“Esta partilha de dados com embaixadas, entre elas as de Estados repressores, é uma rotina da Câmara Municipal de Lisboa e não um 'erro que não devia ter acontecido' e que Fernando Medina agora veio lamentar”, salientou o CSP em comunicado.
Em causa está, a propósito de uma concentração à porta do Coliseu dos Recreios em 26 de junho de 2019, promovida pelo CSP, a “partilha de dados de ativistas pró-Palestina e palestinianos em Portugal pela Câmara Municipal de Lisboa com a embaixada israelita”.
“A 12 de junho de 2019, meros dias antes da ação que o comité tinha planeado à porta do Coliseu dos Recreios, o diário israelita Haaretz revelou que associações de boicote a Israel, como a nossa, tinham sido alvo de operações clandestinas por parte da Mossad, os serviços secretos israelitas, mostrando o perigo real em que a Câmara Municipal de Lisboa tinha colocado o nosso grupo”, refere ainda a organização.
A CSP divulgou agora uma troca de mensagens de correio eletrónico, na qual a Câmara Municipal de Lisboa refere que “sempre que um país é visado pelo tema de uma manifestação, a sua representação diplomática no nosso país é igualmente informada”.
“Por exemplo, tal procedimento foi feito aquando da comunicação recebida sobre a concentração promovida pelo Grupo de Apoio ao Tibete, no dia 25 de abril de 2019, no Largo do Camões, que assinalou o aniversário do Panchen Lama”, refere a autarquia na resposta ao CSP, ao assegurar que, “nesse caso, foi informada a embaixada da China”.
Além deste caso, a Câmara de Lisboa adotou o mesmo procedimento “aquando da comunicação recebida por parte de um conjunto de cidadãos que, em solidariedade com o povo da Venezuela, dinamizaram no dia 10 de Junho de 2019, uma ação pública de informação sobre o bloqueio ilegal de fundos estatais venezuelanos pelo Novo Banco”, avança a própria autarquia.
“Esta ação decorreu frente à sede daquele banco na Avenida da Liberdade e a embaixada da Venezuela foi informada da manifestação”, refere também a mensagem de correio eletrónico da autarquia, que adianta que, “desde a extinção dos governos civis, são as câmaras municipais os organismos que recebem as comunicações da parte das entidades promotoras de manifestações no espaço público”.
“É prática habitual da Câmara Municipal de Lisboa, desde essa data, reencaminhar essa informação para várias entidades, nomeadamente, as forças de segurança e o Ministério da Administração Interna”, assegurou câmara liderada por Fernando Medina.
Os jornais Expresso e Observador noticiaram na quarta-feira que a Câmara Municipal de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.
Em conferência de imprensa, ao fim da manhã de quinta-feira, Fernando Medina admitiu que foi feita a partilha de dados pessoais dos três ativistas, pediu "desculpas públicas" e assumiu que foi "um erro lamentável que não podia ter acontecido".
Os três ativistas russos, cujos dados foram partilhados, anunciaram que vão apresentar uma queixa na justiça contra a câmara municipal.
À noite, Fernando Medina explicou na RTP que será feita uma auditoria a todas as manifestações que ocorreram na capital, pelo menos desde 2011, ano em que houve uma alteração legislativa com o fim dos governos civis, que fez transitar para as autarquias algumas competências sobre realização de manifestações.
Medina afirmou ainda que a Câmara Municipal acolheu queixas em abril e deu razão aos três ativistas russos, mas que só soube "há poucos dias" do caso pela comunicação social.
Na conferência de imprensa, Fernando Medina explicou que a partilha de dados resultou de "um funcionamento burocrático" da autarquia sobre realização de manifestações, entretanto já alterado em abril: Os promotores de uma qualquer manifestação devem comunicá-la à câmara até 48 horas antes da data, indicando o local, hora e dados de quem organiza.
Esses dados são partilhados com a PSP, o Ministério da Administração Interna e "as entidades onde a manifestação se vai realizar", explicou Fernando Medina. Neste caso, a entidade era a embaixada da Rússia em Lisboa.
"É aqui que há o erro da câmara, tratando-se desta manifestação esta informação não podia ter sido transmitida", disse.
No entanto, a explicação de que a embaixada da Rússia foi informada “por ser esse o local da realização da manifestação” contradiz a explicação dada em 2019 pela Câmara de Lisboa ao CSP, de que uma embaixada é informada “sempre que um país é visado pelo tema de uma manifestação”, independentemente do local onde se realiza.
O caso originou uma onda de críticas e pedidos de esclarecimento da Amnistia Internacional e de partidos políticos, nomeadamente do PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP, Iniciativa Liberal, Livre e Volt Portugal.
À margem das comemorações do Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse aos jornalistas que a partilha de dados foi lamentável.
"Realmente é lamentável que isso tenha acontecido, e percebo o pedido de desculpa do senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa. O que ele disse é, no fundo, aquilo que todos os responsáveis sentem, que não devia acontecer, não devia ter acontecido e espera-se que não volte a acontecer", considerou.
Carlos Moedas, candidato do PSD à Câmara de Lisboa, pediu a demissão de Fernando Medina e o partido Aliança disse que vai participar o caso à Procuradoria-Geral da República.
À RTP, Fernando Medina voltou a desvalorizar os pedidos de demissão, apelidando-os de "delírio de oportunismo político": "Estamos num tempo político em que o aproveitamento político é muito evidente".
A Comissão Nacional de Proteção de Dados confirmou hoje que abriu um processo de averiguações à partilha de dados pessoais dos três ativistas russos.
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