É a primeira vez que um presidente da Coreia do Sul é destituído. Aos 65 anos, Park Guen-hye deixa agora a Casa Azul. Foi a primeira mulher a liderar o país com uma cultura profundamente patriarcal. Ainda assim, quando chegou ao poder, em 2012, bateu recordes de votos na jovem democracia do país.
Responsável pela 14.ª maior economia do mundo, a poucos quilómetros do temperamental líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, Park manteve “uma firme e intransigente posição contra os testes nucleares no norte, conquistando o apoio das superpotências mundiais”, escrevia a revista Forbes, que, por isso, a colocou como a 12.ª mulher mais poderosa do mundo em 2016.
Mas ainda antes de chegar à presidência de um dos países mais influentes da Ásia, Park já tinha percorrido já os corredores do palácio presidencial da Coreia do Sul, onde viveu pela primeira vez aos 10 anos. Se em 2012 chegava à Casa Azul como presidente, na infância habitou-a como a filha mais velha do chefe do poder.
É que a presidente agora destituída é a filha mais velha de Park Chung-hee, cujo reinado brutal na ‘República da Coreia’ durou quase duas décadas. Na Casa Azul, Park Guen-hye viveu uma infância dourada, sendo chamada “princesa”, como conta a AFP.
O pai chegou ao poder após o golpe militar de 1961. Reescreveu a Constituição do país para reforçar o seu poder e reprimiu com violência dissidentes e opositores.
A mãe foi morta, numa tentativa de assassinato ao marido, por um ativista aparentemente ao serviço de Pyongyang. Park, na altura a estudar em França, foi obrigada a regressar a Seul e a assumir o lugar da mãe como primeira-dama. Tinha 22 anos.
“Com a súbita morte a minha mãe [...] pesadas responsabilidades e tarefas de primeira-dama foram subitamente postos em cima de mim. Foi na verdade uma tarefa árdua”, contou Park Guen-hye à CNN em 2014.
Cinco anos depois, em 1979, o próprio chefe de segurança de Park Chung-hee matou-o. A “princesa” passou a levar, então, uma vida fora dos holofotes do poder. Manteve-se discreta até ser persuadida a candidatar-se para deputada, num clima marcado pela crise financeira que atravessava a Ásia no final do milénio.
Foi eleita em 1998 e a sua carreira descolou imediatamente. Park tornou-se numa referência para os velhos conservadores, que amaram a sua mãe e tinham um enorme respeito pelo seu pai, considerando que ele tinha ressuscitado uma Coreia do Sul destruída pela guerra.
Park nunca casou e manteve-se afastada dos seus irmãos. “Estou casada com a República da Coreia. Não tenho filhos, os sul-coreanos são a minha família”, cita a AFP, sublinhando também a referência da ex-presidente sul-coreana ao exemplo da rainha Isabel I, do Reino Unido, conhecida pelo seu obstinado celibato.
As coisas, porém, começaram a correr mal há três anos. O desastre com um ferry, a 16 de abril de 2014, onde morreram cerca de 300 pessoas, na sua maioria jovens estudantes do ensino secundário numa viagem de estudo, manchou o seu mandato.
Rapidamente se percebeu que a culpa do acidente foi da tripulação do navio, que se salvou enquanto dizia aos passageiros para ficarem calmos e quietos dentro da embarcação. Mas vários foram os problemas que conduziram à tragédia.
A 21 de abril de 2014, a presidente da Coreia do Sul dizia: “este acidente está a trazer luz a vários problemas. Primeiro, a introdução do navio (como chegou ao país), inspeções, autorizações de operação têm de ser examinadas”.
“Ficou claro que foi um desastre de corrupção e incompetência causado pelo homem”, escreve a CNN. A presidente foi acusada de negligência no naufrágio, o pior acidente da história do país.
“Em vez de herdar a inteligência, visão e determinação do seu pai para construir a economia, só herdou a obsessão pelo poder e intolerância às críticas”, escreveu recentemente Chun Yu-Ok, antigo aliado e representante do partido de Park, citado pela AFP.
Depois do desastre, o escândalo “Choi Soon-sil Gate”
O caso envolve a ex-presidente sul-coreana Park Guen-hye e a sua conselheira informal Choi Soon-sil. Esta última é acusada de abuso de poder e tentativa de fraude após a denúncia de que terá tido acesso a documentos secretos do governo e que interveio nos assuntos do Estado.
A influência da família Choi sobre Park é antiga. Um documento confidencial da diplomacia americana divulgado pelo Wikileaks diz que Choi Tae-min, pai da amiga de Park, a controlava já nos tempos em que Park era primeira-dama.
Os adversários da presidente destituída pediam, então, explicações sobre o passado e “a sua relação de há 35 anos com um líder espiritual, Choi Tae-min, que os seus opositores caracterizam como um ‘Rasputin coreano’, e sobre a forma como ele controlou Park durante o seu tempo na Casa Azul, quando ela foi primeira-dama, depois da morte da mãe.”, pode ler-se no documento.
Uma equipa independente de procuradores tornou públicas esta semana as suas conclusões da investigação de mais de três meses sobre o caso de corrupção que envolve a amiga Choi Soon-sil e na qual se volta a referir a Presidente como suspeita de vários crimes. Os investigadores consideram que Park e Choi se puseram de acordo para pressionar a Samsung e outros grandes conglomerados empresariais sul-coreanos para que fizessem doações a organizações relacionadas com a amiga da chefe de Estado, em troca de um tratamento favorável das autoridades, afirmaram em comunicado.
A investigação conclui também que a presidente estava a par da criação de uma lista negra de quase 10.000 artistas e profissionais do mundo da cultura críticos do Governo, concebida com o objetivo de cortar as suas vias de financiamento público e privado.
O escândalo levou milhões de pessoas às ruas da Coreia do Sul para pedir a destituição da presidente. E mesmo os membros do seu governo lhe viraram as costas, apoiando o processo de destituição, que foi aprovado em dezembro, mas só esta sexta-feira foi ratificado pelo tribunal constitucional do país, conta também a AFP.
Choi terá extorquido, com conivência da então presidente, os principais grupos empresariais do país para fazer entrar 77.400 milhões de won (cerca de 63 milhões de euros) em duas fundações que controlava, em troca de favores.
O parlamento, controlado pela oposição, aprovou a destituição da presidente a 9 de dezembro de 2016 por causa daquele que é um dos maiores escândalos políticos da história recente da Coreia do Sul, uma decisão hoje ratificada pelo Tribunal Constitucional e por isso definitiva.
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