A edição desta semana do Expresso adianta que Gabriela Assunção apresentou as suas reservas quanto à atuação do Presidente da República ao Supremo Tribunal de Justiça num despacho consultado pelo semanário.
A juíza de instrução — que no início deste mês já tinha considerado, pelos indícios apresentados pelo Ministério Público (MP), que as suspeitas existentes contra o filho do chefe de Estado Nuno Rebelo de Sousa poderiam ser estendidas ao próprio Presidente da República — afirma que Marcelo não teve um comportamento “neutro”.
Em causa está o tratamento hospitalar (em 2020) de duas crianças gémeas residentes no Brasil que adquiriram nacionalidade portuguesa e receberam no Hospital de Santa Maria (Lisboa) o medicamento Zolgensma. Com um custo de dois milhões de euros por pessoa, este fármaco tem como objetivo controlar a propagação da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa.
Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, foi constituído arguido neste processo por factos suscetíveis de configurar “prevaricação, em concurso aparente com o de abuso de poderes, crime de abuso de poder na previsão do Código Penal e burla qualificada". Entre os arguidos está também o ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales.
O Expresso cita o documento, onde se lê que é “descrita pelo Ministério Público a prática de atos, atribuíveis a Sua Excelência, o Senhor Presidente da República que não são neutros em relação aos atos imputados aos suspeitos”.
Assunção chega mesmo a afirmar que Marcelo podia ser investigado por coautoria no crime de prevaricação porque o Ministério Público imputa “um crime de prevaricação ao suspeito Nuno Rebelo de Sousa, que não tem a qualidade de ser titular de cargo político e que nunca poderia intervir no exercício das suas funções”.
A juíza considera que devia ter sido convocado o artigo 28º do Código Penal, referente a cumplicidade e comparticipação em crimes. Assunção lamenta que o MP não tenha feito "qualquer enquadramento jurídico quanto à atuação de (...) Marcelo Rebelo de Sousa”, que apesar de “não ter a mesma competência e âmbito de atuação (...) que teria o suspeito António Lacerda Sales (...) não se vislumbra como é que se pode não ponderar, ainda que abstratamente, a convocação do artigo 28º do Código Penal também para a atuação que o Ministério Público descreve e imputa ao Presidente da República, como fez quanto ao suspeito Nuno Rebelo de Sousa”.
Tanto o STJ como o MP rejeitaram a tese da juíza.
O caso foi divulgado pela TVI, em novembro passado, e está ainda a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde já concluiu que o acesso à consulta de neuropediatria destas crianças foi ilegal.
Também uma auditoria interna do Hospital Santa Maria concluiu que a marcação de uma primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.
Em 4 de dezembro do ano passado, o Presidente da República confirmou que o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, o contactou por email em 2019 sobre a situação das duas gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal que depois vieram a receber no Hospital de Santa Maria um tratamento com um dos medicamentos mais caros do mundo.
Nessa ocasião, Marcelo Rebelo de Sousa deu conta de correspondência trocada na Presidência da República em resposta ao seu filho, enviada à Procuradoria-Geral da República, e defendeu que deu a esse caso "o despacho mais neutral", igual a tantos outros, encaminhando esse dossiê para o Governo.
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