“Esta é daquelas coisas que não vai lá com leis. É muito difícil legislar no sentido de obrigar as pessoas a terem mais equilíbrio e a partilharem mais as tarefas domésticas. Tem de ser feito, de facto, um trabalho muito intenso ao nível da sensibilização, ao nível da capacitação das próprias mulheres, para muitas das vezes permitirem também elas essa partilha e a incentivarem”, disse à Lusa Carla Tavares, presidente da CITE.
Apesar de sinais que apontam para uma maior partilha, ela ainda não é significativa como constatam os dados divulgados pela Comissão Europeia, a propósito do Dia Internacional da Mulher, que se assinala a 08 de março, e que indicam dificuldades acrescidas para as mulheres na conciliação da vida pessoal com a vida familiar, sobretudo para as que têm filhos pequenos e estão em teletrabalho. Sobre as mulheres recaem maioritariamente as tarefas de acompanhamento escolar, de cuidado da família, mas também do lar.
Um estudo da CGTP aponta que as mulheres trabalham mais uma hora e 13 minutos por cada dia útil do que os homens, entre trabalho pago e não pago e que 78% das mulheres trabalhadoras fazem pelo menos uma hora de trabalho doméstico por dia, enquanto apenas 19% dos homens o fazem.
Sublinhando que “a missão da CITE também é sensibilizar”, Carla Tavares adiantou que o organismo equaciona avançar com uma campanha nesse sentido, salientando os “impactos negativos” ao nível de emprego ou desigualdades salariais para as mulheres.
“Tudo isto, no fundo, se formos fazer esta análise, deriva muito deste desequilíbrio, à partida, que existe dentro de casa, neste trabalho que é um trabalho não remunerado e que cabe quase sempre às mulheres”, disse.
Carla Tavares entende que o Governo “andou bem” na medida de apoio aos pais em teletrabalho, no âmbito da pandemia de covid-19, que passam a receber a 100% se alternarem entre teletrabalho e assistência aos filhos.
“É um ótimo incentivo e é uma excelente forma de promover esta partilha, até porque também vai impedir uma outra situação, que podia ser grave para o futuro, que era a diminuição de rendimentos por parte apenas da mulher”, disse, recordando que no primeiro confinamento 80% dos requerimentos foram submetidos por mulheres, implicando a perda de um terço do salário.
Mais do que queixas, a CITE recebeu durante a pandemia pedidos de informação sobre questões legais relacionadas com direitos de conciliação profissional e familiar, quase sempre de mulheres.
As queixas foram apenas oito, mas sete foram de mulheres. Já os pedidos de informação chegaram em maior número, sobretudo por profissionais de saúde que viram, por exemplo, a entidade empregadora retirar de forma unilateral o direito a horários flexíveis, tendo a comissão intermediado alguns casos junto de hospitais e remetido outros para a Autoridade das Condições do Trabalho (ACT), quando se verificava uma violação da lei.
O aumento nos pedidos de informação foi mesmo a maior diferença na atividade da CITE em 2020, disse à Lusa Carla Tavares.
No entanto, há outros números, como os dos pedidos de parecer para despedimento de trabalhadores, que revelam como a pandemia foi desigual para homens e mulheres.
Sempre que uma empresa ou entidade empregadora queira despedir um trabalhador em situação de especial proteção – grávidas, puérperas, lactantes e trabalhadores e trabalhadoras em gozo de licença de parentalidade – tem de pedir obrigatoriamente um parecer prévio à CITE, que apenas é desfavorável se se comprovar uma situação de discriminação.
Em caso de encerramento de atividade ou falência - a maioria dos casos que chegou à CITE em 2020 - o parecer é favorável. Dos 708 pareceres emitidos em 2020, 636 diziam respeito a mulheres, apenas 109 a homens. Em 2020, a comissão registou um aumento nos pareceres de despedimento de 51,2%.
A presidente da CITE disse que o organismo chegou a ficar alarmado com os números relativos aos trabalhadores especialmente protegidos, quando em abril de 2020, no arranque da pandemia registou um acréscimo de pedidos de despedimento de 124%, mas o resto do ano acabou por não ser “tão gravoso”, com um aumento global de 19,8% face a 2019.
Sobre a recente decisão judicial do Supremo Tribunal de Justiça, que condenou um homem ao pagamento de 60 mil euros à ex-companheira por 30 anos de trabalho doméstico, em reconhecimento do valor económico que esse trabalho teve para o réu, Carla Tavares equiparou a decisão ao reconhecimento do direito a uma indemnização.
“Essa é uma questão que é importante, que tem sido muito discutida e que eu espero que com isto tudo ganhe mais dimensão nos próximos tempos, que é a questão da quantificação e da medição de todo este trabalho não remunerado que todos os dias é sobretudo desempenhado pelas mulheres, mas que não tem depois reflexo no contributo para a economia do país. Aquilo que este acórdão veio dizer é que de facto este trabalho não remunerado tem um valor económico e esse valor deve ser medido”, disse.
Sobre a regulamentação do teletrabalho, que o parlamento está a discutir num grupo de trabalho e no qual a CITE tem estatuto de observadora, Carla Tavares defendeu que “é prematuro” estar a apontar soluções, pedindo uma reflexão e que não se legisle “a quente”, sublinhando que o contexto da pandemia não deve ser usado como referencial pela sua excecionalidade.
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