Em declarações à agência Lusa, o ilustrador Nuno Saraiva defendeu a criação de um "novo Zé Povinho, para movimentar as massas", afirmando que Bordalo Pinheiro (1846-1905) criou uma personagem "subserviente" que representa a figura mais infeliz da política portuguesa: o povo.

O Zé Povinho "hoje é diferente, tem dois carros, está zangado com tudo e mais alguma coisa, e vota no Chega", disse o ilustrador.

Já o cartoonista António Antunes considera que o Zé Povinho continua a representar o povo português: “Não somos assim tão diferentes”.

Para o cartoonista, o Zé Povinho “ainda ocupa um espaço no imaginário coletivo, que conseguiu resistir ao tempo e aos regimes”, opinião partilhada pela ilustradora e cartoonista Cristina Sampaio.

À Lusa, Cristina Sampaio afirmou que Bordalo Pinheiro “encontrou uma figura que sintetizou, na altura, o espírito do homem comum português, e a sua utilização por vários cartoonistas ao longo destes 150 anos faz dele uma figura perene”.

A cartoonista referiu ainda a presença assídua “em tascas e restaurantes do Zé Povinho a fazer o manguito”, acabando por fazer parte do imaginário nacional.

António Antunes argumentou mesmo que “não há outra alternativa, independente do estilo” de cada cartoonista, quando se quer representar o povo português, algo que Cristina Sampaio subscreve: “Quando queremos representar o cidadão comum, o povo português, recorremos a ele”.

Nuno Saraiva, por seu turno, afirmou que "a mestria" de Bordalo Pinheiro, "a forma como desenhou aquela figura bonacheirenta, redondinha, acabou por atrair os leitores".

Para Saraiva, "a obra gráfica do Bordalo Pinheiro deve ter criado um entusiasmo por parte dos outros desenhadores, que acharam que, finalmente, [havia] uma figura portuguesa em que o Zé Povinho se encaixa no imaginário do homem português da altura".

Cristina Sampaio – tal como Nuno Saraiva - estabeleceu paralelos entre o Zé Povinho e as personagens John Bull, representante dos ingleses, e o Tio Sam, dos norte-americanos.

A personagem Zé Povinho surgiu pela primeira vez no dia 12 de junho de 1875, nas páginas centrais do jornal A Lanterna Mágica, de Rafael Bordalo Pinheiro.

Saraiva lembrou os diferentes Zés Povinhos ao longo dos anos, desde “o Zé Povinho da I República [1910-1926], quase um herói pátrio com a bandeira nacional na mão, ao do Estado Novo [1926-1974], completamente desmaiado, e [que] regressa depois do 25 de Abril de 1974, com outra cor e outro tipo de carga nervosa, mais combativo, mais aberto, mais fresco".

Para Cristina Sampaio, o Zé Povinho era “a contestação e a ironia sobre os poderes instituídos, e nesse sentido, do protesto, da zanga, continua a ser uma forma de provocar a cidadania, como uma voz contrária aos poderes instituídos”.

Os três autores reconheceram já terem desenhado o Zé Povinho.

Nuno Saraiva desenhou-o " sempre em homenagem ao seu pai", mas procurou desenhá-lo de forma diferente, "e não aquele tipo bonacheirão", enquanto António Antunes não quis esquecer “o original”.

No âmbito do 150.º aniversário do Zé Povinho, o Museu Bordalo Pinheiro, em Lisboa, inaugura, a 21 de julho, a sua nova exposição permanente, que incluirá uma sala dedicada exclusivamente ao Zé Povinho.

Em novembro é inaugurada uma exposição temporária constituída por Zés Povinhos, desde o século XIX até à atualidade, com curadoria do ‘designer’ Jorge Silva.

Está também previsto, a colocação no ‘site’ do Museu Bordalo, a 12 de junho, de uma página dedicada aos 150 anos, expondo os resultados de uma investigação, e com várias galerias de imagens com Zés Povinhos, desde o século XIX, passando pela 1.ª República, o 25 de Abril, até à atualidade.

A coleção ‘online’ do Museu vai acolher 150 novas entradas relativas ao Zé Povinho.