
"Várias pessoas foram detidas para interrogatório sobre uma suposta participação em casos de corrupção ativa no Parlamento Europeu" e uma foi presa em França, anunciou a procuradoria federal da Bélgica num comunicado.
Os atos tinham "o objetivo de promover interesses comerciais puramente privados", apontou a procuradoria, de forma a "beneficiar a Huawei". Durante as buscas, os agentes "apreenderam vários documentos e objetos, que serão cuidadosamente analisados".
Foram realizadas buscas nas residências e nos escritórios de vários lobistas que trabalharam e ainda trabalham para a empresa Huawei. As acusações são de "corrupção", "falsificação e uso de falsificação", "lavagem de dinheiro" e "organização criminosa", diz o Le Soir.
Segundo o último relatório anual sobre o funcionamento do Registo de Transparência, remetente a 2023, existem 12 469 representantes de interesses inscritos na plataforma do Parlamento Europeu. A maioria (8250) representa os seus próprios interesses e 3172 são empresas e grupos.
A maioria dos representantes de interesses (19%) exerce as suas atividades a partir de uma sede localizada na Bélgica, e não há dados relativos a Portugal.
Por sua vez, a gigante tecnológica chinesa afirmou que tem "tolerância zero" com corrupção e garantiu que entraria em contacto "urgentemente" com os responsáveis pela investigação "para entender melhor a situação", disse um porta-voz à AFP.
Da parte do Parlamento Europeu, uma fonte oficial afirmou que a instituição está disposta a "cooperar plenamente" com as investigações e destacou que não houve operações de busca nas suas instalações.
Foram apenas revistos os gabinetes de dois assessores parlamentares na sede do poder legislativo europeu.
Quem são os eurodeputados investigados?
Segundo o site de investigação holandês Follow the Money, estão a ser investigados 15 eurodeputados e ex-eurodeputados, dez dos quais já são conhecidos, numa lista publicada pelo SAPO24. Até ao momento, há um português envolvido no caso de corrupção em Bruxelas, o consultor Nuno Wahnon Martins.
O Follow the Money citou uma fonte não identificada que revela que vários eurodeputados receberam pagamentos indevidos por meio de uma empresa com sede em Portugal.
A Procuradoria-Geral da República de Portugal confirmou as operações no país "no âmbito de uma DEI [Decisão Europeia de Investigação] emitida pelas autoridades belgas".
Contactada pela Lusa, a Polícia Judiciária confirmou estar a colaborar com as autoridades belgas, mas não acrescentou mais pormenores. As buscas já começaram e sabe-se que foram feitas transferências “para um ou mais deputados europeus através de uma empresa portuguesa”, acrescenta o jornal Le Soir, sem adiantar pormenores.
Não se sabe ainda quem é a subsidiária portuguesa envolvida na investigação.
A corrupção presumida neste caso teria ocorrido principalmente por meio de presentes de valor (incluindo smartphones Huawei), bilhetes para jogos de futebol (a Huawei possui, por exemplo, uma caixa privada no Lotto Park, o estádio do RSC Anderlecht) ou transferências de alguns milhares de euros, segundo a investigação do Le Soir.
Aparência de lobby
A procuradoria belga destacou que os atos de corrupção foram praticados de forma regular "e muito discretamente de 2021 até o presente, sob a aparência de lobby".
De acordo com o conceito da União Europeia (UE), lobby ou representação legítima de interesses, "compreende todas as ações desenvolvidas com o objetivo de influenciar a formulação política e o processo de decisão das instituições de soberania do Estado", explica Maria Domingas Carvalhosa, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Comunicação (APECOM), ao SAPO24.
Estes contactos por parte da Huawei foram feitos ilegalmente, na forma de "remuneração ou presentes excessivos para adoção de posturas políticas" que beneficiassem a empresa chinesa.
Nicholas Aiossa, diretor da Transparência Internacional da UE, alertou que as novas denúncias "são tão amplas e sérias quanto as do 'Watargate'".
"Durante muito tempo, os membros do Parlamento Europeu adotaram uma abordagem descuidada em relação à ética e continuaram a viver numa cultura de impunidade", acrescentou.
Segundo o procurador, a investigação procura igualmente identificar eventuais elementos de branqueamento de capitais.
"Os benefícios patrimoniais relacionados com a corrupção presumida estariam possivelmente misturados em fluxos financeiros ligados ao pagamento de despesas de conferências, e pagos a diferentes intermediários, com o intuito de dissimular o seu caráter ilícito ou de permitir que os autores escapassem às consequências dos seus atos. Sob este ponto de vista, a investigação também se foca em identificar elementos de lavagem de dinheiro, quando aplicável", acrescenta a Procuradoria Federal, em entrevista ao Le Soir.
A resposta do Governo chinês
"A China sempre exigiu que as suas empresas cumpram rigorosamente as leis e os regulamentos dos países onde operam", afirmou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Mao Ning, em conferência de imprensa, referindo-se à tecnológica chinesa Huawei.
"Esperamos que as partes relevantes respeitem as regras económicas e comerciais internacionais e proporcionem um ambiente comercial justo, transparente e não discriminatório para as empresas chinesas na Europa", acrescentou.
Mao Ning sublinhou que "as questões comerciais não devem ser politizadas e as empresas não devem ser reprimidas através de meios infundados", numa resposta ao inquérito de Bruxelas contra a Huawei.
O caso reacendeu o debate sobre a presença de empresas chinesas em setores estratégicos na Europa. A Comissão Europeia recomenda a restrição ou exclusão da Huawei das redes 5G dos Estados-Membros a partir de 2023, uma medida apoiada pelos Estados Unidos na sua política de contenção da tecnologia chinesa.
Pequim tem repetidamente rejeitado as acusações contra as suas empresas tecnológicas, dizendo serem tentativas de bloquear o seu acesso aos mercados ocidentais sob falsos pretextos de segurança.
*Com Agências
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