“Percebemos perfeitamente a situação dos lesados do BES. Foi uma preocupação permanente da administração do BES acudir a essas pessoas, por um dever ético e legal, mas também pelo seu próprio interesse e interesse do banco – o chamado dano reputacional”, disse o advogado Raul Soares da Veiga, no quinto dia de debate instrutório no tribunal de Monsanto, em Lisboa.
O mandatário do antigo administrador do BES sublinhou que a acusação do Ministério Público (MP) ao seu constituinte é “extraordinariamente injusta e ilegal”, argumentando com o percurso de Morais Pires no banco, no qual entrou quando este estava ainda nacionalizado e “subiu a pulso”, ao chegar à administração ao fim de 28 anos.
“É absolutamente doloroso, quase insuportável fazer as acusações de ter traído o BES”, frisou.
Além de refutar a imputação dos crimes de associação criminosa e corrupção passiva no setor privado, por considerar que “não têm adesão à realidade, o advogado do ex-administrador visou, entre vários aspetos da sua argumentação, o plano complementar do GES, apontando a responsabilidade ao Banco de Portugal.
“Este plano hediondo e criminoso de fazer coisas terríficas no GES para fins insondáveis tem esta explicação muito simples: o Banco de Portugal pediu o plano”, observou a defesa de Morais Pires, referindo que o objetivo passava por diluir o controlo da família Espírito Santo na sociedade Rio Forte e no GES.
O advogado criticou igualmente o indeferimento de um pedido de perícia financeira por parte do juiz, ao salientar que esperou dois anos pela realização dessa perícia para aferir se a venda das obrigações teria sido feita a valor de mercado e se o dinheiro tinha entrado mesmo no BES.
“Estivemos dois anos para isso ser feito e não foram deferidas. Era uma questão de peritos analisarem devidamente os factos e ver se essa questão objetiva e essencial onde o MP monta a sua acusação sobre as tenebrosas obrigações de longo prazo caía ou não”, disse.
Por outro lado, Soares da Veiga mostrou-se, de alguma forma, conformado com a expectativa de uma decisão do juiz Pedro Santos Correia no sentido de pronunciar os arguidos para julgamento, ao notar que a instrução (fase processual facultativa para verificar se há indícios suficientes para julgar os arguidos) “está feita para o comodismo da confirmação”, sem esquecer a atuação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) neste caso.
“A decisão parece só uma: a de pronunciação como a acusação, para que o CSM deixe de estar tão aflito com demoras neste processo e não há outro caminho que não o de terminar com essas aflições”, referiu, numa alusão à atribuição em junho de 2022 de um prazo de oito meses pelo CSM para a conclusão da instrução, prazo esse que já expirou em fevereiro passado. No entanto, o advogado queixou-se também da troca do juiz Ivo Rosa por Pedro Santos Correia.
“Houve uma substituição de juiz e não é suposto haver substituições de juízes. Há o princípio de inamovibilidade do juiz”, concluiu.
Durante esta manhã, realizaram-se ainda as alegações dos representantes dos arguidos Manuel Fernando Espírito Santo, Frederico Ferreira, Rui Santos e da sociedade Espírito Santo Irmãos. O debate instrutório prossegue durante a tarde no tribunal de Monsanto.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
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