Nasceu em Espinho, numa família que só tarde descobriu ser de classe média/baixa: foi quando aceitou um trabalhou em Lisboa, a ganhar um salário de 1500 euros, mais do que o do pai e da mãe juntos. "Nunca me faltou nada. Não ia passar férias ao Algarve, mas tinha uma praia fantástica, onde passava o Verão com os amigos".
Para Carlos Guimarães Pinto a vida foi uma sucessão de feliz coincidências. Na faculdade ganhou um gosto especial por viajar, quando no último ano do curso surgiu a oportunidade de ir dois meses para a Roménia, através de um estágio da União Europeia, ensinar a alunos do secundário o modo de funcionamento da UE. Ia uma pessoa de cada país, e foi assim que conheceu aquela que é hoje a sua mulher, vinda da Hungria.
Depois da experiência na Roménia, os dois decidiram procurar um sítio onde ambos pudessem trabalhar e, juntos, foram para a Índia, que nessa altura estava a recrutar muitos estrangeiros. Desta vez, seis meses. Só que a publicação pelo The Daily Telelegraph de uma capa sobre a fuga de dados das empresas de outsourcing levou os clientes. "Estávamos ali os dois, estagiários, numa empresa sem trabalho, aborrecidos, e pensámos que não podíamos passar os dois meses que restavam enfiados num escritório sem fazer nada". Foi quando souberam que o Dalai Lama estava ali perto a dar aulas na zona onde os refugiados tibetanos se exilam. Despediram-se. Afinal, o Dalai Lama é o Dalai Lama e a curiosidade falou mais alto. A intenção era passar lá uma semana e, depois, viajar um pouco pela Índia. Coincidência, a pessoa que dava aulas de inglês aos refugiados teve de ir embora mais cedo, e pediram-lhes que ficassem a substituí-la. Ficaram um mês. "Era um local fantástico, em que é fácil relativizar as coisas. Foi em 2005, a Internet ainda não tinha o peso de hoje e só existiam dois computadores muito lentos, cortavam a eletricidade todos os dia de manhã e só repunham à noite, dormíamos no chão, líamos imenso e éramos felizes".
"Foi nessa altura que me tornei liberal, porque algum liberal foi por lá deixando uns livros sobre o tema e ajudou-me a consolidar os argumentos que tenho hoje". Já de regresso, com o curso acabado e a trabalhar em Lisboa, Carlos Guimarães Pinto recebeu uma proposta para ir para o Dubai que mudou a sua vida: era consultor de empresas, viajava para o Médio Oriente, África e Ásia, e fazia muito do que faz hoje: trazer as melhores práticas das empresas de sucesso e aplicá-las nos seus clientes. "O país também precisa de olhar para o que de melhor se faz lá fora e é esse o meu objetivo na política"
Foi depois disso, e de voltar a Portugal para fazer o doutoramento, que recebeu o convite para o Iniciativa Liberal. Diz que lhe faltam características de político, como a dicção, e ri-se por as pessoas estarem sempre à espera de pessoas novas na política, mas, depois, procurarem nelas os mesmos traços que encontram nos que fazem política há 30 anos. Mas o que lhe falta, acima de tudo - "e não estava nada à espera" - é ser de Lisboa: "É inacreditável o número de vezes que tenho de viajar para a capital por causa das minhas funções políticas".
É gago e receia que isso possa interferir com a entrevista ao SAPO24, diz para explicar que se hesitar em alguma resposta não é falta de convicção. Fica espantado: há sete gagos entre os principais candidatos às eleições legislativas. E não, as suas ideias são muito claras: reduzir a carga fiscal, reduzir a burocracia, dar liberdade de escolha e descentralizar.
"Achei graça ao último Simplex, porque quando fazemos as contas entre os papéis que cria e os que elimina, não sei se é positivo"
O que é descomplicar Portugal, que é o slogan do Iniciativa Liberal? Somos um país complicado?
Portugal é um país complicado. É um país complicado para quem investe, é um país complicado para quem quer trabalhar, é um país complicado para quem quer ter uma consulta, é um país complicado para quem quer escolher a escola dos filhos, é um país complicado até para as decisões mais pequenas que temos de tomar todos os dias. Existe demasiada burocracia, e isso impede as pessoas de fazer as coisas que gostariam, impede as empresas de investir e criar emprego. Descomplicar Portugal enquadra um pouco de tudo aquilo que o Iniciativa Liberal quer fazer: reduzir a carga fiscal, reduzir a burocracia, dar maior liberdade de escolha e descentralizar.
Sobre a burocracia, vem aí outro Simplex?
Achei graça ao último Simplex, porque quando fazemos as contas entre os papéis que cria e os que elimina, não sei se é positivo. O próprio Simplex gera mais burocracia, o que é interessante. Primeiro teve alguns efeitos positivos, mas ainda estamos muito longe, Portugal ainda é dos países da Europa onde se demora mais tempo a pagar impostos. Já temos uma carga fiscal muito alta, e depois ainda temos o imposto escondido, que é o esforço necessário para as empresas e os indivíduos pagarem esses impostos. Não é quantificável em massa monetária, mas é algo que nos leva tempo, que nos consome. E cria este clima de medo: cada vez que recebo uma carta da Autoridade Tributária, a primeira coisa que penso é "o que é que eu fiz desta vez?".
Recebeu alguma, recentemente?
Ultimamente a minha vida tem sido agitada, e há três dias apercebi-me de que não tinha feio a inspeção automóvel. Por me ter atrasado tive de pagar 250 euros. Não fui notificado, mas a polícia soube logo que eu estava em falta. Mas quem diz isto, diz outras coisas. É bastante complicado para um cidadão comum saber todas as obrigações que tem perante o Estado. No entanto, existem as ferramentas para que as pessoas não tenham de reservar todo esse espaço mental, para não estarem expostas a este tipo de receios. Só que, simplesmente, essas ferramentas não são usadas.
Como é que o Iniciativa Liberal se propõe resolver isso?
Primeiro, eliminando ao máximo o número de tarefas que as pessoas têm de fazer, muitas vezes coisas inúteis. Fizemos uma lista com as taxas que as pessoas têm de pagar, e é absurda. Existem cerca de 50 taxas que correspondem a "receitas fiscais", de acordo com uma listagem do INE [Instituto Nacional de Estatística]. Este número exclui taxas correspondentes a serviços prestados, emolumentos e taxas municipais. Tudo junto seriam mais de 100 taxas. Algumas geram receitas de poucos milhares de euros, é provável que o seu processamento custe mais.
Consegue dar um exemplo?
Existe uma taxa para quem quiser usar um daqueles rádios amadores. Chama-se taxa Serviço Rádio Pessoal - Banda do Cidadão. Não conseguimos perceber a receita que gera, mas não é difícil imaginar que seja ínfima.
Fizeram contas para saber quanto vale a eliminação dessas taxas?
O Iniciativa Liberal fez contas para as principais medidas que tem. No caso da taxa de IRS, que é aquela que pode ter algum efeito em termos de receita fiscal, custaria entre 2 mil e 2,5 mil milhões de euros.
O Iniciativa Liberal propõe uma taxa única de IRS. Pode explicar como funcionaria?
A taxa única de IRS - 15% é a que propomos - foi uma medida assumida em vários países da Europa, que têm nalguns casos taxa única, noutros duas taxas, e que funcionou no objetivo de fazer a economia crescer e reter o melhor talento do país. Sem ter todos os dados, porque quem os tem é o Ministério das Finanças e não os disponibiliza, a medida custaria entre 2 mil 2,5 mil milhões de euros, como disse. Hoje, a taxa efetiva de IRS anda por volta dos 13%, e baixaria para 10% ou 11%. O que propomos é que a taxa única de IRS seja introduzida de forma faseada, ou seja, seja mais alta do que os 15% num primeiro ano e, à medida que os efeitos da taxa se forem fazendo sentir na economia, ir reduzindo até aos 15%. Segundo os nossos cálculos, há um intervalo em que a medida seria fiscalmente neutra, que é entre os 18% e os 20%, e seria neste nível que colocaríamos a taxa no primeiro ano.
Uma taxa de 15% para todos, dirão, coloca em pé de desigualdade os que recebem menos. Não?
Para nós, a redistribuição do Estado deve acontecer na altura de receber os benefícios e não na altura de os pagar. Primeiro, 15% de alguém que recebe pouco seriam necessariamente menos do que 15% de alguém que recebe muito. Segundo, estamos a propor uma isenção até aos 650 euros, só paga acima desse valor, ainda assim com alguma progressividade. Terceiro, a redistribuição não acontece tanto na altura de pagar, mas sim na altura de receber serviços: toda a gente paga de forma igual, todos têm acesso à educação de forma igual, todos têm acesso à saúde de forma igual. Mas hoje temos uma redistribuição inversa: quem conhece o nosso sistema público de escolas sabe que as melhores escolas públicas tendem a estar nas zonas mais ricas, junto ao melhores bairros, tal como os melhores hospitais estão nas zonas de maior PIB per capita. Ou seja, estamos a oferecer melhores condições precisamente onde estão as pessoas que têm maiores rendimentos. Com a nossa perspetiva de que deve haver liberdade de escolha, tanto na educação como na saúde, aí sim, ficam todos em pé de igualdade.
A ideia que fica é a de que querem privatizar a educação e querem privatizar a saúde. É isso?
Vou explicar com a minha experiência pessoal, que é a de muitos outros. Hoje há escolas que estão relativamente próximas e têm grandes diferenças em termos de qualidade. Frequentei aquela que ainda é hoje uma das piores escolas do ranking nacional e que estava a 500 ou 600 metros de outra que está entre as melhores. A forma como separavam os alunos baseava-se no sítio onde moravam. Alunos como eu, que até moravam mais próximo da escola melhor escola, mas que viviam perto de um bairro social e os alunos desse bairro social eram direcionados para a pior escola. E estas foram escolas que se formataram para formar alunos de forma diferente.
Explique lá melhor isso da formatação para formar alunos de forma diferente...
Uma das escolas foi formatada para levar os alunos até à universidade, aquela onde eu andava foi formatada para aguentar os alunos até acabarem a escolaridade obrigatória. Isto era praticamente assumido, e durante anos não houve investimento naquela escola: não tínhamos cantina, entrava chuva e ninguém se preocupava muito com isso. Os professores daquela escola, e isto é importante, preferiam ter os seus filhos na outra. Foi o Estado central que decidiu que uns alunos tinham de ir para uma escola, com determinados objetivos em particular, e outros tinham de ir para outra. Aliás, na altura havia uma ligação direta: os alunos que continuavam depois do ensino obrigatório (então o 9.º ano) e iam para o secundário eram colocados em duas escolas secundárias diferentes: uma chamava-se liceu, outra era a escola industrial. E isto continua a acontecer.
Mas licenciou-se, doutorou-se.
A minha turma da escola primária era uma turma brilhante de 26 ou 27 alunos. O resto não era assim tão bom. Ao todo, fomos cinco ou seis para a universidade. Tenho 36 anos, estava num boa turma, de pessoas capazes, e só cinco ou seis foram para a universidade. Desses, dois ficaram no top cinco da Faculdade de Economia do Porto, eu e outro. Não quero imaginar como teria sido se a mesma hipótese tivesse sido dada aos 26 ou 27 alunos. Escolher a escola significa que um pai da Amadora pode escolher colocar o seu filho na Filipa de Vilhena [Porto] ou numa escola fantástica de Lisboa, concorrendo em igualdade de circunstâncias.
Tendo em conta que existe um número limitado de vagas.
Teria de haver critérios de sorteio. Mas, mais do que isso, ao fim de algum tempo as melhores escolas teriam mais alunos e, porque o financiamento é feito via aluno, teriam mais financiamento e poderiam expandir-se. Poderiam fazer mais escolas replicando o modelo. As escolas más, aquelas que não servem os alunos, deixariam de ter financiamento, porque perderiam alunos. Mas isto seria dar uma oportunidade às crianças que nascem do lado errado da cidade, ao mesmo tempo que permitiria aumentar a eficiência das escolas.
Voltando um pouco atrás, até aos contratos de associação - com que eu não concordo necessariamente, porque o financiamento deve ser via aluno, não via escola - e a pequena possibilidade de escolha que dão fazem uma enorme diferença: muitos filhos de operários das fábricas da cortiça puderam seguir até à universidade porque lhes foi dada a hipótese de escolher entre ir para a Escola de Paços de Brandão ou o Colégio de Lamas. A maioria escolheu ir para o Colégio de Lamas, mesmo pagando alguma coisa e até fazendo desvios de vários quilómetros.
Antes de avançar no programa, gostava de perceber por que motivo não chegaram a acordo com o Aliança para concorrerem coligados?
O Dr. Santana Lopes veio falar connosco sobre essa possibilidade, e informei-o de que não estaríamos interessados. Mas tivemos uma agradável conversa. Combinámos esse encontro ao telefone e eu disse-lhe logo aí que não estaríamos disponíveis porque, tendo todo o respeito por ele, o nosso projeto é de outra natureza.
Pode explicar a natureza diferente dos projetos?
Sabe, quando me juntei ao partido, quando aceitei ser líder, demorou quase uma semana até o primeiro órgão de comunicação social vir falar connosco e quase um mês até termos a primeira entrevista. O título que saiu foi algo ligado ao Aliança, apesar de termos estado ali uma hora a falar. Aprendi a não falar dos outros partidos, tenho imenso respeito por todos eles.
Percebo. Mas os leitores têm de perceber as diferenças para escolher em que votar.
O Iniciativa Liberal é um partido liberal em toda a linha. Achamos que chegou a altura de reduzir o poder do Estado central e devolver algum poder às pessoas, para que elas tenham um pouco mais de possibilidade de decidir sobre a sua vida, sobre o destino do seu rendimento. Parecem coisas muito óbvias.
"A eficiência e produtividade não se resolvem por decreto, resolvem-se dando os incentivos certos"
Lembrei-me disto a propósito da ADSE para todos, que o Iniciativa Liberal também propõe.
Na Alemanha ou na Holanda, uma pessoa que vá ao hospital, vai àquele que considera ser o melhor, sem saber se é público ou privado. Vai ao que acredita ser bom, ao que tem o médico em quem confia. O modelo que propomos consiste em ter vários subsistemas públicos semelhantes à ADSE abertos a qualquer pessoa que queira aderir. No fundo, trata-se de replicar o conceito ADSE. Basicamente, isto vem introduzir no sistema de saúde duas coisas: a primeira é liberdade de escolha, a segunda é concorrência entre clínicas e hospitais públicos e privados. O custo é o mesmo, o que estamos a fazer é apenas a mudar o conceito de financiamento: deixar de financiar diretamente os hospitais, que é o conceito dos hospitais públicos e das PPP [Parcerias Público-Privadas], para passar a financiar os utentes. Ou seja, se preciso de uma radiografia, sei que tenho direito a xis por esse exame e vou fazê-lo onde quiser. E o Estado paga o mesmo a público ou privado, independentemente de onde eu for.
E como é que resolve o problema da falta de eficiência e de produtividade, que está muitas vezes na base do fracasso, e que não se resolve por decreto?
A eficiência e produtividade não se resolvem por decreto, resolvem-se dando os incentivos certos. Um dos principais problemas de competitividade do país é a escassez de investimento; podemos ter muitos engenheiros extraordinários, mas se não tiverem o capital para aplicar o seu conhecimento nunca serão produtivos. Outro problema é a falta de liberdade económica, que resulta em falta de concorrência. Sem concorrência não há incentivos à eficiência. Qual o incentivo que um diretor de um hospital tem para gerir os seus recursos com maior eficiência? Se cortar 100 milhões de euros de despesa num ano, o que acontece no ano seguinte, vai receber mais bónus? Não. Vai poder pagar mais aos seus médicos? Não. O que vai acontecer é que vai ter menos 100 milhões de euros no seu orçamento. Por exemplo, o Porto tem alguma falta de salas de diagnóstico. Há dias estive num dos hospitais do Porto e olhei para as listas dos médicos fixadas à porta das salas de diagnóstico. Não encontrei uma sala, uma única, que tivesse consultas à sexta-feira à tarde e encontrei muito poucos à segunda-feira de manhã. Estamos a falar de desperdício de recursos. Mas que incentivo tem um diretor a dizer aos seus médicos que têm de estar na sexta-feira à tarde?
O que propõe?
Tem de haver um incentivo a gerir bem. Porque o que um diretor de hospital tem de agradar às pessoas com quem trabalha, mais do que tudo, que são quem o vai selecionar ou tirar de lá. Há pouco tempo houve uma polémica por causa de um hospital que tinha uma máquina parada e mandava os doentes fazer exames no privado. O que queremos fazer é alterar o modelo de incentivos, porque a partir do momento em que se paga via utente, vai existir concorrência entre públicos e privados. Para continuar a receber financiamento, o público vai ter de apostar num serviço tão bom como o privado, ter o mesmo e a ter o mesmo nível de despesas, fazer um bom aproveitamentos dos seus equipamentos e das suas salas. Olhe, estive há dias nos estaleiros navais de Viana do Castelo a falar com as pessoas que estavam lá antes e continuam depois da privatização. É um caso evidente de uma empresa que, exatamente com o mesmo espaço, a mesma doca seca, os meios edifícios, podem ter um destino diferente dependendo da gestão. Com os hospitais e as escolas é exatamente a mesma coisa.
Isso leva-me às privatizações, que também estão no programa do Iniciativa Liberal. Privatizar o quê?
Quando olhamos para o setor empresarial do Estado, que é enorme, vemos coisas que chocariam qualquer um que o Estado estivesse a fazer... O Estado central detém empresas de exploração agrícola, minas, matadouros, empresas imobiliárias e de consultoria de gestão. Isto já para não falar das empresas municipais. Mas não evitamos aqui as questões mais complicadas, aquelas em que não existe um consenso em relação à privatização.
"Enquanto muitos bancos privados caíram porque alimentaram negócios de pessoas próximas dos maiores acionistas [...] a CGD serviu para alimentar negócios de pessoas próximas do poder"
Está a falar da Caixa Geral de Depósitos...
Por exemplo, a Caixa Geral de Depósitos. Hoje não se percebe a necessidade de ter um banco público. E não se entende porquê, porque olhando ao serviço que presta às pessoas ele não é diferente dos privados. Olhamos para os resultados - e a CGD foi entre todos os bancos aquele que precisou de maior injeção de dinheiro do Estado - foi também o mais mal gerido. Olhando para um banco que, de facto, ajuda a economia portuguesa a crescer, sabemos que a Caixa serviu foi para alimentar os negócios das pessoas próximas do poder, que é o que acontece com um banco público - nos bancos privados acontece a mesma coisa, mas...
Bem, em Portugal nem sequer podemos dizer que são privados, não temos nada com isso, porque estamos e vamos pagar caro por eles.
Isso é outra coisa que defendemos: o Estado não deve entrar no salvamento a bancos, não deve fazer resgates a bancos. Os bancos devem ser resgatados pelos seus capitais próprios. A partir da altura em que isso acontece, o único tipo banco que pode, de facto, levar dinheiro dos contribuintes é o banco público. E temos de pensar, mesmo deixando de fora a ideologia, para que serve isto? Que serviço público é que este banco presta que justifique os 6 mil milhões de euros que acabámos de injetar, o equivalente a quase um ano de SNS? Presta um serviço diferente às pessoas? Não. Cobra taxas mais baixas? Não. Alimenta a parte mais produtiva da economia? Não. Enquanto muitos bancos privados caíram porque alimentaram negócios de pessoas próximas dos maiores acionistas - punidos por esse erro, perderam dinheiro - a CGD serviu para alimentar negócios de pessoas próximas do poder, que é o seu acionista, que é o poder político, mas quem foi primariamente punido não foram os acionistas, não foram os governos que lideraram isso - que até estão no poder, ainda - foram os contribuintes. Isto não é justo.
Contou que esteve na Roménia. Portugal estava na cauda da Europa quando entrou para a União Europeia e está a ser ultrapassado por países que aderiram duas décadas depois. É uma fatalidade?
Vou dar o exemplo da Estónia: há 20 anos tinha um terço do nosso PIB per capita. Portugal tem 20 anos de avanço na União Europeia, mas hoje temos um PIB per capita mais baixo. Eles, num período de tempo tão curto, conseguiram dar um salto tão grande que deixaram de ter um terço do nosso PIB per capita para nos ultrapassar.
"E aqui estamos, Grécia e Portugal, os dois países que se afundam e veem todos os outros a ultrapassá-los"
Tem uma explicação para isso, olhando para os dois países?
Olhando para as políticas que implementaram, são as que queremos trazer para cá. A Estónia tem uma taxa única de IRS, tem liberdade de escolha na saúde e educação, tem uma carga fiscal bastante mais baixa do que nós - Portugal tem a carga fiscal mais alta entre os países com a mesma riqueza per capita. Ano após ano, estamos a caminho de ser o país mais pobre da zona euro. Não estaremos em último nos próximos anos porque a Grécia, infelizmente para eles, é tão mal gerida como nós - e ainda tem uma carga fiscal ainda mais elevada e centraliza ainda mais o poder na capital e também não dá liberdade de escolha. E aqui estamos, Grécia e Portugal, os dois países que se afundam e veem todos os outros a ultrapassá-los.
O que nos leva ao quarto tema de que falou, a descentralização.
Hoje há demasiada concentração de poder em Lisboa.
"Quando há tanto poder concentrado numa zona geográfica tão pequena como Lisboa, é muito mais fácil criarem-se laços que levam ao nepotismo e à corrupção"
Descentralização versus regionalização. É só semântica?
Descentralização é a opção que tem para retirar poder ao Estado central. A regionalização também pode ser isso, se for fiscalmente neutra - e não há nenhum plano actual que vá nessa direção, e esse é um problema. Portugal é o quarto país mais centralista de toda a Europa, tem apenas três países à sua frente: Luxemburgo, que não tem muito por onde descentralizar, Grécia e Irlanda. A Irlanda tem a sorte de ter outras características que lhe permitem crescer de qualquer forma, a Grécia é o desastre que conhecemos. Se olharmos para o PIB per capita da área metropolitana de Lisboa, está ao nível da França, mas o PIB per capita da zona norte e centro, está ao nível da Roménia. Ou seja, dentro de um país tão pequeno como Portugal temos duas realidades muito diferentes. Isto não é só em termos de riqueza per capita, nos indicadores de saúde também existem diferenças enormes. O excesso de concentração de poder em Lisboa tem outros efeitos, porque o centralismo também favorece o nepotismo e a corrupção. Quando há tanto poder concentrado numa zona geográfica tão pequena com Lisboa, é muito mais fácil criarem-se laços que levam ao nepotismo e à corrupção.
Como funcionaria, na prática, a descentralização que propõe?
Ela seria feita a vários níveis. A primeira e preferível forma de descentralização é descentralizar do Estado central para o indivíduo. Ou seja, queremos retirar do Estado o poder de determinar como é utilizado o rendimento e devolver esse poder às pessoas. Todo o poder que não for possível colocar nas pessoas, irá para as comunidades locais. Não faz sentido, por exemplo, que a gestão dos centros e saúde de Bragança, de Baião ou de Penafiel seja feita a partir de Lisboa. Não faz sentido que a gestão do património local seja feita a partir de Lisboa. Localmente, as pessoas conhecem melhor as necessidades específicas de cada sítio. Mas - e temos isso no nosso programa - quando se passa essa gestão, tem de se passar também os recursos, e subtraí-los ao Estado central. O meu receio com a regionalização e com os processos de descentralização é duplicar estruturas e, pior do que aumentar a despesa, aumentar a ineficiência: uma estrutura com menos que fazer e vai ter de criar burocracias para justificar a sua existência e, por isso, cria mais um conjunto de processos [burocracia]. Eu já era um ativista pela descentralização antes de entrar para a política, penso que este é um dos grandes problemas do país, uma das razões do atraso. Mas se as pessoas começarem a ver que a descentralização apenas serve para duplicar recursos e aumentar a despesa do Estado, diminui o apoio à descentralização e vamos dar uns passos atrás.
Ao longo desta entrevista já mencionou diversas vezes as palavras nepotismo e corrupção. O que pensa dos cargos por nomeação do governo, dos ajustes diretos e dos concursos públicos?
Às vezes esquecemo-nos disto, mas nos meses anteriores à terrível época de incêndios, as lideranças dos CODIS [comandos distritais de operações de socorro] foram todas alteradas, nalguns casos para militantes do PS que não estão minimamente qualificados. É um caso claro de nepotismo que teve consequências. É evidente que um cargo tão técnico não carece de confiança política. Não há nada num militante do PS que o qualifique mais para combater incêndios do que um militante do PSD ou do CDS ou de qualquer outro partido. Temos demasiados cargos por nomeação e temos de ter muito menos, mas muito menos, porque não faz sentido nenhum. Temos de fazer mais concursos públicos.
A CRESAP [Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública] funciona?
A CRESAP funciona terrivelmente. Foi uma excelente ideia, mas que funciona horrivelmente. Os concursos públicos deviam ser mais transparentes - aqui, o governo apresentava um conjunto de três candidatos e a CRESAP escolhia. Mas é como escolher o capitão de uma equipa de basquete: envio um tipo com 1,95m e o Marques Mendes e depois digo: escolha um. Se calhar havia outro melhor, mas fui capaz de fazer uma pré-seleção de forma a garantir o resultado. Não funcionou bem. Precisamos de mais concursos públicos na administração pública, precisamos de menos cargos de nomeação. Também temos imenso receio de tudo o que sejam ajustes diretos - apesar de tudo, temos hoje uma base de dados que nos dá para fazer algum escrutínio. Mas não temos uma base de dados boa para fazer um bom escrutínio aos concursos públicos.
Que acabam por ser ajustes diretos?
Muitos desses concursos públicos acabam por ser quase ajustes diretos, como vimos no caso recente das golas - concorreram cinco empresas e três ou quatro tinham efetivamente poucas possibilidades de concorrer. Devia também haver um escrutínio aos contratos públicos, nomeadamente que informasse se a empresa foi ou não formada para aquele concurso público especifico - muitas vezes são empresas de amigos de quem lança o concurso público - e qual o peso nas receitas dessa empresa do negócio em causa, para saber se vive daquilo - e isso também permite saber se foi criada só para aquele concurso específico.
Porquê Zita Seabra para mandatária?
Fomos imensamente criticados, mas já nos habituámos. Nenhum dos nossos candidatos principais à Assembleia da República - e não quero falar pelos 300, porque posso ter falhado algum - esteve alguma vez no Parlamento, são todos novos. A Zita Seabra é mandatária, que é uma posição honorífica e, para nós, há um motivo: de certa forma, ela simboliza numa pessoa a evolução que queremos para o país. A certa altura, o país precisou de combater o Estado Novo, e Zita Seabra fê-lo, foi para o exílio antes de fazer 18 anos, uma idade em que teria sido mais confortável aceitar o Estado Novo do que combatê-lo. Aos 40 anos combateu o Comité Central do PCP, quando lhe teria sido mais confortável ficar e fazer a sua carreira dentro do partido. Agora, aos 70 anos e sem nada a ganhar, porque não temos nada para oferecer, decidiu entrar nesta luta porque acredita que há algo a combater: uma rede de nepotismo, de controlo da administração pública, de estagnação, há vinte anos.
Como tem sido este processo de concorrer a eleições, um no meio de 25 partidos, 21 candidatos, uma ala liberal, sem tradição na nossa democracia?
As dinâmicas políticas é algo muito interessante. Nas últimas legislativas, o PAN elegeu um deputado que não era necessário à geringonça, portanto, o parlamento em peso poderia tê-lo ignorado, mas as coisas seguiram em frente. A verdade é que hoje olhamos para os programas dos restantes partidos políticos e têm três vezes mais texto sobre temas como o ambiente, clima, animais. A eleição de um deputado apenas levou a que todos os outros partidos sentissem necessidade de cobrir aquele flanco. Desde que o Iniciativa Liberal começou a ter um bocadinho mais de protagonismo, desde que se abriu uma maior possibilidade de elegermos um deputado, que outros partidos sentiram necessidade de se aproximarem das nossas medidas. Imagine se elegermos um deputado.
"Houve uma lista que ficou em risco porque o Tribunal Constitucional queria saber se uma pessoa era "Figueiredo" ou "de Figueiredo""
Ficou desapontado com os resultados das europeias?
Sou muito racional nestas coisas. A minha análise estatística privada para as europeias, que partilhei em privado, tinha apontado para os 30 mil. Acabámos por ter 29 mil e qualquer coisa. Sabemos que temos de fazer o nosso trabalho bem e de forma constante para ir crescendo. Fomos o último partido a aparecer sem a alavanca de uma personagem mediática - as pessoas não sabem quem é o Carlos Guimarães Pinto, mas já começam a saber o que é o Iniciativa Liberal. O problema dos partidos novos é que levam algum tempo até se darem a conhecer. Quando colocámos o cartaz "Com Primos", nessa noite tivemos um pico de visitas ao nosso programa. Nas europeias deixámos para trás partidos que têm um historial de dezenas de anos.
Como é ser pequeno no meio dos grandes?
Concorremos aos 22 círculos eleitorais. A burocracia é enorme, estava ontem a contar-me a pessoa que ficou responsável por isso, que houve uma lista que ficou em risco porque o Tribunal Constitucional queria saber se uma pessoa era "Figueiredo" ou "de Figueiredo". Há documentos que vamos buscar a uma identidade do Estado para entregar a outra entidade do Estado e há até um documento do Tribunal Constitucional que temos de entregar no Tribunal Constitucional, que é daquelas coisas ridículas - trata-se do documento de formalização do partido, que precisamos para a apresentar das listas. Todo o sistema é feito - não quero acreditar em teorias da conspiração, mais depressa coloca isto em incompetência ou falta de noção - para dificultar as coisas. Não faz sentido que tenhamos de pedir a declaração da junta de freguesia de cada um dos 300 candidatos a dizer que são recenseados lá, o Estado tem essa informação. Mas por isso, durante um mês ou um mês e meio temos de andar a telefonar para todas as juntas de freguesia do país a pedir por favor para nos enviarem as declarações - depois há umas que enviam por correio, outras que só indo lá buscar... Não faz sentido que o Estado condicione o acesso a determinados direitos à obtenção e um documento de outra entidade do Estado.
Sobre o sistema eleitoral tal como está, concorda com ele?
Não, de todo. Mas isto já antes de entrar na política. O nosso sistema eleitoral tem o pior de dois mundos. De um sistema eleitoral quer-se que seja representativo e proporcional, ou seja, que os deputados sejam representantes de quem os elegem e que se houver 10% de pessoas a votar no partido A, haja 10% de deputados desse partido. É difícil compatibilizar as duas coisas, mas o atual sistema não tem uma coisa nem tem outra. Quem vota no PS ou no PSD em Lisboa não sabe minimamente que deputados está a eleger, e o mesmo acontece em quase todos os distritos. Por outro lado, um partido pode ter maioria absoluta no Parlamento com 40% dos votos, o que quer dizer que 60% do país votou contra um partido e tem mais de 50% do poder. Não é proporcional.
"Portugal começa a ser dos últimos países da Europa em que as pessoas não podem escolher o seu deputado"
Que alternativa propõe?
O sistema que propomos é um sistema que tem duas formas: primeiro, círculos uninominais, ou seja, as pessoas escolhem o seu deputado - porque habituámo-nos a isto, mas Portugal começa a ser dos últimos países da Europa em que as pessoas não podem escolher o seu deputado. Depois os perdedores desta eleição iriam para um círculo nacional, que serviria de compensação. Por exemplo, um partido tem 10% nesta eleição, com esses 10% nenhum dos seus deputados é eleito pelos círculos uninominais, então, vai retirar deputados suficientes do círculo nacional para ter esses 10%. Isto garantirá que os deputados são representativos, que as pessoas sabem a quem pedir explicações. Mas não há grande incentivo para alterar este sistema porque ele permite um conjunto de coisas: quando os deputados estão na Assembleia da República não precisam de responder a quem os elegeu, mas sim aos seus líderes partidários.
Quanto vão gastar nesta campanha?
50 mil euros.
De onde vem o dinheiro?
Grande parte de donativos, temos cerca de 200 doadores.
Quantos membros tem o Iniciativa Liberal?
Já ultrapassámos os 500. Colocámos uma barreira relativamente alta para as pessoas pertencerem ao partido, a nossa quota normal é 60 euros/ano, o que exige um certo compromisso.
"Possivelmente, Marcelo verá num governo de esquerda uma garantia de reeleição"
Como olha para a relação entre o presidente da República e o governo?
Parece-me que tem sido uma boa relação, e isso não é um grande elogio ao presidente. Tem sido uma relação muito boa, num governo já quase sem oposição. Foi miserável a forma como foi gerida a altura dos incêndios, a forma como o presidente da República se colocou durante tanto tempo ao lado do governo, numa altura em que já era evidente que havia casos claros de incompetência. Foi preciso um segundo desastre para o que o presidente fizesse, de facto, alguma coisa. Há ali algum calculismo eleitoral, porque sabemos que os portugueses gostam de equilibrar as coisas: se temos um governo de esquerda, preferem um presidente de direita e vice-versa. Possivelmente, Marcelo verá num governo de esquerda uma garantia de reeleição.
Foi recebido por Marcelo Rebelo de Sousa?
[Entre o riso e o suspiro] Não. Ao contrário do meu colega líder partidário Pedro Santana Lopes, que foi recebido com grande fanfarra assim que fundou partido, eu não fui recebido.
Pediu uma audiência?
Demonstrei desconforto a um dos seus assessores por duas coisas: a primeira, foi esse destaque dado a um novo partido e que não tinha sido dado a outro. Mas isso, honestamente, é um momento mediático, que vale o que vale. Um partido novo tem um meio preferencial de se dar a conhecer que são as redes sociais, e esse é o meio que privilegiamos. Há uma regra: a partir da altura em que o presidente da República decreta a data das eleições, passa a ser proibido investir [publicidade paga] qualquer montante nas redes sociais, com multas enormes, a partir os 15 mil euros. O presidente, que tem de marcar as eleições até dois meses antes, na altura das europeias fê-lo com três meses de antecedência, e isso limitou-nos. Se é verdade que não existe esse limite para os outdoors, um meio mais caro - cerca de 900 a mil euros - e mais intensivo, com mil euros chego a 100 mil pessoas numa rede social. Aí, enviei uma queixa ao presidente da República. Não obtive resposta direta, mas estas eleições foram marcadas com menos antecedência.
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