Segundo o britânico The Guardian, por 19 mil pesos chilenos (aproximadamente 23 euros), os visitantes teriam acesso aos protestos em primeira mão. O valor incluía ainda uma garrafa de água e uns óculos protetores para o caso de haver disparos durante o percurso.
A experiência, disponível numa secção da plataforma de alojamento local Airbnb que oferece serviços providenciados por habitantes locais, partiu da mente do promotor Sebastián Nieto depois de se aperceber de que os turistas estrangeiros nutriam pelos protestos.
“Dei conta de que nos protestos havia sempre muitos espectadores, pessoas a tirar fotografias”, disse Nieto, considerando que, além do interesse pelos "problemas sociais", existe também um “aspeto lúdico" envolvido.
A experiência esteve disponível até ontem, 17 de dezembro, mas foi retirada da plataforma depois de uma onda de contestação online, com algumas pessoas a notar que a excursão consistia numa violação das políticas de segurança da plataforma e outras a condenar a insensibilidade de estar a tentar fazer dinheiro a partir de protestos.
As manifestações no Chile surgiram em protesto contra o aumento do preço dos bilhetes de metropolitano em Santiago, decisão que acabou por ser suspensa e posteriormente anulada pelo Governo liderado pelo Presidente Sebastián Piñera.
Apesar do recuo, os protestos e os confrontos continuaram devido à degradação das condições sociais e às desigualdades no país, sendo que a Praça Itália, em Santiago, tem sido um ponto de permanente confronto entre polícia e manifestantes.
Como resultado dos protestos, têm surgido também várias manifestações culturais nas ruas de Santiago, desde dança a arte urbana. Por isso mesmo, Nieto prometeu aos visitantes que aprenderiam quanto às “reivindicações sociais do movimento através da arte dos protestos”, o que também foi alvo de críticas.
Ao jornal The Guardian, Fran Sasso, responsável por uma excursão sem fins lucrativos chamada “Chile Despertó” (“Chile Despertou”), lamentou a iniciativa de Nieto, que acusou de imitar um programa feito “para educar, não para fazer dinheiro”. "Os chilenos estão a sofrer todos os dias por ter de protestar. Não se devia fazer dinheiro a partir da dor, ou torná-la num espetáculo”, concluiu.
A crise social no Chile já provocou pelo menos 24 mortos e mais de 3.400 feridos, segundo dados do Instituto Nacional de Direitos Humanos chileno.
O Alto Comissariado da Nações Unidas para os Direitos Humanos denunciou, no dia 14 de dezembro, num relatório, "múltiplas violações dos direitos humanos" cometidas pela polícia durante as manifestações.
Durante a missão da ONU, a equipa documentou 113 casos de tortura e maus-tratos e 24 casos de violação sexual sobre homens, raparigas e mulheres adultas, cometidas por membros da polícia e militares.
Os especialistas denunciaram ainda o “número alarmante de pessoas — cerca de 350 — que sofreram ferimentos nos olhos ou no rosto, a maioria relacionada com disparos de tiros de chumbo”. Daí a necessidade dos turistas de usar os óculos.
Já o Ministério Público do Chile apresentou no final de novembro uma contabilização de 2.670 investigações por violações de direitos humanos apenas entre 18 de outubro e 10 de novembro.
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