Andar de comboio em Portugal vai ser muito diferente a partir desta segunda-feira. Com um cartão CP comprado em qualquer estação com bilheteira, será possível viajar, de forma ilimitada, na segunda classe dos comboios inter-regionais, no serviço regional e nos percursos suburbanos fora das áreas metropolitanas. Duas vezes por dia, também será possível reservar lugar de segunda classe nos comboios Intercidades – os assentos são marcados apenas nas 24 horas anteriores à viagem.

Será possível, por exemplo, percorrer toda a faixa litoral de Portugal no mesmo dia com o comboio Intercidades: de manhã, apanha a ligação entre Faro e Lisboa-Oriente; a meio da tarde, parte o comboio da estação do Oriente até Valença, junto à fronteira com Espanha. O percurso inverso é ainda mais rápido. 

Mas fora dos percursos do Intercidades também dá para usufruir, de fora ilimitada, de alguns dos locais mais pitorescos de Portugal. Da Linha do Douro, à Beira Baixa, passando pelo Leste, Algarve e Minho, apresentamos aqui cinco destinos que pode conhecer de comboio graças à redução do preço do passe ferroviário, dos 49 para 20 euros, e do reforço de opções.

Linha do Douro de janela aberta

Até agora, o passe ferroviário limitava-se aos comboios regionais. No caso do Douro, apenas era possível viajar entre as estações de Porto-São Bento e da Régua. Com a inclusão do serviço Inter-regional, toda a linha passa a estar disponível, até ao Pocinho. E, no caso do Douro, com uma raridade na ferrovia nacional em 2024: viajar em comboios onde dá para abrir as janelas, pôr a cabeça de fora e contemplar a paisagem.

O comboio Inter-regional do Douro, conhecido como MiraDouro, faz cinco viagens por dia em cada sentido. Do Porto até Marco de Canaveses, a locomotiva a gasóleo reboca carruagens debaixo de catenária. A paisagem é sobretudo urbana, industrializada e com alguma agricultura. A vista muda a partir do apeadeiro de Pala: se estiver a caminho do Pocinho, o rio Douro ficará sempre à sua direita. Mosteirô, Aregos, Ermida, Barqueiras, Caldas de Moledo, Godim, são estas as estações e apeadeiros até chegar à estação da cidade da Régua. 

Da Régua em diante, a paisagem vai impressioná-lo ainda mais. Na estação do Pinhão, vale a pena sair e apreciar os azulejos da fábrica Aleluia, de Aveiro. No Tua, encontra um centro interpretativo, num local que até 2008 deu acesso à Linha do Tua, em via estreita. A paisagem começa a mudar um pouco e já temos de olhar para baixo para ver o Douro.

Mais adiante, antes da estação da Ferradosa, a passagem na ponte ferroviária troca o lado do rio - passa para a esquerda – e agora estamos na margem das quintas vinícolas. A viagem continua até ao Pocinho, onde a paisagem começa a ficar mais selvagem. Pocinho é estação terminal porque o percurso de lá até Barca d’Alva está encerrado desde o final de 1988. Em cerca de 200 quilómetros, passamos por 35 pontes e 23 túneis. Imagine como foi construir a linha ainda no século XIX. Daí estar a ser considerada uma candidatura da Linha do Douro a Património Mundial da Humanidade e de ter sido feito um documentário com a visão a partir da cabine do maquinista.

As paisagens do Minho

A Linha do Minho também ganha novos horizontes com o alargamento do passe: os passageiros podem juntar-se, por exemplo, ao comboio Inter-regional entre Valença e Figueira da Foz. Mas aqui vamos focar-nos no percurso entre Porto e a fronteira com Espanha. Da cidade Invicta até Nine, a paisagem é bastante urbanizada. De Nine em diante, as coisas começam a mudar, sobretudo a partir da estação de Barcelos, não muito longe da cidade.

Em Viana do Castelo, a estação está a cinco minutos a pé do centro da cidade, convidativo para um passeio. Se quiser continuar viagem, daí em diante o comboio não anda longe das praias: tem Afife, Âncora-Praia (há mesmo um café junto à linha com esplanada para os comboios) e Moledo do Minho. Caminha também não fica muito longe e merece outro passeio a pé. Vila Nova de Cerveira tem a estação a 10 minutos a pé do castelo. Por último, Valença, com a fortaleza a menos de 15 minutos a pé da estação e a fronteira com Espanha e a região da Galiza não muito adiante.

A linha também é particularmente apreciada por todos os que percorrem os Caminhos de Santiago, seja a pé ou de bicicleta. No comboio inter-regional, há uma carruagem de segunda classe que pode transportar cerca de uma dezena de bicicletas e que é ótima para viagens em grupo. Apenas não estranhe o comboio não ter mais do que três ou quatro carruagens mesmo quando há muita procura: há estações com plataformas tão pequenas em que, no máximo, apenas cabem três composições.

Beira Baixa

Os benefícios do renovado passe ferroviário também ajudam a Linha da Beira Baixa. Como não há comboios inter-regionais neste percurso, a inclusão dos Intercidades dá mais flexibilidade aos passageiros, apesar do limite de duas reservas por dia. Se quiser entrar e sair do comboio, atenção que só há três comboios regionais, por sentido, entre o Entroncamento e Covilhã. No Intercidades, também só há três ligações por dia, no caso, entre Lisboa-Santa Apolónia e a cidade da Guarda.

Viajar pela Beira Baixa significa ter o Tejo à nossa direita (no sentido ascendente). Logo depois do Entroncamento – onde dá para visitar o Museu Nacional Ferroviário – avistamos o Castelo de Almourol, com cada vez menos água em redor. Mais um pouco e, sobretudo no Verão, vale a pena sair no apeadeiro Barragem de Belver e explorar a Praia Fluvial de Ortiga, que fica a cinco minutos a pé. Barca da Amieira tem um trilho a pé não muito longe para explorar antes de vermos as Portas de Ródão anunciar a paragem em Vila Velha…de Ródão.

Não muito adiante, chegamos à estação de Castelo Branco, com o Museu Cargaleiro e o Parque do Barrocal como destaques. Passamos por Alcains e Lardosa antes de chegarmos ao apeadeiro de Donas, onde fica a Casa das Memórias – António Guterres, com espólio doado pelo atual secretário-geral das Nações Unidas enquanto primeiro-ministro. A caminho da Covilhã, começamos a ver as paisagens da Serra da Gardunha e as cerejeiras em flor. Entre Covilhã e Guarda, vemos a cidade de Belmonte ao longe e podemos apreciar um pouco de paisagem montanhosa e dos olivais ao longo do Vale da Teixeira. 

Algarve

Apesar de estar numa região particularmente turística, a Linha do Algarve usa o mesmo percurso há mesmo de um século e sem grandes aumentos de velocidade. Com a eletrificação praticamente concluída em todo o percurso, espera-se que esta linha possa começar a ter comboios inter-regionais, permitindo fazer todo o percurso entre Lagos e Vila Real de Santo António sem transbordos. Enquanto isso não acontecer, apenas há comboios regionais entre Lagos e Faro e entre Faro e Vila Real de Santo António.

A viagem em Lagos começa junto à marina e, logo a seguir, passa pelo apeadeiro da Meia Praia, conhecida graças à canção de José Afonso. O comboio avança e Portimão já está à vista, não muito longe da sala de espetáculos e do centro da cidade. Para banhar-se no rio Arade, segue-se o apeadeiro de Ferragudo. Avista-se depois Silves e, ao longe, o castelo. Entretanto, o comboio passa por Albufeira-Ferreiras, Loulé e Almancil. A chegada a Faro não demora muito tempo e temos à vista o Parque Natural da Ria Formosa.

Na capital de distrito mais a sul do país, temos de mudar de comboio para seguir viagem até Vila Real de Santo António. Junto a Olhão, vemos as salinas e seguimos viagem até Fuzeta-A, mais perto da praia, e, logo a seguir, Fuzeta, mais próximo das salinas. Seguimos até Tavira, cuja estação fica a pouco mais de 10 minutos a pé do castelo, o que atrai passageiros. Cerca de meia-hora depois, depois de Castro Marim e Monte Gordo, a viagem termina em Vila Real de Santo António, numa estação fora do centro da cidade. A estação central foi fechada há mais de 30 anos, depois de dar acesso direto aos barcos que depois seguem para Ayamonte.

Linha do Leste – aventura para Espanha

A última sugestão é perfeita para quem quiser viver uma aventura ferroviária no interior de Portugal. Na Linha do Leste, uma automotora a gasóleo fabricada há mais de 70 anos (e renovada pela última vez em 2001) faz duas vezes por dia, por sentido, o percurso entre o Entroncamento e Badajoz - sim, há um comboio no passe ferroviário que dá acesso a Espanha.

Entre o Entroncamento e Abrantes, o comboio segue pela Linha da Beira Baixa. De Abrantes em diante, as vibrações da automotora fazem-se sentir no meio de uma paisagem rural, com muitos latifúndios e explorações agrícolas e de pecuária. É uma grande seca, na perspetiva de ser um território onde a chuva não tem abundado, sobretudo depois deste Verão. 

Bemposta, Ponte de Sôr, Torre das Vargens e Chança são as paragens antes do Crato, vila alentejana que atrai milhares de festivaleiros todos os verões. O comboio raiano - como também é conhecido – para logo a seguir em Portalegre, onde o serviço de autocarros tenta encurtar os mais de 12 quilómetros de distância para o centro desta capital de distrito. Antes de Elvas, há paragens em Assumar, Arronches e Santa Eulália. Depois disso, Elvas, travessia da fronteira (e mudança de hora) e chegada a Badajoz, onde a estação fica a meia-hora a pé do centro da cidade.