No caso do NOS SOS, promovido pela companhia de teatro Palco 13, o que começou como um plano de fazer duas entregas pontuais a profissionais do teatro, acabou por transformar-se em entregas semanais “a qualquer profissional que tenha uma intervenção direta ou indireta num espetáculo”.
O nome do projeto de ajuda alimentar pode ter duas leituras "Nós S.O.S." e "Nossos". “Nossos de uma classe artística com que temos contacto direto e indireto, e que nos apercebemos que está com fragilidades, com carências”, explicou à Lusa Marco Medeiros, da Palco 13, salientando que “o apoio” aos profissionais do setor cultural, “como se sabe, é reduzido”.
“Achámos que, mais do que uma crítica pública, neste momento tínhamos de agir. A crítica tem de continuar, as mudanças têm de acontecer, mas neste momento há pessoas que não podem esperar por essa mudança. E decidimos ‘atacar’ e proteger essas pessoas que estão com algumas necessidades neste momento”, afirmou.
No início, estipularam a campanha para “apenas dois dias”. “Mas os pedidos têm continuado e as doações, felizmente, têm continuado, e não conseguimos parar”, contou.
Além disso, o projeto “foi sendo alterado e adaptado para responder às necessidades”. “Começámos com um grupo restrito de profissionais do teatro, mas depois começámos a perceber que esta definição tinha de ser alargada. Infelizmente temos que definir balizas, como em todas as campanhas, porque senão não podemos responder a todos os casos”, afirmou.
A Palco 13 optou por recolher donativos em dinheiro, através de transferência bancária, para comprar os cabazes de ajuda alimentar.
“O nosso grupo não é assim tão grande e estamos todos no ativo, então escolhemos dois dias para esta iniciativa. Um dia de compras, separação de cabazes e desinfeção, e o outro para distribuição. Tudo o que é recolha de bens obriga a um dia extra”, contou Marco Medeiros.
No entanto, os donativos em géneros não são recusados: “Há quintas que nos dão legumes e vamos recolher”.
Marco Medeiros não tem um número certo das pessoas que ajudam - esta semana, na zona de Lisboa entregaram 13 cabazes, “que parece pouco se fosse apenas um saco” -, mas “as pessoas não têm sido as mesmas de umas semanas para as outras”.
Entretanto, a NOS SOS já faz também entregas no Porto, no Algarve e no Seixal. “E estamos à procura de mais áreas que possamos cobrir com a campanha”, revelou.
Marco Medeiros prevê que as entregas decorram por “pelo menos mais dois, três meses”, esperando que “não se prolongue além disso”.
A União Audiovisual, grupo de ajuda alimentar criado em março em Lisboa, não é tão otimista. “[A paragem de trabalho] começou em março e estávamos a contar que em junho, julho já estivéssemos a trabalhar. Hoje já olhamos para isto e achamos que pelo menos até ao final do ano vamos continuar sem trabalho. Portanto, acho que até ao final do ano vão aparecer novos casos, até porque nós temos perfeita noção de que muitas pessoas que hoje nos estão a ajudar se calhar daqui a dois, três meses vão ser elas a precisar de ajuda”, disse à Lusa Hugo Carriço.
Com o setor do audiovisual “completamente parado”, Hugo Carriço e outros profissionais da área perceberam que tinham colegas “que estavam a passar por dificuldades económicas e que não tinham maneira sequer de comprar comida para eles, nem para as famílias”.
“Então decidimos criar o grupo, criar uma forma de o pessoal agir localmente: nós aqui de Lisboa ajudarmos os nossos conhecidos de Lisboa, etc.”, contou.
Mas com tempo perceberam que teriam de o fazer “de uma forma mais organizada”. E hoje, além de Lisboa, há também núcleos em Setúbal, no Porto, no Alentejo e no Algarve.
Apesar de ter sido iniciado por profissionais do audiovisual, “este grupo destina-se a ajudar quem vive da Cultura: técnicos de som, vídeo, luz, atores, artistas de circo”. “Tudo o que envolve Cultura, nós temos ajudado toda essa gente”, contou Hugo Carriço.
A fazer entregas há cerca de um mês, a União Audiovisual ajuda, por semana, “cerca de 200 pessoas”.
No início ainda aceitaram “doações em dinheiro, por transferência bancária, de quem queria ajudar, mas não tinha maneira de fazer chegar os bens”.
Agora, recebem apenas bens alimentares. “Semanalmente temos pontos de recolha e definimos um dia e uma janela temporal, para as recolhas, depois temos armazéns onde organizamos os cabazes”, explicou Hugo Carriço.
O dinheiro que receberam no início é usado “para completar os cabazes”: “Vamos comprar carne, frescos”.
Os cabazes foram idealizados para “darem para cerca de um mês” e são criados “caso a caso, conforme o número de pessoas do agregado familiar, se há crianças, se há restrições alimentares ou alguma necessidade especial”.
“Partimos do princípio que uma pessoa que receba o cabaz não precisa de ajuda durante um mês, o que vai acontecendo é que vão surgindo casos novos, de semana para semana”, referiu Hugo Carriço.
Quem quiser ajudar, ou precisar de ajuda, pode contactar estes grupos usando a Internet.
A Palco 13 tem um site e uma página no Facebook; a União Audiovisual tem um grupo no Facebook, que é fechado mas basta pedir para aderir, e em breve terá uma página na mesma rede social.
Os espaços culturais começaram a encerrar, e consequentemente a adiar ou cancelar espetáculos, no início de março, quando a opção era ainda apenas uma recomendação do Governo.
De acordo com a Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos (APEFE), desde meados de março e até ao final de abril foram cancelados, suspensos ou adiados cerca de 27 mil espetáculos. A APEFE contabilizou apenas espetáculos com bilhetes pagos.
Entretanto, o Governo aprovou, em 30 de abril, em Conselho de Ministros, o "Plano de Desconfinamento", que previa a reabertura de livrarias, bibliotecas e arquivos (que aconteceu no dia 04 de maio), seguindo-se museus, palácios, galerias e monumentos (na próxima segunda-feira).
Segundo este plano, cinemas, teatros, auditórios e salas de espetáculos podem abrir em 01 de junho, "com lugares marcados, lotação reduzida e distanciamento físico".
Estas decisões serão “reavaliadas a cada 15 dias”.
De acordo com um inquérito promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, Audiovisual e Músicos (Cena-STE), e cujos resultados foram anunciados no início de abril, 98% dos trabalhadores de espetáculos viram trabalhos cancelados e, 33 por cento, por mais de 30 dias.
Em termos financeiros, para as 1.300 pessoas que responderam ao questionário, as perdas por trabalhos cancelados representam ainda dois milhões de euros, apenas para o período de março a maio deste ano, de acordo com o Cena-STE (o que indica a perda de um valor médio de receita, por trabalhador, de cerca de 1.500 euros).
Segundo um outro inquérito, realizado pelo Movimento SOS Arte PT a 300 pessoas entre 03 e 17 de abril, 65% dos profissionais das artes - três em cada quatro - registaram fortes quebras de rendimento devido à pandemia da covid-19.
Em março, devido à covid-19, 62% dos inquiridos tiveram o seu trabalho completamente ou quase completamente parado, 65% (dois em cada três) viram ser completamente afetada a sua vida profissional e 75% (três em cada quatro) a sua vida pessoal.
Além disso, de acordo com os resultados de um inquérito promovido pela Fundação GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas), por cada espetáculo cancelado em Portugal, até 31 de março, devido à pandemia da covid-19, ficaram sem rendimento, em média, 18 artistas, 1,3 profissionais de produção e 2,5 técnicos.
Ao inquérito responderam, até 31 de março, 992 profissionais, que deram conta do cancelamento de 4.287 espetáculos.
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