 12 viagens por dia, ida e volta, no eixo Braga-Faro, em comboios de alta velocidade (até 330 km/h) a partir de Janeiro de 2029 e por um período de 27 anos.

"Temos 50 anos de vício de um aeroporto dentro da cidade, que é um aeroporto com acessos congestionados. Só para dar um exemplo, o Aeroporto de Heathrow fica a mais de uma hora de Londres por carro (mas menos de 20 minutos de comboio)", lembra Carlos Brazão.

O projeto representa na fase inicial um investimento de mil a 1,2 mil milhões de euros e prevê até dez milhões de passageiros. Depois entra na expansão, à medida que a procura aumentar. "O Magellan 500 distingue-se pela sua escalabilidade, podendo chegar a três pistas e mais de 100 milhões de passageiros em seis fases", explica Carlos Brazão.

Carlos Brazão
Carlos Brazão Carlos Brazão créditos: Pedro Santos

Quatro anos, se todos arregaçarem as mangas

"Quando apresentámos o Magellan 500 aos decisores públicos pusemos quatro condições. Uma delas é que para o projeto ir em frente tem de ser um PIN [Projeto de Interesse Nacional], para que todos os processo administrativos sejam acelerados, porque, por exemplo, é preciso mexer nos PDM [Plano Diretor Municipal] de quatro municípios", lembra Carlos Brazão.

Por outro lado, "é fundamental que o projeto tenha uma declaração de utilidade pública, que dá, por exemplo, o direito de expropriar. Qualquer projeto precisa disto. Se alguém não quiser vender um terreno, o Estado concede ao privado o direito para fazer a expropriação com carácer de urgência, o que permite tomar posse administrativa e resolver diferendos depois", explica.

"Se toda a gente arregaçar as mangas", diz o promotor do Magellan 500, "podemos até conseguir ter o aeroporto de Santarém em quatro anos. Mas é preciso desligar o complicómetro".

"Em três anos, desde 2019, desenvolvemos o projeto em total confidencialidade. Isto deu-nos o benefício de podermos desenvolver tudo com calma, sem entrar por atalhos. Estudámos tudo", assegura Carlos Brazão.

"Agora, isto traz-nos uma desvantagem, é que até setembro do ano passado nunca ninguém tinha ouvido falar neste projeto. E, como é normal nestes processos, primeiro estranha-se, depois entranha-se".

"O nosso plano é viável aconteça o que acontecer na Portela, essa é a beleza do projeto, não precisa que o Aeroporto Humberto Delgado feche para ser rentável. Claro que quanto menos tráfego tiver a Portela, mais terá Santarém", afirma Carlos Frazão, que recorda que para efeitos de plano de negócio "esticámos a Portela ao máximo, com 36 a 38 milhões de passageiros".

E se tudo falhar? "Respondo em meu nome pessoal: não é mau não ter sucesso, o que é mau é não ter tentado. Achamos que este projeto tem benefícios únicos, não vejo alternativa que não fosse avançar e tentar que aconteça", remata.