A Comunidade Judaica do Porto rejeita "ilicitudes" na atribuição da nacionalidade portuguesa a judeus sefarditas. Num esclarecimento enviado ao SAPO24, a organização diz que "para além dos muitos efeitos positivos da lei da nacionalidade, nunca houve ilicitudes da parte das comunidades judaicas certificadoras". Apesar de tanto a Procuradoria-Geral da República como o Instituto dos Registos e Notariado terem confirmado, em janeiro, a abertura de inquéritos ao processo que deu a nacionalidade ao multimilionário russo Roman Abramovich, a organização diz esta sexta-feira que "nenhum caso suspeito foi encontrado em sete anos de vigência da lei. E assim vai continuar".
O esclarecimento surge depois de o jornal 'Público' publicar uma investigação onde refere que pela Comunidade Israelita do Porto (CIP) passaram já 76,5 mil pedidos de nacionalidade, o que representa cerca de 90% dos processos instruídos em Portugal ao abrigo da nova lei da nacionalidade e por cada processo é cobrado um emolumento de 250 euros, para além dos 250 euros da taxa da Conservatória, traduzindo-se em milhões de euros de lucros para a CIP.
Segundo o jornal, este processo é liderado pelo advogado Francisco de Almeida Garrett, sobrinho da socialista Maria de Belém, que liderou o processo de alteração da lei e que recusa ter articulado essas mudanças com o sobrinho.
Em sete anos (março de 2015 a janeiro de 2022) o Estado português concedeu a cidadania portuguesa a 56.685 descendentes de judeus sefarditas. A lei é destinada a mais de um milhão de pessoas, contando apenas as famílias tradicionais das comunidades sefarditas do norte da África e do antigo Império Otomano. Cerca de 5% deste número obtiveram a cidadania, e pouco mais de 7000 judeus já residem em Portugal.
Segundo dados do Instituto dos Registos e Notariado e do ministério da Justiça, consultados pela agência Lusa, Portugal já atribuiu a cidadania portuguesa a 56.685 descendentes de judeus sefarditas, tendo recusado 300 pedidos de naturalização entre 2015 e 2021. Entre 01 de março de 2015 e 31 de dezembro de 2021, “deram entrada nos serviços do IRN 137.087 pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa” ao abrigo da Lei da Nacionalidade para os judeus sefarditas, que foram expulsos da Península Ibérica durante a inquisição, no século XV, diz a Lusa.
Segundo os dados registados no final do último ano, restam 80.102 pedidos pendentes.
Questionados pela Lusa sobre o rigor do processo de fiscalização dos pedidos de naturalização dos judeus sefarditas, na sequência das críticas suscitadas à concessão da nacionalidade ao multimilionário russo Roman Abramovich em 2021, o IRN e o ministério da Justiça explicaram que “a regularidade formal e substantiva dos documentos apresentados e necessários à instrução do processo” passa pelo conservador de registos.
“O requisito da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa é atestado por uma comunidade judaica com estatuto de pessoa coletiva religiosa, radicada em Portugal, nos termos da lei. Não obstante, este e os demais documentos que instruem cada um destes processos são objeto de um rigoroso escrutínio formal e legal a cargo do conservador de registos, que, no final, emite o respetivo parecer”, sustentam.
O IRN e a tutela rejeitam a existência de “situações anómalas” neste âmbito, argumentando que os processos seguem “idêntica tramitação”, nos quais é obrigatório prova documental da descendência de judeu sefardita “certificada pelas entidades legalmente” autorizadas.
A informação da naturalização do multimilionário russo foi revelada no final de 2021 pelo jornal Público, que adiantou que o processo demorou apenas seis meses. De acordo com o diário, ao abrigo da Lei da Nacionalidade para os judeus sefarditas, Roman Abramovich é português desde o passado dia 30 de abril.
"Ninguém acusa [a conservatória] de lucros milionários"
No esclarecimento por escrito enviado ao SAPO24, a "Comunidade Judaica do Porto lamenta o discurso de quantos, em Portugal, põem a tónica nos efeitos negativos na lei da nacionalidade, nos supostos lucros milionários das comunidades certificadoras e em tudo o que possa denegrir a lei, mesmo que baseados em denúncias anónimas, fontes anónimas, teorias da conspiração e os velhos mitos antissemitas do dinheiro e dos truques de maçonarias judaicas".
A organização defende que "os emolumentos de 250 euros cobrados pelas comunidades certificadoras em Portugal são os mesmos emolumentos cobrados quer pela Conservatória de Portugal, que ninguém acusa de lucros milionários, quer pelas comunidades certificadoras de todo o mundo nos casos de certificações com vista à migração dos certificados para Israel. Também nestes casos nunca ninguém foi acusado de lucros milionários", diz.
"As receitas das comunidades judaicas em geral, e é o caso da comunidade judaica do Porto, são usadas para promover a religião judaica, a cultura judaica e a filantropia social", explica a CJP, acrescentando que "em Portugal vemos sinagogas cheias de gente, centros de achdut para jovens judeus, restaurantes e lojas kosher, os museus Judaico e do Holocausto do Porto, o maior Chabad Center da Europa, a escola judaica de Portugal, um novo cemitério, um jornal, shabbat meals distribuídas em comunidades judaicas de muitos países e muita filantropia social em Portugal, desde hospitais, lares de idosos e centros juvenis."
A instituição diz ainda que, "por razões que se prendem com a cultura judaica, a comunidade judaica do Porto sempre dispensou do pagamento de emolumentos todos quantos são parentes de membros da comunidade e quantos estão desempregados, ou são estudantes, ou não tenham condições financeiras, e outros motivos".
A Comunidade Judaica do Porto inclui cerca de 700 judeus originários de mais de trinta países e reúne à volta da mesma mesa todos os padrões e graus de observância do judaísmo. O Rabinato do Porto é reconhecido pelo Rabbanut Harashit de Israel e a organização tem protocolos de cooperação com a B'nai B'rith International, a Liga Anti-Difamação, a European Jewish Association, Keren Hayesod, Movimento de Combate ao Anti-Semitismo, CEJI - A Jewish Contribution to an Inclusive Europe, bem como com a Diocese do Porto e a comunidade muçulmana do Porto.
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